Conheça, na íntegra, o discurso do presidente.
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Portugueses,
Acabo de assinar a segunda - e desejo, e todos desejamos, a
última - renovação do estado de emergência, para vigorar até às 24
horas do dia 2 de maio.
Estamos, agora, mais próximos do fim de abril, o mês decisivo
para ganharmos a segunda fase. E estamos a ganhar essa segunda
fase.
Tínhamos de fazer da Páscoa um tempo de contenção reforçada. E
fizemo-lo.
Tínhamos de pedir aos nossos compatriotas que lá fora vivem e
que haviam marcado férias para a Páscoa que as adiassem. E eles
corresponderam.
Tínhamos de definir um quadro, com a compreensão de pais e
professores, para este fim acidentado de ano letivo. E definimo-lo,
não o ideal, mas o possível, na situação que vivemos.
Tínhamos de garantir que uma medida humanitária de clemência não
contemplasse crimes merecedores de especialíssimo ou especial juízo
de censura social e, por isso, penal. E garantimo-lo.
Tínhamos de manter a descida da percentagem de crescimento de
infetados - para menos de 5% - e, sobretudo, o que é mais
importante à medida que se multiplica o número de testes -, manter
a descida da percentagem de infetados graves, necessitados de
internamento e de cuidados intensivos. E ainda, a essencial descida
do indicador de contaminação para menos de uma pessoa por infetado.
E mantivemo-las.
Tínhamos de, ao mesmo tempo, ir reabrindo atividades económicas,
a juntar às inúmeras que nunca tinham parado. E, assim, sem alarde,
agricultores continuaram a sua faina; empresas industriais
retomaram o trabalho, até dentro da cerca sanitária de Ovar;
comércio e serviços, que puderam, reajustaram se e reagiram à
crise. Era uma parte da nossa economia real a mostrar que queria
avançar em conjunto com o combate pela vida e pela saúde. Em
teletrabalho e presencialmente. Aqui cerâmicas, ali construção
civil, acolá material para construção, metalomecânicas, químicas,
muito transporte público e coletivo e de mercadorias.
É certo que com muitos setores e muitos trabalhadores a sofrer
nos seus empregos e salários.
É certo que com matérias-primas escassas e mercados de
exportação difíceis, por causa da paralisia da maioria das
economias.
É certo com exata noção do que essa paralisia podia significar,
no mundo, na Europa e entre nós, de brutal, durante anos.
Aqui chegados, porquê esta renovação do estado de
emergência?
Por três razões essenciais.
Primeira razão - a nossa tarefa nos lares não desperdiçou um
minuto, mas precisa de mais algum tempo.
Detetar, despistar, isolar, preservar, é importante para quem lá
está, para quem lá vive, mas é, também, importante para quem está
cá fora, pertencendo ou não aos grupos de risco.
Consolidar essa tarefa, em clima de contenção, ainda é
imperativo.
Segunda razão - somos o quarto país da Europa que mais testa por
milhão de habitantes e, ainda assim, o número total de contaminados
de hoje fica abaixo dos vinte mil ou trinta mil que admiti há uma
quinzena. Mas, temos de continuar a estabilizar o número diário de
internamentos, em geral, e de internamentos nos cuidados
intensivos, em especial, por forma a assegurar que o nosso Serviço
Nacional de Saúde se encontrará em condições de responder à
evolução do surto em caso de aumento progressivo de contactos
sociais.
Uma coisa é conviver com o vírus em atividade precavidamente
aberta, sabendo que a situação está controlada, e que existe um
sistema de vigilância e proteção e regras de comportamento já
adquiridas, outra, bem diferente, é provocar recuos e recaídas já
experimentados em sociedades que conhecemos.
Terceira razão, porventura, a mais relevante - a presente
renovação do estado de emergência está pensada de tal modo, que dá
tempo e espaço ao Governo para definir critérios, isto é, para
estudar e preparar - para depois do fim de abril - a abertura,
gradual, da sociedade e da economia, atendendo a tempo, a modo, a
territórios, a áreas e a setores.
Com uma preocupação essencial: criar segurança e confiança nos
portugueses, para que eles possam sair de casa, ir reatando,
paulatinamente, a sua vida, sem se correr o risco de passos
precipitados ou contraproducentes.
Só mais três palavras e duas respostas a dúvidas que vejo
suscitar.
Uma palavra para os da minha idade ou acima dela, ou mesmo
abaixo dela, com doenças mais graves.
