Entrevista

João Ferreira do Amaral, economista
«Portugal pode transformar-se numa junta de freguesia da Europa»
image002.jpgDepois de afirmar que podemos e devemos sair do euro, o professor universitário lança outro grito patriótico em defesa da independência nacional, contra o que chama ser a «ditadura europeia».
Os seus dois livros, «Porque Devemos Sair do Euro» e «Em Defesa da Independência Nacional» são, de alguma forma, o seu contributo cívico de um português verdadeiramente patriótico?
Considero-me como tal. Ser patriota é querer o melhor para o país e querer, fundamentalmente, que Portugal seja autónomo e que possa dirigir os seus próprios destinos, assentes em decisões por si tomadas.
A soberania é o leitmotiv de ambos os livros. Na sua opinião, ela existe de forma mitigada ou está hipotecada?
Não creio que esteja definitivamente hipotecada, mas estamos num caminho em que a soberania está a ser drasticamente reduzida pelo facto de termos abdicado da nossa soberania monetária, que eu acho que é essencial à independência do país, e também por nos confrontarmos com um  centralismo absurdo a nível europeu. As decisões têm sido retiradas do âmbito dos estados, para serem tomadas pelos países mais poderosos. E é preciso inverter esse caminho.
Na introdução deste último livro escreve o seguinte, que passo a citar: «É lamentável ter de o dizer, mas a principal ameaça que hoje existe à independência de Portugal é a União Europeia». Isto não é um murro no estômago?
Admito que sim, mas muitos portugueses sentem, cada vez mais, essa realidade no seu dia a dia. Retiraram-nos capacidade de decisão, a nível monetário e orçamental, só para falar dos aspetos mais gritantes, para as decisões serem tomadas por órgãos que não controlamos. Perante isto, estamos confrontados com uma ameaça crucial à independência nacional, sem os instrumentos para a gestão das nossas independências. A seguirmos por este processo, vamos acabar numa pequena junta de freguesia europeia, sem decisão sobre nada do que é importante para o nosso país.
O que quer dizer com «tirania tecnocrática»?

São órgãos técnicos da Comissão Europeia ou do Banco Central Europeu que dominam praticamente tudo o que se passa em diversos estados, como em Portugal. E os critérios que presidem às suas decisões e estratégias são, também eles, técnicos. É a política reduzida a uma tirania tecnocrática.
Portugal foi, de alguma forma, vítima do «europeísmo acrítico e acéfalo» que aponta Pacheco Pereira, no prefácio do livro?
As nossas elites políticas nunca tiveram uma estratégia capaz em relação à Europa. O único objetivo que pretenderam atingir foi arrecadar mais dinheiro e fundos comunitários. Viram a Europa como uma vaca leiteira ou uma árvore das patacas. Isto só podia dar mau resultado. Aliás, a nossa entrada na moeda única, que na minha opinião não se justificava, foi em grande medida motivada por este passo contribuir para aumentar o volume de fundos comunitários recebidos.
Não estavamos preparados para o euro ou venderam-nos uma ilusão?
Eu não defendo a saída da União Europeia, defendo é que não devíamos ter entrado na moeda única porque automaticamente se retirou um elemento determinante da nossa soberania, como aliás se tem verificado. A Dinamarca e o Reino Unido rejeitaram o euro porque, atempadamente, perceberam as implicações que isso ia ter para as suas políticas internas. A moeda é um elemento crucial da independência nacional de qualquer país. Não é por acaso que atualmente coexistem 150 moedas nacionais em 193 estados a nível mundial.  Se excluirmos os países do euro e uns estados minúsculos é praticamente a correspondência, uma moeda, um país. E isso é que é normal.
O economista Miguel Beleza, em entrevista a este jornal, disse que caso abandonassemos o euro «seríamos a nova Albânia» na Europa. Como comenta?
Não faz sentido nenhum. Comentários desses só seguem a lógica que as pessoas devem aceitar tudo o que lhes queiram vender em nome do euro. Nessa perspetiva, todos os países fora do euro seriam Albânias.
Há um ano a Europa estava à beira do precipício. Agora, as crises parecem apaziguadas. A Irlanda e Portugal saíram do jugo da troika e até a Grécia já parece respirar  melhor.  O pior já passou?
É um jogo de sombras para enganar a opinião pública. A Europa não resolveu os seus problemas. Penso, aliás, que os eleitorados vão penalizar claramente as instituições europeias nas eleições de 25 de maio. O que penso que pode acontecer quando eclodir uma nova crise financeira é que a Europa será apanhada num grande estado de debilidade e as proporções do caos podem ser ainda maiores.
Teme a emergência da extrema direita em diversos países da Europa, como na França e na Holanda?
image003.jpgNão me posso congratular com isso. É um sintoma de que algo está muito mal na União Europeia. Os partidos tradicionais têm-se revelado impotentes para resolver os problemas, o centralismo domina e retira soluções aos estados, e a única forma que resta ao eleitorado para reagir é votar nos que contestam estas políticas, onde se incluem os partidos de extrema direita.
