Bocas do galinheiro
Mr. Bob Dylan está aqui
Começo por uma declaração de interesses: não sou
crítico literário. O porquê desta afirmação? O exponencial aumento
de especialistas na área desde que Bob Dylan venceu o Prémio Nobel
da Literatura. Confesso que gostei. Ouço Bob Dylan desde a altura
em que ouvir, ou cantar, ou melhor dito cantarolar, "Blowin' In the
Wind", a primeira faixa de "The Freewheelin'", onde estavam entre
outros temas "Masters of War" (mais difícil de cantar) e "A Hard
Rain's A-Gonna Fall" e, dos álbuns seguintes, cantigas como "The
Times They Are A-Changin'", "Like a Rolling Stone" ou "Just Like a
Woman", intercaladas pelas "canções de intervenção" de Zeca Afonso
e outros, proibidas pela censura fascista, era para nós uma forma
de manifestar a nossa "veia" subversiva e de pensarmos que dessa
forma estávamos a contribuir para algo maior. Como sabia tocar e
cantarolar mais músicas de Bob Dylan que dos baladeiros
portugueses, fiquei contente por tantos anos depois, um dos meus
heróis ter ganho o Prémio "por ter criado novas expressões poéticas
na tradição da canção americana". Por mim, se ganhassem Leonard
Cohen ou Paul Simon, dois poetas das canções, que tal como Dylan
também são compositores e cantores, também ficava contente. Mas eu,
como não sou "crítico" literário, tenho desculpa. Ou não! Os
outros, esses sim, lançaram-se à Academia sueca, defendendo uma
suposta pureza e beatificação literária que, provam alguns dos mais
recentes laureados, não é preocupação dos nórdicos. E ainda bem.
Aliás as polémicas à volta dos prémios a Bob Dylan não são de
agora: quando em 2008 recebeu um Pulitzer Especial, a reacção foi
semelhante. O resto já sabemos. O homem não havia meio de reagir ao
galardão sueco. Não foi recebê-lo, Patti Smith fez as honras da
casa cantando "A Hard Rain's A-Gonna Fall", com direito a recomeço,
tal a nervoseira, e foi a embaixadora dos Estados Unidos a ler a
mensagem do laureado.
Vem isto a propósito do que nos trás
aqui: Bob Dylan no cinema. Pois é, ele também é actor e realizador!
E, claro, compositor.
Começando pela música, é da sua
autoria a banda sonora de "Pat Garrett & Billy the Kid" (Duelo
na Poeira, 1973), um western de Sam Peckinpah, onde sobressai o
tema "Knockin' on Heaven's Door", que a malta pensa que é dos Guns
N' Roses, um dos filmes onde aparece como actor, aqui ao lado de
James Coburn e Kris Khristofferson. Também protagoniza "Renaldo and
Clara", de 1978, ao lado de nomes como Harry Dean Stanton, Joan
Baez e Allen Ginsberg, acumulando aqui como realizador e
argumentista, neste caso em parceria com Sam Shepard. Sobre Dylan,
Martin Scorsese realizou um documentário "No Direction Home: Bob
Dylan", em 2005 e em 2007 Todd Haynes põe vários actores a fazer de
Dylan, em diversas fases da sua vida/carreira na longa metragem
"I'm Not There". Já que saltámos para o cinema, nunca é demais
lembrar que em 2001 ganhou o Oscar para a melhor canção, "Things
Have Changed", incluída na banda sonora de "Wonder Boys, realizada
em 2000 por Curtis Hanson (também não apareceu para o receber),
tendo também vencido o Globo de Ouro com esta canção. A saga do
homem em prémios é de longo espectro!
Voltando à música de Dylan em
filmes, poderíamos falar, além dos já referidos, de dezenas, mesmo
de centenas de filmes em cuja banda sonora se incluem temas do
novel Nobel de 2016. Exemplos? Só uma mão cheia deles, de "Easy
Rider" a "O Regresso dos Heróis, de "Forest Gump", a "Beleza
Americana", passando por "Nascido a 4 de Julho" ou "Os Tenenbaums -
Uma Comédia Genial", para além de filmes ou documentários sobre
concertos, em que actua, desde logo "Concerto para Bangladesh", de
1972, um dos primeiros concertos virados para uma causa, na altura
a situação de fome que varria o Bangladesh provocada pela guerra
civil que levou à sua separação do Paquistão, organizado pelo
ex-Beatle George Harrison e por Ravi Shankar ou "A Última Valsa",
1978, de Martin Scorsese, que filmou o concerto de despedida dos
The Band que durante muitos anos foi a banda de Bob Dylan.
Claro que muito mais haveria a dizer
sobre este multifacetado e premiado artista, que além de poeta,
músico e homem do cinema, também é pintor. Mas temos que ficar por
aqui!
Até à próxima e bons filmes!