Bocas do Galinheiro
Hiroshima, Meu Amor
No dia em que esta edição
do "Ensino" é distribuída, vamos ter oportunidade de assistir no
Cine-Teatro Avenida, em Castelo Branco, à exibição de uma
obra-prima do cinema: "Hiroshima, Meu Amor". Em produção
franco-japonesa o realizador francês Alain Resnais dirige, em 1959,
esta que é a sua primeira longa-metragem. Uma obra impar que foi
excluída do Festival de Cannes mas um movimento de opinião pública
levou a que o filme fosse apresentado fora do concurso, obtendo o
prémio da crítica. Em Portugal, depois de longamente interdito pela
censura, ia passar, com cortes, claro está, no dia 25 de abril de
1974, Nesse dia, por razões óbvias não foi projectado. Foi no dia
seguinte, já sem cortes! Com argumento da escritora Marguerite
Duras, é a história do breve romance entre uma actriz francesa,
Emmanuelle Riva, que filma em Hiroshima um filme sobre a paz, e um
arquitecto japonês, Eiji Okada. Um filme de memórias em que Resnais
utiliza metragem de um documentário sobre o ataque nuclear, em que
se intercalam momentos do par no quarto de hotel e flashbacks da
jovem francesa na sua Nevers natal, do passado que a atormenta e
dos "dez mil sóis de Hiroshima" que reduziram a cinzas a cidade
agora em reconstrução. Um dos filmes mais marcantes do
pós-guerra.
Alain Resnais nasceu em Vannes, a 3
de junho de 1922, e faleceu a 1 de março último, aos 91 anos e numa
forma fantástica. O seu último filme, "Amar, Beber e Cantar",
estreou este ano no Festival de Berlim com assinalável êxito,
recebendo o prémio Alfred H. Bauer, distinção que leva o nome do
fundador do festival e que pretende assinalar filmes que abram
novas perspetivas à arte cinematográfica, o que, para um realizador
no ativo há mais de seis décadas é obra! Neste, como noutros filmes
realizados na última década, nunca deixou de surpreender, não só na
abordagem desinibida da morte, mas também no ritmo escorreito que
empresta à sua direção, de que são exemplos "Vous n'avez encore
rien vu" (2012), inédito no nosso país, "As Ervas Daninhas" (Les
herbes folles", 2009), "Corações" (Coeurs, 2006), "Nos lábios não"
(Pas sur la bouche, 2003), que se seguiram a "É Sempre a Mesma
Cantiga" (On connaît la chanson, 1997), um dos seus filmes mais
premiados, na altura valeu 7 Césares, os equivalentes franceses aos
óscares da academia. Um musical arriscado, em que as canções,
grandes êxitos da música francesa, em playback, são colocadas na
voz de diferentes personagens, nem sempre de quem esperamos, como o
general nazi com a voz de uma francesa, por exemplo. Ou seja,
Resnais nunca teve medo de inovar, mas sobretudo de arriscar.
Para o crítico e historiador Georges
Sadoul, Alain Resnais é "o melhor cineasta da Nova Vaga francesa,
entendida esta como a promoção de uma centena de novos realizadores
de longa-metragem depois de 1959. É exigente, inquieto, minucioso,
respeitando por vezes em excesso os seus argumentos e, no entanto,
cada um dos seus filmes traz profundamente a sua marca, a de um
verdadeiro autor."
Em 1948 o seu documentário "Van
Gogh", é um marco nos filmes de arte, área que torna a abordar em
"Guernica" e "Gaugin", de 1950, o que para Sadoul significa que
para Resnais "a arte cinematográfica era antes do que mais a
montagem: da escolha das imagens, o seu enquadramento, o ritmo, a
sua organização, partindo de elementos por vezes discordantes, de
um contraponto audiovisual tenso como uma corda vibrante, que toma
o tempo e o espaço como matérias, ao combina-las com as
necessidades da sua criação". Mas é em 1956 com a exibição no
Festival de Cannes do documentário "Nuit et brouillard", sobre os
campos de extermínio nazis, galardoado com o prémio Jean Vigo, que
o catapultou para uma brilhante carreira na longa-metragem iniciada
justamente com o filme que podemos ver hoje, e confirmada logo em
1961 com "O Último Ano em Marienbad" (L'Année dernière à Marienbad)
e "A Guerra Acabou" (La Guerre est Finie, 1966) que lhe valeu a
oposição do governo espanhol à apresentação do filme em Cannes e,
claro está, outros dos seus filmes só estreado em Portugal depois
de 1974. Filmes sobre o comunismo, ou concretamente sobre partidos
comunistas, não eram bem vindos, tal como no nosso vizinho ibérico.
Aliás o tema da lembrança, principalmente da necessidade de não
esquecer, é recorrente, tanto na fase documental como na de fição
do autor, o que lhe valeu uma quantas proibições. Voltando a Sadoul
"colocando-se sempre na vanguarda do cinema moderno com um
intelectualismo certo… (filmes) que se julgaria reservados a um
público de amadores esclarecidos, tocaram um público muito vasto em
numerosos países".
Para não o esquecermos, nada melhor
que "Hiroshima, meu amor". Até lá!