Opinião

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Vou embora
luis-souta.jpeg«Adeus que me vou embora
Adeus que me embora vou»
(António Variações / Humanos)

Desde Junho 1998 que colaboro com o Ensino Magazine *; já lá vão 21 anos de comunicação regular com os leitores (sem rosto) deste jornal! Aqui publiquei 63 artigos, dos quais trinta e cinco (de Outubro de 2014 a Agosto de 2018) que, depois de revistos e ampliados, incluí no meu mais recente livro - Pedagogia S. «45 narrativas curtas sobre o Ensino Superior, na perspectiva (desconstrutivista) do Prof.S.» (Edições Ex-Libris, Maio 2019). O «livro é uma espécie de TAC do Ensino Superior em Portugal», palavras de Agostinho Reis Monteiro, autor do respectivo prefácio.
A obra resulta de uma actividade de investigação qualitativa, de observação participante (esse método tão específico da minha ciência de formação, a Antropologia) e que se consubstanciou numa «auto-etnografia» (Meneley & Young, 2005). Redigir todas estas narrativas foi também uma estratégia de resistência, face a um contexto laboral adverso e excludente, divisando, deste modo, um propósito para um certo 'vazio de responsabilidade ocupacional'. «Um silêncio fabricado é mais pesado que o cimento» (Alice Brito, A Noite Passada, 2018: 141), era mesmo isso que sentia, em relação a mim, nos últimos anos na escola e no politécnico. Mas decidi não me deixar abater; renunciei aos tradicionais caminhos de 'oposição' à gestão académica, e assumi, em relação às questões do poder, o estatuto de outsider. Dediquei-me, mais ainda, à escrita.
E internamente, havia reacções ao trabalho editorial? Sim, de estímulo, no caso de alguns colegas de departamento, aqueles com quem partilhava o gabinete. Já das Direcções, nem uma palavra ao que ia publicando. Só indiferença e omissão mesmo nas burocráticas newsletters de circuito interno. As organizações públicas, em especial as escolas de ensino superior, não gostam de ser escrutinadas, e muito em especial, por 'gente da casa'. Por isso não é de estranhar os imensos entraves (quer na escola quer no instituto) nos processos de apoio financeiro à edição do livro: delongas nas decisões, pedidos acrescidos de esclarecimento sobre a obra (para lá do que os regulamentos estipulavam), insinuações sobre os conteúdos que raiavam o desejo de 'censura'… Acabando o instituto por negar, na não resposta, o dever de «apoio à divulgação pedagógica dos docentes»! De facto, estas (jovens) instituições preferem os encómios, o auto-elogio, o panegírico, demonstrando profunda aversão a quem pratica o sentido crítico, encarando-os mais como 'inimigos' que 'colaboradores'. Comprazem-se na cultura do yes (wo)men… bajulador/a.
«Esgotei o cálice até às fezes»… e aposentei-me, depois de 45 anos de função pública. Fui «professor, a mais bela profissão do mundo, a que nos ensina a pensar» (como escrevia uma ex-estudante na hora da minha despedida, em finais de Março último). Dediquei-me à docência de «corpo-e-alma» durante os 33 anos de trabalho árduo na ESE-IPS. Muitas 'gotas', para além destas, fizeram transbordar o 'copo'. Mas a razão de fundo deste irrevogável abandono prende-se com a defesa de um princípio, a que só não chamo 'sagrado' porque a tal me impede o meu arreigado ateísmo: dar o lugar aos novos. Este desejo manifesto de substituição é extensível ao campo dos periódicos (onde publico há 37 anos). Portanto, será este o meu derradeiro texto também no jornal Ensino Magazine. Há que passar o testemunho aos jovens!
A «regressão geracional cuja manifestação mais visível é o adiamento do acesso à idade adulta e a conquista de autonomia que lhe está associada» (António Guerreiro, "Sê jovem e cala-te", Ípsilon, 26/04/19, p. 2) é, fundamentalmente, provocada por uma entrada tardia no mercado de trabalho. Ora, a política nacional (caucionada pelos relatórios economicistas da OCDE e da Fundação Francisco Manuel dos Santos) tem vindo a consolidar esta obstaculização ao emprego jovem. Nas duas faces da moeda, o Governo fixa-se em exclusivo numa: a do aumento da idade da reforma e a possibilidade de prolongar o exercício de funções públicas até aos 75 anos (usando como argumentos o crescimento da esperança média de vida - em 1960 era de 63 anos e em 2016 de 80,8 - e os previsíveis défices crónicos, a partir de 2027, do Regime Previdencial da Segurança Social). Mas a questão central da sociedade portuguesa está na outra face - a depressão demográfica: em 2030, uma em cada quatro pessoas terá 65 e mais anos. Temos um novo imperativo cívico: enfrentar o envelhecimento acelerado das organizações sociais públicas, principalmente das escolas.
A decisão de me aposentar, aos 66 anos de idade, é apenas a 'gota' que pretende contribuir para que o 'copo' do rejuvenescimento comece a encher.

* Agradeço a João Ruivo e a João Carrega a confiança e a total liberdade que me deram para colaborar (de forma desinteressada) neste desafiador projecto editorial albicastrense (mas já com projecção internacional).

Luís Souta
(Este texto não segue o AO90)
lsouta@hotmail.com
 
 
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