Cultura

Gente e Livros
Manoel de Barros

Manuel-de-Barros.jpgDifícil fotografar o silêncio.

Entretanto tentei. Eu conto:

Madrugada, a minha aldeia estava morta. Não se via ou ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas. Eu estava saindo de uma festa.

Eram quase quatro da manhã. Ia o silêncio pela rua carregando um bêbado. Preparei minha máquina.

O silêncio era um carregador?

Estava carregando o bêbado.

Fotografei esse carregador.

Tive outras visões naquela madrugada. Preparei minha máquina de novo. Tinha um perfume de jasmim no beiral do sobrado. Fotografei o perfume. Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.

Fotografei a existência dela.

Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo. Fotografei o perdão. Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa. Fotografei o sobre.

Foi difícil fotografar o sobre. Por fim eu enxerguei a nuvem de calça.

Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com maiakoviski - seu criador. Fotografei a nuvem de calça e o poeta. Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa

Mais justa para cobrir sua noiva.

A foto saiu legal.

In Difícil Fotografar o Silêncio, Manoel de Barros

Manoel Wensceslau Leite de Barros nasceu em Cuiabá, no Beco da Marinha, Beira do rio Cuiabá,  a 19 de Dezembro de 1916. Ainda criança mudou-se para Campo Grande e mais tarde para o Rio de Janeiro. Nesta cidade tirou o curso de Direito, em 1949.

Quando tinha um ano de idade o pai decidiu tornar-se fazendeiro e mudou-se com a família para ao pantanal. Nequinha, como era tratado carinhosamente pela família, cresceu a brincar no terreno em frente à casa, pé descalço , entre as coisas «desimportantes» que marcariam para sempre a sua obra. Não gostava de estudar até descobrir os livros do padre António Vieira.

Aos 18 anos entrou para a Juventude Comunista. O seu primeiro livro «Nossa Senhora de Minha Escuridão» não foi publicado mas livrou-o da prisão. Manoel de Barros tinha pintado numa estátua da cidade "Viva o Partido Comunista". Um polícia foi buscá-lo  à pensão onde morava, mas a senhoria intercedeu por ele dizendo que era bom menino e que até tinha escrito um livro. O polícia acabou por levar o livro e deixou o poeta. Na juventude, passou uns meses na Bolívia e no Perú e um ano em Nova Iorque. Quando regressou ao Rio de Janeiro conheceu Stella, que era mineira, e três meses depois casaram.

Da sua bibliografia fazem parte os títulos: Poemas Concebidos sem Pecado (1937); Compêndio para Uso dos Pássaros (1960); Gramática Expositiva do Chão (1966); O Guardador das Águas (1989); Poesia Quase Toda (1990); Concerto a Céu Aberto para Solos de Aves (1991); Exercícios de Ser Criança (1999); O Fazedor de Amanhecer (2001) - Infantil.

 
 
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