João Ferreira do Amaral, economista
«Portugal pode transformar-se numa junta de freguesia da Europa»
Depois de afirmar que podemos e devemos sair do
euro, o professor universitário lança outro grito patriótico em
defesa da independência nacional, contra o que chama ser a
«ditadura europeia».
Os seus
dois livros, «Porque Devemos Sair do Euro» e «Em Defesa da
Independência Nacional» são, de alguma forma, o seu contributo
cívico de um português verdadeiramente patriótico?
Considero-me como tal. Ser
patriota é querer o melhor para o país e querer, fundamentalmente,
que Portugal seja autónomo e que possa dirigir os seus próprios
destinos, assentes em decisões por si tomadas.
A
soberania é o leitmotiv de ambos os livros. Na sua opinião, ela
existe de forma mitigada ou está hipotecada?
Não creio que esteja
definitivamente hipotecada, mas estamos num caminho em que a
soberania está a ser drasticamente reduzida pelo facto de termos
abdicado da nossa soberania monetária, que eu acho que é essencial
à independência do país, e também por nos confrontarmos com um
centralismo absurdo a nível europeu. As decisões têm sido
retiradas do âmbito dos estados, para serem tomadas pelos países
mais poderosos. E é preciso inverter esse caminho.
Na
introdução deste último livro escreve o seguinte, que passo a
citar: «É lamentável ter de o dizer, mas a principal ameaça que
hoje existe à independência de Portugal é a União Europeia». Isto
não é um murro no estômago?
Admito que sim, mas muitos
portugueses sentem, cada vez mais, essa realidade no seu dia a dia.
Retiraram-nos capacidade de decisão, a nível monetário e
orçamental, só para falar dos aspetos mais gritantes, para as
decisões serem tomadas por órgãos que não controlamos. Perante
isto, estamos confrontados com uma ameaça crucial à independência
nacional, sem os instrumentos para a gestão das nossas
independências. A seguirmos por este processo, vamos acabar numa
pequena junta de freguesia europeia, sem decisão sobre nada do que
é importante para o nosso país.
O que
quer dizer com «tirania tecnocrática»?
São órgãos técnicos da Comissão Europeia ou do Banco Central
Europeu que dominam praticamente tudo o que se passa em diversos
estados, como em Portugal. E os critérios que presidem às suas
decisões e estratégias são, também eles, técnicos. É a política
reduzida a uma tirania tecnocrática.
Portugal
foi, de alguma forma, vítima do «europeísmo acrítico e acéfalo» que
aponta Pacheco Pereira, no prefácio do livro?
As nossas elites políticas nunca
tiveram uma estratégia capaz em relação à Europa. O único objetivo
que pretenderam atingir foi arrecadar mais dinheiro e fundos
comunitários. Viram a Europa como uma vaca leiteira ou uma árvore
das patacas. Isto só podia dar mau resultado. Aliás, a nossa
entrada na moeda única, que na minha opinião não se justificava,
foi em grande medida motivada por este passo contribuir para
aumentar o volume de fundos comunitários recebidos.
Não
estavamos preparados para o euro ou venderam-nos uma ilusão?
Eu não defendo a saída da União
Europeia, defendo é que não devíamos ter entrado na moeda única
porque automaticamente se retirou um elemento determinante da nossa
soberania, como aliás se tem verificado. A Dinamarca e o Reino
Unido rejeitaram o euro porque, atempadamente, perceberam as
implicações que isso ia ter para as suas políticas internas. A
moeda é um elemento crucial da independência nacional de qualquer
país. Não é por acaso que atualmente coexistem 150 moedas nacionais
em 193 estados a nível mundial. Se excluirmos os países do
euro e uns estados minúsculos é praticamente a correspondência, uma
moeda, um país. E isso é que é normal.
O
economista Miguel Beleza, em entrevista a este jornal, disse que
caso abandonassemos o euro «seríamos a nova Albânia» na Europa.
Como comenta?
Não faz sentido nenhum.
Comentários desses só seguem a lógica que as pessoas devem aceitar
tudo o que lhes queiram vender em nome do euro. Nessa perspetiva,
todos os países fora do euro seriam Albânias.
Há um ano
a Europa estava à beira do precipício. Agora, as crises parecem
apaziguadas. A Irlanda e Portugal saíram do jugo da troika e até a
Grécia já parece respirar melhor. O pior já
passou?
É um jogo de sombras para enganar
a opinião pública. A Europa não resolveu os seus problemas. Penso,
aliás, que os eleitorados vão penalizar claramente as instituições
europeias nas eleições de 25 de maio. O que penso que pode
acontecer quando eclodir uma nova crise financeira é que a Europa
será apanhada num grande estado de debilidade e as proporções do
caos podem ser ainda maiores.
Teme a
emergência da extrema direita em diversos países da Europa, como na
França e na Holanda?
Não me posso congratular com isso. É um sintoma de
que algo está muito mal na União Europeia. Os partidos tradicionais
têm-se revelado impotentes para resolver os problemas, o
centralismo domina e retira soluções aos estados, e a única forma
que resta ao eleitorado para reagir é votar nos que contestam estas
políticas, onde se incluem os partidos de extrema direita.
