Augusto Santos Silva, ex-ministro
Escola pública corre riscos
Augusto Santos Silva já chefiou vários
ministérios: foi ministro da Educação, da Cultura, da Defesa, e dos
Assuntos Parlamentares. Docente na Universidade do Porto é também
um dos rostos do Partido Socialista mais respeitados. Em entrevista
ao Ensino Magazine diz que a escola pública pode não resistir aos
cortes previstos para o setor da educação.
Defensor do sistema binário no
ensino superior, Augusto Santos Silva avisa que se está a preparar
o encerramento de instituições no interior do país. De caminho
acusa o Ministério da Educação e os sindicatos de terem um pacto e
diz que na escola há desesperança e medo.
Em momentos
de crise, como a que o país e a Europa, atravessam, há sempre a
tentação de se cortar em várias áreas, sendo a educação uma das
mais afetadas. A escola pública, tal como a conhecemos, corre
perigo?
A resposta depende do tipo da
gestão de orçamento que se fizer. O Ministério da Educação, na
atual configuração, incluindo o ensino superior, é um dos maiores
ministérios do Estado, pelo que é inconcebível processos de
contenção de despesa que não impliquem esse ministério.
No entanto, - e como o mandato de
Maria de Lurdes Rodrigues demonstrou, entre 2005 e 2009 -, é
possível gerir o orçamento do Ministério da Educação de modo a
gastar relativamente menos fazendo mais. As margens de ineficiência
do ministério eram grandes e, tanto quanto sei, ainda há algumas,
designadamente em matéria de gestão de pessoal docente. Os horários
zero ou mobilidade de professores continuam a custar ao país
dinheiro mal utilizado.
Tenho, contudo, muitas dúvidas de
que o sistema público de educação resista, com a qualidade que hoje
tem, a cortes como aqueles que estão programados no documento de
estratégia orçamental. Como as medidas equivalentes a esses cortes
não estão detalhadas, não poderei, para ser honesto, dizer muito
mais que isto.
Referiu o
mandato de Maria de Lurdes Rodrigues. Nesse período houve uma
contestação elevada por parte dos professores, sobretudo devido a
algumas medidas que foram tomadas como as aulas de substituição
(hoje já pacíficas), a escola a tempo inteiro ou o processo
avaliativo. Mas hoje a escola parece estar mais nervosa…
Eu não fiz nenhum estudo científico
sobre essa matéria, mas conheço muitos professores e escolas. O
sentimento que mais encontro é um misto de medo e desesperança. As
pessoas estão desesperadas, com muito pouca esperança e muito medo.
E este é um facto que me preocupa. Se os professores, que são uma
classe profissional altamente qualificada, com condições de
trabalho razoáveis se comparadas com outros trabalhadores, estão
com medo, o que sentirão os reformados, os pensionistas, ou os
funcionários públicos pouco qualificados?
Esse medo
resulta de que fatores, da mobilidade especial?
Resulta de muitas coisas que
aconteceram. E todas essas coisas surgiram de um denominador comum:
aquilo que se pensava que estava garantido, os direitos que
pensávamos estarem seguros, ou as expetativas que considerávamos
seguras ficaram em causa. E no momento em que fica em causa a
pensão que uma pessoa recebe em função dos descontos que fez, ou o
salário a que tem direito, ou - no caso da função pública -, a
estabilidade do vínculo profissional, o medo instala-se.
E é esse
medo que tem impedido os professores de se manifestarem como num
passado recente?
Não apenas. Evidentemente que esse
medo e a desesperança limitam os movimentos dos professores que
protestam, se zangam e exprimem angústia e hostilidade, mas que têm
mais dificuldade em agir pela positiva, em se manifestar e em se
organizar.
Mas nesta matéria importa sublinhar
dois aspetos: os professores têm-se manifestado, o que deixou de
acontecer foram manifestações específicas de professores e de
sindicatos. E isso verificou-se com as manifestações de 15 de
setembro e agora em março, por exemplo, onde participaram milhares
de docentes, só que numa iniciativa onde estavam outros movimentos
cívicos. E estas manifestações chegaram a juntar três gerações da
mesma família.
