Primeira coluna
A insustentável leveza do ser
Vivemos numa sociedade em que a escola é
constantemente posta à prova, onde os valores, a ética e a
tolerância assumem interpretações diferentes, levadas ao extremo
por aqueles que se acham representantes da razão, onde tudo pode
ser utilizado para criticar e para apontar o dedo acusatório.
No último mês ficámos a saber que nas escolas não se deve brincar
ao carnaval. Quer--se dizer, pode-se brincar, mas sem colocar as
coisas a preto e branco, pois há sempre o risco de acusarem o
estabelecimento de ensino de ser racista e de o mesmo estar a levar
as crianças e os jovens a cometerem atos racistas. Isto é, mesmo
fazendo uma brincadeira, porque o Carnaval é isso mesmo, sobre as
culturas e costumes de vários povos, alunos e professores foram
rapidamente acusados de estarem a ser racistas, porque alguns dos
intervenientes nesse carnaval se disfarçaram de africanos e de
gente de outras latitudes. Tenho um amigo que se disfarçou de
mexicano, e já o avisei, eu que sou africano de nascimento e que
tenho muito orgulho no continente que me viu nascer, que deveria
ter cuidado com os seguidores do presidente do Estados Unidos da
América, Donald Trump.
Certamente que para o ano, ou não, vamos ter carnaval nas escolas.
Mas quem arriscar terá que o fazer a cores, para evitar questões
xenófobas ou de igualdade de género. E assim, não deverá haver
problema. Fora do período carnavalesco também deve haver cuidado.
Recentemente fui confrontado com um relato de que no âmbito da
educação para a cidadania, uma determinada associação fez um jogo
na escola, em sala de aula, para promover a igualdade, a tolerância
ou a solidariedade. O jogo, simples, fez com que num ápice, alunos,
de 13 e 14 anos, tivessem que encarnar personagens de
toxicodependentes, prostitutas, homossexuais, ciganos, ou
refugiados, entre outras. Não entendi e voltei a perguntar. Que
sim, que foi assim. Continuo com dificuldade em perceber a
atividade. Cada um é como é, devemos respeitar-nos uns aos outros e
apoiar aqueles que precisam, de facto, de ajuda. A isso se chama
viver em sociedade e em democracia, com direitos e deveres. Não é
com fundamentalismos que se faz o caminho e muito menos com
imposições desta ou daquela doutrina, desta ou daquela
orientação.
Em nenhuma circunstância poderemos admitir que a escola pública
possa ser instrumentalizada. É o local onde os nossos filhos passam
mais tempo, durante o dia, que estamos a falar. É lá que os pais
sentem confiança e segurança. É lá que os alunos devem aprender as
diferentes matérias. É lá que criam as suas relações interpessoais,
entre pares, que também crescem. Assusta-me a ideia da escola poder
ser instrumentalizada em valores como a ética, a religião, a
xenofobia, a igualdade de género. A escola não é isso. Não pode ser
isso. Não queremos que o seja. Não queremos que a escola seja
utilizada como argumento para aproveitamentos extremistas. Porque é
disso que estamos a falar. Sempre defendi que o ensino não tem
fronteiras, e não ter fronteiras significa ter-se a capacidade de
eliminar barreiras, de integrar, de incluir, de partilhar saberes,
de produzir conhecimento e ciência, independentemente da raça, do
credo, ou da orientação de cada um. E para que isso se faça, não
precisamos que brinquem com a escola (ou a coloquem em causa) por
esta, uma vez por ano, brincar ao carnaval, e por no resto do
calendário ser desafiada por outros que querem brincar…