Em tempos conturbados, velhos contextos
Na
ida década de 90 do século passado foram divulgadas duas obras que
se constituíram referências obrigatórias na história da educação:
referimo-nos à edição, em1995, do "Livro Branco sobre Educação e
Formação: Ensinar e Aprender para a Sociedade do Conhecimento"; e à
publicação, em 1997, do "Livro Verde para a Sociedade da
Informação".
A partir de então, a designação de
sociedade do conhecimento ganhou foro de cidadania. E em que
consiste esta sociedade do conhecimento? Genericamente refere-se à
sociedade pós-industrial, à sociedade da informação, ou à sociedade
da aprendizagem permanente. É a sociedade em que termos como
"aprendizagem permanente", "informação" e "conhecimento" ganham
notoriedade. É a sociedade em que a escola continua a ter um papel
decisivo na formação inicial do indivíduo, no quadro de uma escola
informada, mas em que a formação ao longo da vida exige que a
escola não seja a única responsável pela formação do indivíduo já
adulto e ou profissional.
É a sociedade em que as TIC na
escola deveriam ajudar a "aprender a aprender", em vez de serem
utilizadas para reforçarem a sistemática e mecânica transmissão de
conhecimentos. Em que as TIC deveriam tornar os nossos alunos mais
reflexivos e críticos, desenvolvendo as suas capacidades de
metacognição.
Em que as TIC, em contextos
problemáticos como o que vivemos, com as escolas fechadas, sejam o
suporte de continuidade do trabalho dos professores e dos
estudantes.
Todavia, passadas mais de duas
décadas sobre a publicação daquelas obras, vejamos que evolução
ocorreu na escola portuguesa para que os cidadãos alcancem a
sociedade do conhecimento. Ou seja, em que condições se reflecte
hoje sobre os contextos de aprendizagem nas escolas
portuguesas.
Conviria sublinhar que estes novos
contextos dinâmicos de aprendizagem só se podem gerar e alcançar em
escolas que promovam uma forte liderança; uma grande estabilidade
do corpo docente; uma profunda coesão entre todos os professores,
os alunos o pessoal não docente e os pais; uma definição de claros
(e alcançáveis) objectivos estratégicos; e, finalmente, um
envolvimento profissional dos docentes na vida da escola que
ultrapasse a mediania do estatuto da função pública.
Que contextos deveriam procurara os
docentes, no seu dia a dia e em condições de "normalidade", para
propiciarem aos seus alunos aprendizagens significativas e
gratificantes, designadamente com o recurso às TIC?
A receita é sobejamente conhecida.
Permitam-me, mesmo assim, que nesta era de voragem tecnológica, a
relembre recuperando para estas páginas 36 indicadores perdidos
entre práticas e memórias. Práticas e memórias que nos voltam a
reenviar para um certo paradigma de escola.
Uma escola que desperta a
curiosidade; o interesse pela pesquisa; o desejo de saber mais; a
vontade de aprender sempre. Uma escola que ensina, porque aprende;
que forma, porque informa; que inova, porque permuta; que utiliza a
diferença como alavanca de desenvolvimento. Uma escola que forma
alunos visionários, porque sabem criar cenários futuros;
empreendedores, porque são pró-activos; criativos, porque assumem o
risco da mudança; responsáveis, porque respondem às adversidades
com carácter e sentido de valores. Uma escola que se baseia no
respeito e na tolerância; na cooperação; na equidade; na
solidariedade. Uma escola que promove a autonomia; a interacção; a
compreensão intercultural; a diferenciação positiva; a acção
orientada por um projecto. Uma escola com futuro, porque avança a
diferentes velocidades; porque prossegue sem provocar rupturas;
porque caminha com sentido e direcção; porque avança, mesmo quando
não a deixam avançar. Uma escola que se alicerça na credibilidade;
na independência institucional; na abertura à participação externa;
na integração de novas abordagens; na acção coerente com os
objectivos do sistema educativo. Uma escola que sabe aprender
porque valoriza os seus líderes; optimiza a sua cultura
organizacional; sedimenta nos docentes o sentido de pertença a um
grupo profissional socialmente relevante; estimula o respeito pela
diversidade; exclui a exclusão; inclui a inclusão.
Esta é a escola que desejaríamos,
mesmo neste tempo conturbado e de contenção global, mas que
dificilmente conseguiremos alcançar se não soubermos pôr de lado
alguns facilitismos. Se não percebermos que a criação destes
contextos de aprendizagem requerem muito suor e, por vezes, até
abundantes lágrimas. Acreditando que o futuro voltará ser risonho
para todos nós.