O segundo dado é a astenia da
iniciativa dos sindicatos, em particular da FENPROF. E isso é que é
surpreendente. Na prática vigora uma espécie de pacto entre os
sindicatos e o Ministério da Educação. Esse pacto consiste no
seguinte: o Ministério da Educação congelou a avaliação dos
professores e os sindicatos respondem com uma contestação naquele
limite que se fosse ultrapassado seria um escândalo nacional. E
esse pacto, pelo que me apercebo, está em vigor, o que é muito
triste.
A criação
dos mega agrupamentos de escolas está a avançar no país, criando
organismos com mais de três mil alunos com escolas, muitas vezes,
afastadas. Isso é governável? Há vantagens pedagógicas nessas
estruturas, ou lógica é reduzir?
Isso é muito desaconselhável. Eu
defendo os agrupamentos. Estava no Ministério da Educação quando
eles se iniciaram. Mas os agrupamentos eram constituídos por razões
de ordem pedagógica e organizativa. Tratava-se de por em comum e em
articulação as escolas pelas quais passavam sucessivamente ao longo
da sua escolaridade o aluno. E Portugal era um caso muito estranho
nessa matéria, pois havia poucos países em que uma criança entrava
para um jardim de infância, saía para uma escola para fazer o 1º
ciclo, voltava a sair para o 2º ciclo e ainda voltava a sair para
concluir o 3º ciclo. Por isso, o agrupamento que ligue entre si
escolas do 1º ciclo e jardins de infância, ou escolas de 1º, 2º e
3º ciclo, garante que a mesma direção, o mesmo corpo de docentes e
a mesma instituição acompanhe a criança/jovem ao longo da sua
escolaridade básica.
Mas a
direita criticou os agrupamentos da altura?
A direita sempre contestou os
agrupamentos, mesmo quando eram feitos nessa lógica, em que uns
tinham 300, outros 500 ou mais de 1000 alunos. Agora, por razões
exclusivamente financeiras e com o único intuito de "permitir"
libertar professores - isto é de os despedir -, foram constituídos
agrupamentos sem nenhum critério. Como bem referiu na sua pergunta
anterior, a principal questão não é a dimensão em número de alunos.
Não há um número mágico. Um estabelecimento pode ser bem gerido com
200 ou com 2000 alunos. O problema está na extrema dispersão
territorial que constituem os agrupamentos. O objetivo essencial é
tornar excedentários professores e funcionários.
No ensino
superior a rede de universidades e politécnicos abrange todo o
território nacional. O sistema binário continua a fazer
sentido?
Sim. Até porque não estão ainda
exploradas todas as suas potencialidades. A lógica de constituição
de um sistema binário assenta na progressiva generalização do
ensino superior. Hoje devemos ter um em cada três jovens, entre 18
e os 23 anos, a frequentar o ensino superior. O que nos coloca na
média dos países da OCDE. Esses jovens são diferentes entre si e
têm diferentes objetivos e expetativas. Por isso, o ensino superior
deve ser suficientemente diversificado para poder acolher essa
diversidade. A organização entre um setor mais próximo da
investigação científica e das ciências fundamentais (universitário)
e outro mais próximo da vida económica e profissional, ligado
diretamente às tecnologias, às formações de natureza profissional
como nas engenharias, na educação e nas artes (politécnico), é
útil.
A rede binária permitiu ao país, em
pouco menos de 15 anos, cobrir todo o seu território com
instituições de ensino superior. Instituições, que como se nota bem
no interior do país, para além de serem uma oferta de educação, são
um importantíssimo fator de dinamismo económico e social local. O
que seria hoje o interior do país sem instituições de ensino
superior? Há capitais de distrito em que elas constituem um dos
poucos polos de dinamismo que as populações têm.
E quando se
fala em reorganização da rede. Essas instituições correm
perigo?
