Entrevista

João Ricardo Pateiro, jornalista
«Ressuscitei o relato de futebol»

JoaoRicardoPateiro1 copy.jpgPodem não reconhecer o seu rosto, mas identificam-no à primeira ao sintonizar a rádio TSF pelo seu estilo inconfundível. Ele é o jornalista que inovou nos relatos radiofónicos em Portugal ao dedicar músicas célebres aos marcadores dos golos.

Vive o seu dia a dia num corrupio. O jornalismo e agora as canções ocupam-lhe todo o tempo e agora está a poucos dias de ser pai. Como é gerir este mundo de emoções fortes?

Procuro fazê-lo, como diz o Paulo Bento, com tranquilidade (risos). São todas emoções muito boas. Maravilhosas mesmo, sendo a que se apresta para acontecer, o nascimento da minha filha, ter uma dimensão quase transcendental. Quanto à incursão no mundo das canções, com o projeto «Tertúlia dos 40», é uma espécie de «second life», mas bem real.

Já fez mais de mil relatos. Lembra-se quando foi a sua primeira narração?

Foi um Varzim-Rio Ave, algures na temporada 1987/88, para uma rádio local de Vila do Conde, de onde eu sou natural. As pessoas da minha terra gostaram, só não acharam piada ao facto de eu ter gritado tantos golos do Varzim.

Ao longo dos 90 minutos de um relato, com as variações naturais do jogo, consegue-se manter a isenção e a equidistância, seja quais forem os clubes em competição?

Esse exercício de cultivar o distanciamento e a isenção faz-se ao longo dos anos. É um processo natural. Pese embora a grande paixão que tenho pelo jogo, vejo-o sempre de forma distanciada, quer esteja a relatar ou não. Esse foi um processo que amadureci com o passar do tempo.

Disse que começou os seus relatos amadores durante partidas de "subbuteo" entre amigos. É preciso ter uma vocação para ser relatador?

É um dom natural, uma capacidade inata. Mesmo que se faça um curso acelerado para pessoas que queiram ser relatadores eu diria que é tremendamente difícil que os ensinamentos adquiridos façam desses aspirantes grandes profissionais se não existir uma vocação e um talento natural. Para as pessoas perceberam o paralelo, era o mesmo que o Cristiano Ronaldo ou o Messi ministrassem cursos para ensinar a jogar à bola como eles. Seria quase impossível surgir um «fenómeno» como qualquer um deles. Eu acho que o relato é uma arte.

Que características fundamentais deve ter um relatador?

Essencialmente, grande capacidade de descrição. Quantos mais pontos e referências fornecer, melhor imagem do jogo consegue transmitir ao ouvinte, o mais próximo possível da realidade. Ter a noção do que é o ritmo do relato. O relato não é um TGV, tem que ser uma montanha russa e ter flutuações, enfatizando as situações de perigo junto às balizas e de iminente golo. Passei mais de 20 anos a ouvir relatos e sei o que o ouvinte quer escutar. Mas há mais aspetos a ter em conta: é preciso respeitar as regras éticas e deontológicas do jornalismo, preparar os jogos atempadamente e, não menos importante, falar regularmente com jogadores, árbitros e treinadores.

Admite que introduziu uma vertente de espetáculo na narração dos jogos?

JoaoRicardoPateiro2 copy.jpgEu tento juntar o melhor de dois mundos: a informação e o rigor. Entendo que o relato não tem que ser feito por um entertainer, mas existem vantagens se for feito por um jornalista. Se assim for, a narração do espetáculo futebol é feita necessariamente com mais rigor.

O seu traço distintivo como relatador são as canções que dedica aos jogadores que marcam golos. Quantas tem preparadas neste momento?

Tenho cerca de 60 canções para 60 jogadores diferentes. A última creio que foi para o Ola John do Benfica. A minha mulher, que é professora de música, por vezes adverte-me para ter atenção à métrica, mas na generalidade as pessoas gostam muito. Há outros que gostam menos e chegam a demonstrá-lo, mas só tenho é de respeitar. Chegaram a transmitir-me que a mulher do Radomel Falcao, ex-jogador do FC Porto, tinha apreciado muito a canção que dediquei ao marido quando ele marcava golos com a camisola dos azuis e brancos.

