Entrevista

Sérgio Godinho, em entrevista
«A liberdade é uma procura permanente»

sergio godinhoSérgio Godinho tem levado o seu mais recente espetáculo, "Liberdade", a palcos de norte a sul de Portugal, interpretando temas que recordam o 25 de Abril. Em entrevista, o músico fala da importância da defesa permanente dos ideais da "Revolução dos Cravos".

Liberdade é um conceito que está intimamente associado ao 25 de Abril e é o título do seu mais recente álbum ao vivo, que evoca esse momento da história Portugal. O que é para o Sérgio a liberdade?

Liberdade, como digo nas palavras desse disco ao vivo, é uma pedra de toque da minha vida e nas circunstâncias que me envolvem. Liberdade é algo que tem de se conquistar sempre e que não existe por si só. É uma procura permanente. Eu sempre procurei na minha vida essa liberdade, sabendo que é uma utopia. Tenho uma canção chamada precisamente «Liberdade» que diz que "só há liberdade a sério quando houver a paz, o pão, habitação, saúde, educação". Isso nunca é integralmente cumprido, mas tem que haver conteúdos dessa liberdade. Sabemos que o nosso país é, infelizmente, tão precário em tanta coisa, está sempre com a sua liberdade ameaçada… não é uma questão de censura, mas outras formas mais ínvias de oprimir as pessoas. É uma palavra fulcral na minha vida.

Recuemos no tempo. O Sérgio estava fora do país no 25 de abril de 74. O que sentiu quando regressou para encontrar uma realidade completamente diferente?

Na altura estava em Vancouver, no Canadá. Vim a Portugal no princípio de maio e encontrei, acima de tudo, um país em euforia e uma alegria imensa nos olhos e sorrisos das pessoas. Uma alegria acompanhada de muita ingenuidade. Acabei por regressar definitivamente em setembro. Foram tempos muito importantes na minha vida, em que cantei muito por aí. Encontrei um Portugal diferente, mas onde eram evidentes as desigualdades sociais que agora, infelizmente, se têm vindo a agravar. Estamos numa crise terrível. São muitas as injustiças que se traduzem em desigualdades sociais, muitas vezes instigadas pelos governantes. Temos, sobretudo, de continuar a fazer. Não ficar sentados.

Os últimos anos têm sido dominados por realidades como a troika, cortes, desemprego - no fundo um cenário de crise em Portugal. Se eu lhe pedisse para escolher uma canção que descreva a situação que Portugal atravessa… qual escolheria?

Não há só uma. Há tantas! Não há dúvidas que estamos, em relação a muitas coisas, com o "acesso bloqueado", como diz uma canção minha. Mas há todo um conjunto de realidades com as quais nos temos de confrontar. Também podia cantar "Os Vampiros", do Zeca [Afonso], uma excelente metáfora política e social. Mas há outras canções que é urgente cantar, algumas mais íntimas, como, por exemplo, "Espalhem a Notícia".

Insistindo no tema da liberdade, nos últimos anos temos vindo a perder alguma?

Liberdade é algo que está sempre aquém do que queremos conquistar. O aumento das desigualdades sociais, que referi anteriormente, de certo modo aprisiona as pessoas. Acontece, por exemplo, quando o desemprego leva as pessoas a sair de Portugal, não sendo essa a sua vontade. Essa é uma sujeição que reflete falta de liberdade.

Hoje não é tão dominante o espírito de intervenção que caracterizou outros períodos da nossa música. Os músicos portugueses andam desatentos?

Acho que tudo é intervenção. Essa palavra é uma falácia. Acontece é que os músicos falam das realidades do nosso país de maneira diferente. Não é preciso estar sempre a falar da situação sociopolítica. Essa nunca foi uma vertente única da música portuguesa. Carlos Paredes não usava palavras, mas expressava algo que pesava de sobremaneira no sentir das pessoas.

A par das canções, no seu currículo estão também os livros. Música ou escrita, qual lhe põe um maior brilhozinho nos olhos?

São complementares. Gosto é de criar. A minha atividade criativa passa, maioritariamente, pelas canções. Mas, por exemplo, agora escrevi um livro de contos, o «Vidadupla», que me deu um grande gozo e que foi um trabalho muito exigente. São nove contos que, embora escritos de forma intermitente, abrangem um ano e meio da minha vida. Embrenhei-me nas personagens que criei. Já as canções têm, logo à partida, outra vertente. Primeiro existe o lado solitário da criação, depois a partilha com os músicos - a construção da canção - e, posteriormente, os palcos. As artes performativas dão-me esse gozo natural.

Depois do disco ao vivo «Liberdade», está no horizonte um novo trabalho de originais?

Não. Neste momento escrevi um tema original para um projeto conjunto com o Jorge palma. Vamos dar concertos juntos. Somos grandes amigos, admiradores da obra um do outro e temos uma cumplicidade enorme. Essa nova canção tem muito a ver com as nossas personalidades e com os nossos percursos de vida.

 

Entrevista: Hugo Rafael (Rádio Condestável) Texto: Tiago Carvalho
Américo Dias
 
 
Edição Digital - (Clicar e ler)
 
 
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