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Bocas do Galinheiro
Madame Bovary, uma obra-prima

bocas.jpgAnda por aí uma classe envenenada por aquilo a que se pode chamar de novo riquismo serôdio, uma espécie de provincianismo bacoco, a lembrar alguns personagens queirosianos que de tanto querem parecer, não se ensaiavam nada a assinar "bacharéis". Os grupúsculos que por aqui pululam limitam-se a querer ser vistos e privar com "massa crítica" de fora, como eles dizem, esquecendo as forças vivas de cá, só para dar aquele ar de entendidos, sem cuidarem de que, apesar de o ridículo não matar, vê-se. Fazem-me lembrar a coitada da Madame Bovary que, ao casar com o tímido e pacato Charles, cedo descobre que a oportunidade que esperava de iniciar uma nova vida longe da quinta onde nasceu e viver deslumbrantes aventuras, está longe de se concretizar, caindo, isso sim, numa frustrante rotina que a empurra para uma série de relações fora do casamento, na busca do seu herói, que claro, nunca aparece, levando-a literalmente à ruína, material e anímica, de consequências trágicas. Os nossos provincianos, como já aconteceu no passado, só muito tarde vão perceber que nem sempre o que parece é, arriscando-se, fatal como o destino, a acabarem a patinarem em seco, sem nada receberem de tão maravilhosas companhias.

Publicado em França, em meados do séc. XIX, em fascículos, na revista Revue de Paris, Madame Bovary é um romance de Gustave Flaubert cuja história se desenrola perto da cidade de Rouen, em Tôtes, no norte de França, onde o casal Charles Bovary, médico, uma espécie de delegado de saúde da época, e Emma, como se disse uma jovem que sonha viver as aventuras que lera deslumbrada na sua infância. O casamento cedo se lhe revela frustrante, como não menos frustrantes são as aventuras, agora extra-conjugais em que se envolve. O resto já se sabe. Flaubert, bem como o editor da revista foram levados a tribunal, sob acusação do Governo francês de ofensa à moral e à religião. Apesar de absolvido, ficou célebre a sua resposta em juízo, "Emma Bovary c'est moi" (Emma Bovary sou eu), Gustave Flaubert teve que enfrentar as ferozes críticas à sua obra, face ao puritanismo que singrava na crítica literária da época.

Não estranha pois que uma obra deste quilate, uma das primeiras obras realistas, tivesse chamado a atenção da 7ª arte, pelo que desde muito cedo se sucedessem várias adaptações para projecção no grande ecrã.

Uma das primeiras adaptações da obra escrita por Gustave Flaubert foi "Amor Profano" (Unholy Love, 1932), realizado por Albert Ray com H.B. Warner, Lila Lee, Beryl Mercer no elenco, apesar de se situar em Nova Iorque e de os nomes dos personagens serem diferentes, a história essa, é fiel ao livro, a que se segue "Madame Bovary (1934), de Jean Renoir, com Max Dearly, Valentine Tessier e Pierre Renoir e, ainda nos anos 30, a versão alemã de Gerhard Lamprecht, Madame Bovary (1937) com a grande Pola Negri como Emma Bovary, Pola Negri que viria a fazer furor na Hollywood dos anos 30, não só por via da sua parceria com Ernst Lubitch, começada ainda na Alemanha, mas pelos romances com Rodolfo Valentino e Charles Chaplin, entre outros. Porém o seu sotaque polaco, um entrave para o sonoro que se avizinhava e as imposições censórias do tristemente célebre Código Hays, obviaram a uma carreira de maior sucesso na Meca do cinema.

Com Jennifer Jones, James Mason e Van Heflin, Vincente Minnelli dirigiu a sua "Madame Bovary", em 1947, com alguns problemas com a censura, a obra mostrou-se à altura da grandeza do realizador e do elenco de alto nível, tal como em 1989 Aleksandr Sokurov se inspira na obra de Flaubert para a seu "Spasi i sokhrani" visto da perspectiva da mulher. Também Manoel de Oliveira em Vale Abraão (1993), se inspirou em Flaubert para contar a história de Ema (Leonor Silveira), uma jovem de beleza ofuscante, ao ponto de os automobilistas chocarem contra o muro da casa, e de Carlo (Luís Miguel Cintra), amigo de seu pai, com quem se casa sem o amar, até que, infeliz no casamento, arranja um amante, numa adaptação de Agustina Bessa-Luís. Aliás a adaptação não é feita da novela porque na altura Claude Chabrol filmou o seu "Madame Bovary" (1991, com Isabelle Huppert, Jean-François Balmer e Christophe Malavoy.

Mais recentemente, 2014, Sophie Barthes, dirige uma nova adaptação do livro, com Ezra Miller, Mia Wasikowska como Emma Bovary e Paul Giamatti, a que poderíamos juntar as versões de Carlos Schlieper, de 1947, Claude Barma, de 1953 ou de Rex Tucker de 1964. Mas acho que por agora chega.

Até à próxima e bons filmes!

Luís Dinis da Rosa
 
 
Edição Digital - (Clicar e ler)
 
 
 
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