A Europa
solidária de Monnet e Schuman foi um projeto estilhaçado e
transformado numa galeria de egoísmos nacionais?
A Europa foi um projeto de
progresso até 1992, altura em que entrou em vigor o Tratado de
Maastricht. Este retrocesso do processo de integração europeia
terminou com dois princípios essenciais: a igualdade entre estados
e o princípio da harmonização entre autonomias dos estados e a
gestão dos interesses comuns. Foi precisamente com o Tratado de
Lisboa que esses princípios foram aniquilados, com o diretório a
ser capturado pela Alemanha. Em suma, na minha opinião o processo
de integração europeia é de retrocesso e não de progresso, quer em
termos sociais, quer em termos políticos.
Bruxelas
vai mandar nos orçamentos ; nacionais. É mais um passo na
«ditadura» europeia de que fala no livro?
É um golpe não só na
independência, como na própria democracia. Nesse aspeto é uma forma
de as democracias dos estados ficarem ameaçadas. Quero lembrar que
a democracia nasceu a partir do controlo por parte dos parlamentos
dos orçamentos dos países.
Na última
década a Comissão Europeia foi liderada por um português. Durão
Barroso é o rosto de uma geração de líderes europeus fracos e sem
carisma?
Faço uma avaliação muito negativa
do trabalho desta Comissão. Subordinou-se claramente aos interesses
alemães, não fez nada de útil pela Europa e, pior, patrocinou
vários programas de austeridade que não são mais do que um desastre
para os países visados, entre os quais Portugal. As lideranças são
de facto fracas, mas o problema é mais vasto do que isso e assenta
no próprio enquadramento institucional que foi criado, e neste
aspeto particular aponto o dedo às lideranças nacionais,
nomeadamente em França, que se deixaram subjugar pelo poder
germânico.
Nas
eleições de 25 de maio registou-se uma taxa de abstenção muito
elevada. Este alheamento popular não dá mais força aos mentores da
Europa centralista e dominada pelos mais poderosos?
Este alheamento não é por acaso.
As elites políticas portuguesas europeístas têm bloqueado
sistematicamente os referendos e os debates europeus. Tem sido
estratégia corrente, desde o início da integração europeia, colocar
a população à margem dos problemas da Europa.
Já disse
publicamente que não acredita nos Estados Unidos da Europa e rotula
o federalismo de «utopia». Qual é o caminho para uma Europa
solidária e coesa?
A Europa deve tratar da gestão
dos interesses comuns e coletivos dos estados. Tudo o resto deve
ser deixado aos estados membros. Veja que a moeda única não é um
interesse coletivo, cada país pode ter a sua moeda, desde que
exista cooperação monetária.
Pode
garantir aos portugueses que se sairmos do euro nos próximos meses
ou no próximo ano não será o fim do mundo?
Pelo
contrário, seria o princípio de uma nova fase de crescimento e
progresso económico. Dentro do euro não temos chances de progredir.
É evidente que tal dependeria do modo como saíssemos da moeda
única, mas se o abandono fosse feito de forma adequada e
equilibrada, as perspetivas seriam risonhas.
Pertence
a um centro investigação na sua universidade, o ISEG. Os cortes à
investigação têm sido transversais. É possível fazer ovos sem
omeletes?
Evidentemente que não. Mas
deixe-me partilhar que o que me preocupa mais no ensino superior
não é tanto os cortes, mas o envelhecimento do corpo docente. Não
há contratações novas, logo, não há renovação. A cristalização é
inevitável. É bom que no ensino, e também noutros setores,
coexistam os mais jovens e os menos jovens.
É
paradoxal saber que os nossos licenciados são das nossas melhores
exportações?
Não é de agora. Os nossos
licenciados sempre foram de boa qualidade e tiveram uma boa
prestação no exterior. É muito triste que tenham de emigrar. Para
além disso, o problema demográfico é gravíssimo porque vai
contribuir, ainda mais, para a quebra da natalidade e o
consequentemente envelhecimento da população.
Preocupa-o a falta de ligação entre a empregabilidade dos
licenciados e o mercado de trabalho?
Eu acho que essa é uma falsa
questão. Não creio que exista um desfasamento entre o que as
universidades «produzem» e o que o mercado de trabalho absorve. Eu
entendo que os licenciados têm mais probabilidades de arranjar
emprego do que os não licenciados. O que se passa é que a economia
não está a criar empregos, pelo contrário, está a destruí-los.
Infelizmente, lamento dizê-lo, mas a situação não vai melhorar nos
tempos mais próximos. Um crescimento a rondar 1 por cento não dá
para criar postos de trabalho suficientes. Seria necessário
crescermos entre 2 e 3 por cento.
O país
aguenta um ajustamento de décadas?
Não. Se a austeridade durar
décadas o país revolta-se. O mesmo se passa com a Europa, creio que
se esta situação se arrastar, o velho continente entrará em
convulsão. É preciso mudar de caminho.
Nuno Dias da Silva
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