Não tenham receio. Ninguém minimiza a vossa entrega de muitas
décadas, tal como ninguém quer encerrar-vos num gueto, dividindo os
portugueses entre aqueles que resistem e são imprescindíveis e os
frágeis que são descartáveis. Cuidar de vós é diferente de vos
menorizar.
Outra, para os mais jovens dos jovens, de quem poucos falam.
Admiro a vossa capacidade de reagir ao maior e, para muitos, mais
incompreensível choque da vossa vida.
A terceira, para os autarcas.
Se alguém, passado este momento mais grave da crise, a pretexto
de uma visão estreita do Direito e da Justiça, questionar, um dia,
decisões dramáticas de salvação pública, tomadas de boa-fé e com
isenção, serei o primeiro a testemunhar como, em tantas dessas
circunstâncias, foi essencial o vosso papel de proximidade.
E duas dúvidas finais. Que eu sei que vos assaltam.
A primeira, será que maio poderá corresponder às expetativas
suscitadas?
E a segunda, será possível suportar, por algum tempo mais,
tamanhas privações neste caminho a que tantos estrangeiros chamam o
milagre português?
Será que maio poderá corresponder às expetativas suscitadas?
Conhecem a resposta. Tudo dependerá do que conseguirmos alcançar
até ao fim de abril. Isso será medido dentro de duas semanas. E do
bom senso com que gerirmos uma abertura sedutora, mas complexa.
No meu espírito, como decerto no vosso, conjugam-se de um lado,
compreensão do dever a cumprir e do outro muita esperança.
Mas a tal terceira fase que vos referia há duas semanas, maio,
tem de ser o mês dessa ponte entre o dever e a esperança.
Sê-lo-á tanto melhor quanto mais bem-sucedidos formos a atingir
os objetivos na consolidação do combate à pandemia. E mais
cuidadosamente prepararmos uma saída da crise, que gere
confiança.
Confiança é a palavra-chave.
Retenhamos isto: uma crise na saúde bem encaminhada e uma
abertura bem ponderada, dão força à economia e à sociedade - do
emprego ao consumo, do investimento ao turismo, da cultura à
comunicação social; uma crise de saúde menos bem controlada e uma
abertura menos bem acautelada, podem criar problemas à vida e à
saúde, e, portanto, à sociedade e à economia.
E haverá como pedir aos portugueses mais este esforço de
contensão num processo que sabem ser longo, ingrato e
imprevisível?
Claro que haverá.
O cansaço aperta - eu preveni-o há um mês. O cansaço e a
sensação de que o pior já passou, e que a esperança desponta, e
tudo isso convida a facilidades tentadoras.
Temos de lhes resistir. Temos de evitar a desilusão de, por
precipitações em abril, deitarmos a perder maio. E ainda, o que se
lhe vai seguir.
É verdade que bastante está a ser ganho, mas ainda nos falta
porventura o mais difícil - como diz o povo, nós não queremos
morrer na praia.
E será este caminho por nos já feito, mesmo um milagre, como
tantos, lá de fora, dizem?
É bom que eles pensem que sim, que é um milagre. Nós sabemos que
não, não é um milagre.
É fruto de muito sacrifício.
É fruto de, nestas fases cruciais, quem tem responsabilidades
políticas ter ouvido os especialistas, ter agido em unidade, ter
feito deste combate o combate da sua vida, e, desde logo, o
Primeiro-Ministro e, com ele, o Governo, como é justo reconhecer.
Mas também o Presidente da Assembleia da República, a Assembleia da
República toda ela, os líderes partidários, os líderes sociais, os
partidos políticos, os parceiros económicos e sociais.
Mesmo os que hoje divergem, no primeiro e decisivo momento não
se opuseram. E é isso que ficará para a História.
É fruto, também, da dedicação daqueles que, há mês e meio ou
mais, demonstram que não tem preço dedicar tudo, mas mesmo tudo, a
salvar vidas ou a ajudar os que as salvam e a garantir o básico do
nosso quotidiano.
É fruto de todos nós termos entendido o desafio e atuado mais
cedo.
É fruto de todos nós termos estado sempre solidários e
mobilizados, com disciplina, com zelo, com determinação e com
coragem.
Se isto é um milagre, como os outros lá fora dizem, então nós,
povo português, somos um milagre vivo há quase nove séculos.
Se isto é um milagre, o milagre chama-se Portugal.