Quando começou a relatar, já era uma festa se um jogo era transmitido semanalmente na TV. Agora são praticamente todos os que têm honras do direto televisivo. Sente que com esta ditadura do direto e das repetições, o vosso trabalho está mais exposto?

Não me sinto mais ou menos pressionado por isso. Se acho, naquele momento, que é penalty ou fora de jogo digo-o, sem problemas. Fico de consciência tranquila. É verdade que temos a ajuda do nosso colega que está em estúdio a assistir à transmissão, mas não me coíbo de dar opinião, se for isso o que eu vi. Acontece-me chegar a casa, rever o jogo e ter outra ideia dos lances. É natural. O que atesta a dificuldade que existe para julgar os lances em fração de segundos. Talvez por isso, sou muito condescendente com os erros que normalmente são cometidos pelas equipas de arbitragem.

Há quem diga que o relato de futebol estava em vias de extinção. Sente que foi uma lufada de ar fresco?

Eu acho que a transmissão quase total dos jogos na televisão fez-me enveredar pelo caminho que considero certo para o relato. Um rumo necessariamente diferente. O relato de futebol estava ligado à máquina e creio que, de algum modo, consegui ressuscitá-lo. Mas importa referir que não estou sozinho. Há muitos outros bons valores no ativo. Por exemplo, temos o Bruno Cabral, na TSF, o Carlos Rui Abreu, na Antena 1, e o José Pedro Pinto, na Rádio Renascença.

Jorge Perestrelo tinha um estilo único na arte do relato. Era amado e odiado, excessivo, por vezes. Inspirou-se, de alguma forma, no seu legado?

O Jorge dominava, como ninguém, um vetor do relato que é o da espetacularidade. Trabalhei com ele na TSF, bebi parte da sua influência, mas tenho um estilo próprio. Recordo-me bem que relatámos em parceria a final da Liga dos Campeões, em Gelsenkirchen, no ano de 2004, entre o FC Porto e o Mónaco, de boa memória para nós portugueses.

Confessou publicamente que é daltónico. Já teve algum embaraço em direto?

(Risos) O meu grau de daltonismo é reduzido. Nunca tive problemas de maior no essencial do relato, mas já cheguei a trocar a cor das botas de um jogador ou as camisolas dos árbitros que julguei que fossem laranja e afinal eram de cor amarela. Mas nada de grave.

O ambiente nos estádios não é propriamente pacífico, existindo muita efervescência em certos palcos. Já experienciou alguma situação de aperto por parte dos adeptos?

Para ser franco, em mais de mil relatos que fiz não me recordo de nenhuma situação complicada. Ainda no outro dia fui fazer uma conferência de imprensa ao estádio do Bessa e uma das adeptas mais conhecidas do Boavista, a Dona Fernanda, agarrou-se a mim aos beijos, assim que me viu. Os meus colegas até ficaram surpreendidos, mas só pode ser porque as pessoas nutrem simpatia por mim.

Fala-se muito da promiscuidade entre jornalistas e as fontes. Para além dos relatos, faz reportagens e tem um programa de entrevistas na antena da TSF chamado "Entrelinhas". Qual é a sua relação com os atores do espetáculo futebolístico? Consegue manter o distanciamento?

JoaoRicardoPateiro3.jpgAntes de ser jornalista, sou ser humano. Não escondo que tenho relações de amizade com treinadores, jogadores e árbitros. Não tenho problema nenhum em afirmar que cultivo uma amizade próxima com o Artur Soares Dias, árbitro, o Vítor Baia, ex-guarda redes, o Toni, ex-treinador do Benfica, e o Fernando Santos, atual selecionador da Grécia. Se condiciona? Por princípio não, mas há coisas que se passam no nosso inconsciente e que não podemos evitar.

Falemos agora das questões relacionadas com a sua profissão. Licenciou-se na Escola Superior de Jornalismo do Porto. Como vê o cada vez mais exíguo mercado para meios de comunicação social e jornalistas?

