Opinião

Crónica
Contexto internacional adverso

8. L.Souta-1.jpg«não me vêem, não me ouvem, nem sabem que eu existo.
É assim a vida.
Olhamo-nos sem nos vermos.»
("Poema dos Homens Distantes", António Gedeão, 1990:200)


A Europa recua
A líder oficiosa da UE, Angela Merkel, em Outubro de 2010, declarou: «o multiculturalismo faliu na Alemanha». James Banks, o académico mais conceituado na área da educação multicultural, comentou essa afirmação aquando da sua mais recente vinda a Portugal (conferência na FPCE-UL, a 9/4/14): não se pode dizer que faliu o que nunca existiu! Na sua perpectiva, a integração do estrangeiro na Alemanha, por ocasião da prosperidade económica dos anos 70 que exigia muita mão-de-obra, não vingou, apesar de alguns esforços e tentativas para unir os que eram étnica e culturalmente diferentes. Comunidades de turcos e árabes, por exemplo, vivem isoladas. Muitas famílias não falam a língua germânica e existem casos de pais que proíbem os filhos de frequentar as escolas alemã. Só 14,5% dos jovens de origem turca nascidos na Alemanha se consideram alemães! Naturalmente, o discurso da chanceler anunciava o virar de página. Preparava-se legislação bem mais restritiva quantos aos imigrantes pobres e, em especial, para a redução das prestações sociais que lhes eram atribuídas. Aquela "sentença de morte" foi seguida, em Fevereiro de 2011, pelo 10 da Downing Street e o Palácio do Eliseu; o "triunvirato" europeu acertava a estratégia. O primeiro ministro David Cameron afirmou: «Preocupámo-nos demasiado tempo com a identidade da pessoa que estávamos a acolher, e muito pouco com a identidade do país de acolhimento». E o então presidente Nicolas Sarkozy (ele mesmo filho de um imigrante húngaro), numa en¬trevista à tf1, proferiu: «Claro que temos que respeitar as diferenças, mas não queremos uma sociedade onde as comunidades vivem lado a lado. Se alguém vem viver para França, deve ser integrado numa única comunidade, que é a comunidade nacional. E se não aceitar isso, então não será bem-vindo».
Num meu artigo, incluído numa publicação da RVJ Editores-ANP de 2002, em que trouxe à colação o texto em que António Barreto inventariava 30 «ideias nefastas para a educação», prognostiquei o perigo de «vermos a multiculturalidade ser entendida como mais uma "ideia nefasta"». Afinal, o que eu temia veio acontecer e mais cedo que o previsto.


Assimilação reconfigurada?
O caso francês merece-nos particular atenção. A presidência socialista não alterou o rumo político nesta matéria. Manuel Valls, 1º ministro que tomou posse no início de Abril de 2014 e que visitou o nosso país um ano depois, exercera anteriormente o cargo de ministro do Interior, tendo suscitado grande polémica quando da expulsão de famílias da minoria mais perseguida da Europa: «os ciganos têm vocação [sic] a regressar aos seus países» porque é «impossível a sua integração na sociedade gaulesa e a sua inevitável expulsão pois os seus modos de vida [são] extrema¬mente diferentes dos nossos e entram evidentemente em confronto com os dos franceses.» Muitos destes ciganos, originários da Sérvia, Macedónia e Montenegro, quando em Dezembro de 2009 deixou de ser necessário o pedido de visto para entrarem no espaço Shengen. A orientação xenófoba do governo Hollande-Valls levou mesmo a Comissão Europeia a ameaçar a França com sanções «lembrando que as pessoas de etnia cigana, cidadãos europeus, têm o direito a circular livremente em todos os Estados-membros da UE.» (Público, 26/9/13, p. 31). O sr. Valls permitiu a prisão de Leonarda Dibranni, uma rapariga de 15 anos, no decorrer de uma visita de estudo da escola secundária André Malraux, que frequentava há cinco anos, e a sua posterior deportação (Público, 17/10/13, p. 28). «Na minha escola tínhamos franceses, ingleses, portugueses, espanhóis… nunca ninguém se interessou que eu fosse cigana» (Público, 23/10/13, pp. 30-1). Este caso, com grande cobertura dos media, ilustra bem que a «escola para todos» continua cheia alçapões étnicos-culturais.
Mais recentemente, face à recusa de muitos estudantes muçulmanos se juntarem ao minuto de silêncio decretado pelo governo, na sequência do ataque terrorista ao Charlie Hebbdo, o 1º ministro francês reconheceu «o apartheid territorial, social e étnico» que divide o país e anunciou como objectivo fazer «uma grande mobilização da escola para os valores da República». E avança com um "pacote" virado, predominantemente, no sentido da educação para a integração tornando a escola um «santuário da laicidade»: mudanças no programa de "Educação Cívica e Moral", universalidade do "serviço cívico" (dos 16 aos 25 anos), e intenção (implícita) de criar uma nova função docente, transformando agora os professores em «vigilantes» capazes de sinalizar «opiniões anti-sociais virulentas ou violentas, novos comportamentos alimentares ou de vestuário, ou absentismo» dos seus alunos (Público, 16/3/15, p. 20). Aqui está um exemplo paradigmático de uma nova vertente da «escola para tudo». De facto, os governantes, como diz o povo, «só se lembram de Santa Bárbara quando há trovões.» (continua)

Este texto está redigido segundo a "antiga" e identitária ortografia.

 
 
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