Temo que sim. Mas também digo que
se se está a preparar o que parece, e o que parece é o encerramento
de várias instituições de ensino superior no interior do país -
politécnicas e universitárias -, isso só será concretizado se as
pessoas deixarem. Se houver resistência essa medida, que é tão
violenta, não conseguirá avançar. Contudo, tenho que falar com
cuidado porque o ministério não diz o que quer fazer, não só neste
como noutros domínios. Espero que não seja o encerramento das
instituições aquilo que o ministério quer fazer. Há outra
alternativa bem mais interessante e positiva.
E qual é
essa alternativa?
Considero que não devem estar abertos
cursos que ninguém quer, ou que se devam inventar alunos que não
existem. É preciso adequar a rede do ensino superior à evolução da
demografia escolar. A própria Lei prevê formas de organização e
cooperação entre instituições, que permitem que elas adquiram massa
crítica sem terem que encerrar. Falo dos consórcios, de formas de
organização supra locais. Não vejo porque é que os politécnicos,
por exemplo no distrito de Santarém, se estiverem em perda de
alunos não se organizem e adquirem a massa crítica de que
precisam.
Essa sempre
foi uma medida defendida pelo ministro Mariano Gago, o que é certo
é que as instituições nunca se entenderam nessa matéria…
Eu não gosto de assumir o papel
daquela personagem de banda desenhada, o Calimero, que estava
sempre a queixar-se de o tratarem mal. Espero que as instituições,
as forças vivas ou os grupos que resistiram tanto a medidas que os
governos do Partido Socialista tomaram para racionalizar as coisas
sem ofender os direitos, tenham aprendido a lição.
Essa
reordenação pode ser feita também com uma mais justa distribuição
das vagas no ensino superior?
Defendo uma lógica de competição
entre as escolas do ensino superior. O Ministério da Educação deve
acompanhar a própria dinâmica da demografia escolar. O que já não
faz sentido é instituições universitárias canibalizarem formações
tipicamente politécnicas, como acontece na área do turismo, por
exemplo. O contrário já não é possível, pois nenhum politécnico
poderá dar um curso de medicina.
Recentemente os politécnicos apresentaram um estudo onde é referido
que essas instituições se deveriam designar de Universidades de
Ciências Aplicadas, à semelhança do que acontece noutros países da
Europa. Em seu entender a mudança de designação poderia trazer mais
valias a todo o sistema?
Não é pelo nome que a coisa se
resolve.
Mudando de
assunto. Mostrou preocupação de se estar a preparar o maior ataque
à coesão territorial do país desde os tempos de Oliveira Salazar.
Isso significa uma litoralização do país nas áreas estratégicas,
como educação, a saúde, entre outras?
Significa a litoralização do país,
o qual fica encolhido nas áreas económicas. Não conheço, hoje,
nenhuma política de medida económica destinada a apoiar o interior
do país. O que tenho visto é a sucessiva derrogação e eliminação de
todas as medidas de política pública destinadas a incentivar a
atividade e a radicação no interior do país. Os incentivos fiscais
foram eliminados, os poucos benefícios de que o interior gozava em
matéria de acessibilidades foram eliminados, com a introdução de
portagens. Todos os projetos de melhoria das acessibilidades e,
portanto de diminuição dos custos das pessoas e das empresas, foram
eliminados tanto na ferrovia como na rodovia, e não vejo nenhuma
expressão política que se quer afirme a voz do interior no quadro
da atual maioria.
Mas há
fundos comunitários que se destinam a promover essa coesão…
O erro mais crasso deste Governo é
a não utilização dos fundos comunitários em matéria de coesão
regional. Aliás eles hoje estão a ser usados para tapar buracos
orçamentais. O atual Governo tomou uma medida correta que foi
aumentar a taxa de comparticipação comunitária: Hoje, pode obter
100% financiamento com apenas 10% de esforço próprio. Mas essa
medida só faz sentido se os fundos estiverem disponíveis.