A Europa solidária de Monnet e Schuman foi um projeto estilhaçado e transformado numa galeria de egoísmos nacionais?
A Europa foi um projeto de progresso até 1992, altura em que entrou em vigor o Tratado de Maastricht. Este retrocesso do processo de integração europeia terminou com dois princípios essenciais: a igualdade entre estados e o princípio da harmonização entre autonomias dos estados e a gestão dos interesses comuns. Foi precisamente com o Tratado de Lisboa que esses princípios foram aniquilados, com o diretório a ser capturado pela Alemanha. Em suma, na minha opinião o processo de integração europeia é de retrocesso e não de progresso, quer em termos sociais, quer em termos políticos.
Bruxelas vai mandar nos orçamentos ; nacionais. É mais um passo na «ditadura» europeia de que fala no livro?
É um golpe não só na independência, como na própria democracia. Nesse aspeto é uma forma de as democracias dos estados ficarem ameaçadas. Quero lembrar que a democracia nasceu a partir do controlo por parte dos parlamentos dos orçamentos dos países.
Na última década a Comissão Europeia foi liderada por um português. Durão Barroso é o rosto de uma geração de líderes europeus fracos e sem carisma?
Faço uma avaliação muito negativa do trabalho desta Comissão. Subordinou-se claramente aos interesses alemães, não fez nada de útil pela Europa e, pior, patrocinou vários programas de austeridade que não são mais do que um desastre para os países visados, entre os quais Portugal. As lideranças são de facto fracas, mas o problema é mais vasto do que isso e assenta no próprio enquadramento institucional que foi criado, e neste aspeto particular aponto o dedo às lideranças nacionais, nomeadamente em França, que se deixaram subjugar pelo poder germânico.
Nas eleições de 25 de maio registou-se uma taxa de abstenção muito elevada. Este alheamento popular não dá mais força aos mentores da Europa centralista e dominada pelos mais poderosos?
Este alheamento não é por acaso. As elites políticas portuguesas europeístas têm bloqueado sistematicamente os referendos e os debates europeus. Tem sido estratégia corrente, desde o início da integração europeia, colocar a população à  margem dos problemas da Europa.
Já disse publicamente que não acredita nos Estados Unidos da Europa e rotula o federalismo de «utopia». Qual é o caminho para uma Europa solidária e coesa?
A Europa deve tratar da gestão dos interesses comuns e coletivos dos estados. Tudo o resto deve ser deixado aos estados membros. Veja que a moeda única não é um interesse coletivo, cada país pode ter a sua moeda, desde que exista cooperação monetária.
Pode garantir aos portugueses que se sairmos do euro nos próximos meses ou no próximo ano não será o fim do mundo?
image004.jpgPelo contrário, seria o princípio de uma nova fase de crescimento e progresso económico. Dentro do euro não temos chances de progredir. É evidente que tal dependeria do modo como saíssemos da moeda única, mas se o abandono fosse feito de forma adequada e equilibrada, as perspetivas seriam risonhas.
Pertence a um centro investigação na sua universidade, o ISEG. Os cortes à investigação têm sido transversais. É possível fazer ovos sem omeletes?
Evidentemente que não. Mas deixe-me partilhar que o que me preocupa mais no ensino superior não é tanto os cortes, mas o envelhecimento do corpo docente. Não há contratações novas, logo, não há renovação. A cristalização é inevitável. É bom que no ensino, e também noutros setores, coexistam os mais jovens e os menos jovens.
É paradoxal saber que os nossos licenciados são das nossas melhores exportações?
Não é de agora. Os nossos licenciados sempre foram de boa qualidade e tiveram uma boa prestação no exterior. É muito triste que tenham de emigrar. Para além disso, o problema demográfico é gravíssimo porque vai contribuir, ainda mais, para a quebra da natalidade e o consequentemente envelhecimento da população.
Preocupa-o a falta de ligação entre a empregabilidade dos licenciados e o mercado de trabalho?
Eu acho que essa é uma falsa questão. Não creio que exista um desfasamento entre o que as universidades «produzem» e o que o mercado de trabalho absorve. Eu entendo que os licenciados têm mais probabilidades de arranjar emprego do que os não licenciados. O que se passa é que a economia não está a criar empregos, pelo contrário, está a destruí-los. Infelizmente, lamento dizê-lo, mas a situação não vai melhorar nos tempos mais próximos. Um crescimento a rondar 1 por cento não dá para criar postos de trabalho suficientes. Seria necessário crescermos entre 2 e 3 por cento.
O país aguenta um ajustamento de décadas?
Não. Se a austeridade durar décadas o país revolta-se. O mesmo se passa com a Europa, creio que se esta situação se arrastar, o velho continente entrará em convulsão. É preciso mudar de caminho.
Nuno Dias da Silva
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