Com muita preocupação, pese embora este fenómeno não ser propriamente novo. Mas já na altura em que eu cursava jornalismo, em 1989, se falava da crise neste setor da sociedade, precisamente numa altura em que despontavam vários projetos privados de jornais e de televisão.

Neste momento ninguém está a contratar quem quer que seja. O mercado de trabalho está «fechado» e o que se vê são empresas de comunicação social que se limitam a dispensar. As redações estão a perder a memória e a insistir quase exclusivamente em jovens para fazerem estágios de borla. Não é bom, até porque subverte as regras do mercado e esta lógica reflete-se, necessariamente, na qualidade do produto que é apresentado nas páginas dos jornais, na rádio ou na televisão.

As universidades deixaram de ser agências de emprego?

Isso foi chão que deu uvas. Eu daria o seguinte conselho aos aspirantes a jornalistas: se acham que vão ser muito bons e têm muito talento, então continuem. Se acham que não são assim tão acima da média, então mudem de rumo.

Chegam-lhe muitos pedidos para trabalhar na rádio?

Sim. Por vezes desesperados, mas sempre bem intencionados, as pessoas dirigem-se até nós porque pensam que temos poder de decisão. O que é que eu posso fazer? Sou um simples colaborador da TSF. Dentro das minhas escassas possibilidades, estou a pensar, juntamente com o meu colega da Antena 1, Fernando Eurico, organizar um workshop sobre relatos de futebol, inserido num curso de comunicação social de uma faculdade da zona do Porto. Seria uma oportunidade para captar novos valores e satisfazer a curiosidade de muitos jovens que sentem que têm potencial, mas nunca experimentaram.

É um fenómeno de popularidade nas redes sociais, com mais de 5 mil amigos no Facebook e com duas páginas de fãs que exaltam os seus relatos. Sente que é a recompensa pelo trabalho que faz?

É um reconhecimento interessante, gratificante e que francamente aprecio. É fruto do meu empenho e também faz bem ao ego. De qualquer forma, os meus pais deram-me formação para não me deixar cair na arrogância e na vaidade. Sou uma pessoa bastante acessível e quero continuar a sê-lo.

De há alguns meses a esta parte é um dos elementos do trio «Tertúlia dos 40», uma banda que integra ainda o jornalista da RTP, Carlos Daniel e o músico, Filipe Fonseca. O projeto vai de vento em popa e os concertos sucedem-se, preenchendo ainda mais as vossas agendas. O que é que pode esperar quem vai ver um espetáculo vosso?

Nós os três somos uns saudosos dos gloriosos anos 80 e boa parte do espetáculo, que dura cerca de 100 minutos, faz um flash-back até essa década prodigiosa. Temos blocos com as canções de programas infantis da época, genéricos da «Abelha Maia», do «Tom Sayer» e do «Dartacão». Temos blocos de séries, como a «Fama», «Dallas», «Verão Azul», o «Barco do Amor», etc. São programas que fazem parte do imaginário de muitos dos que agora têm entre 30 e 40 anos porque, quero recordar, só existia um canal de televisão.

Mas há mais…

Temos publicidade, com a recriação dos anúncios da Bic, Mokambo, Coca Cola, Boca Doce, incursões em músicas que venceram o festival da canção, o recuperar de canções que marcaram uma época como o «Foguete». Isto sem esquecer a parte mais futebolística da atuação com os hinos dos clubes, gafes no jornalismo, imitações de Pinto da Costa, João Malheiro e outros.

Têm tido vários concertos, em especial no litoral, com destaque para o Ritz Clube, em Lisboa e o Rivoli, no Porto. Estão disponíveis para atuar noutras partes do país, Castelo Branco incluído, para mostrar o vosso trabalho a outros públicos?

Vamos com todo o gosto! Sinceramente, nunca pensámos na dimensão que o projeto atingiu. A minha vida não é isto. Já temos inclusive um agente a trabalhar connosco e a tratar de tudo, nomeadamente no agendamento de espetáculos.

Nuno Dias da Silva
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