Opinião

“Pedagogia (a)crítica no Superior” (IX)
O mito da idade na constituição de turmas

FotoLSouta2015peq.jpg«Educar é a ternura de transferir saber dos adultos aos mais novos.»

(Raul Iturra, 2011)

Há um mito, na generalidade dos sistemas educativos, que tem passado incólume ao longo de gerações; e nem as ciências da educação, apesar da imensa investigação realizada, alguma vez o questionou de forma séria. A evidência empírica não tem alterado a política e a prática ancestral de organizar as turmas por coortes de idade. Outra homogeneidade, a sexual, caiu com o boom escolar decorrente da revolução de Abril. Por isso, nos dias de hoje, a única variável que, para as autoridades, continua a justificar a organização de turmas nas suas escolas é a idade. E assim o fazem desde o Pré-escolar ao Superior.

Sabemos, por exemplo, que apesar de rapazes e raparigas de uma turma do 3º ciclo terem a mesma idade, tal não corresponde a iguais níveis de maturação física, psicológica e emocional. Os alunos aprendem mais e melhor em grupos de idade equivalente? Pelo contrário, a aprendizagem entre pares, torna-se, nesses casos, muito limitada pois as experiências de vida dos alunos são sensivelmente do mesmo tipo.

Esta era uma questão a que o Prof.S. voltava com frequência, nas suas reflexões pedagógicas. Ainda mais, desde que passou a ter os, institucionalmente, designados como "novos públicos": «maiores de 23 anos» e os que ingressam no Superior como forma de combater o 'síndrome do ninho vazio', de suportar melhor a viuvez ou de ocupar o seu (agora) imenso 'tempo livre'. Como metodologia de análise, o Prof.S examinava a sua história de vida e, em especial, o seu percurso escolar e procurava aí as linhas de continuidade e ruptura com os hodiernos tempos. Não andara no jardim-de-infância (a escola, naqueles anos do pós-guerra, só se iniciava aos 7 anos de idade). Na primária, cada uma das salas tinha dois grupos etários (os da 1ª e 3ª classes, os da 2ª e 4ª; a diferença de dois anos, naquelas idades, notava-se bem). No liceu, o 1º F, onde a sorte o colocara, estava cheio de alunos mais 'velhos' (ele era o benjamim numa turma de repentes, com experiências escolares e de vida bem diversas). Na universidade, os «alunos voluntários» e os funcionários coloniais vindos à metrópole, de 'licença graciosa', para obterem a licenciatura e chegarem ao almejado «chefe de posto», foram a companhia adulta com quem conviveu e aprendeu muito para além das matérias estritamente académicas. Para lá disso, a rua, na infância e adolescência, era o espaço de brincadeira por excelência, intenso nas interacções e aprendizagens entre 'miúdos e graúdos': foram os mais velhos que lhe ensinaram, por exemplo, a andar de bicicleta, a nadar, a jogar futebol,…

No tempo presente, o Prof.S. comparava as suas turmas de 1º ano (CTeSP e Licenciatura) e dava-se conta que naquelas onde havia gente 'senior' o clima de trabalho e aprendizagem era muito mais produtivo e gratificante. Esses estudantes escreviam mais e melhor (praticamente sem erros). Como eram empenhados, cumpridores e cooperantes, os grupos onde entravam produziam trabalhos de maior qualidade e faziam apresentações de outro nível. Eram eles que 'puxavam' pelos colegas e, como consequência, a 'fasquia' subia. Quando presentes na aula, alteravam, por completo, o ambiente de estudo: evitavam, na maior parte das vezes, que o clima se deteriorasse, resvalando para comportamentos 'estilo secundário' que, paulatinamente, vinham a instalar-se no Superior como efeito da massificação e de uma adolescência prolongada (os rapazes, em especial, tardavam a entrar no «estádio irónico», enunciado por Kieran Egan). E, fora das aulas, ainda que não alinhassem com eles nas praxes, funcionavam como guias, conselheiros, tutores,… uma espécie de 'pais académicos'. Era esse grupo de estudantes que, nas aulas, mais entravam em diálogo consigo, mais o questionavam e o desafiavam em termos científicos. Animavam os debates e davam-lhes outra profundidade. Muitas vezes, parecia que estava a 'dar a aula' só para eles. Eram esses estudantes, em particular, que o faziam sentir-se «mestre» enquanto que para os restantes não passava de um «pastor» (tipologia de Paola Mastrocola, Eu até sei voar: romance do quotidiano de uma professora, 2001:136).

O Prof.S. era forçado a concluir que, nas ciências sociais, a experiência de vida é, de facto, uma 'mais-valia educativa'.

Luís Souta
Este texto está redigido segundo a “antiga” e identitária ortografia
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