“Pedagogia (a)crítica no Superior” (IX)
O mito da idade na constituição de turmas
«Educar é a
ternura de transferir saber dos adultos aos mais novos.»
(Raul Iturra, 2011)
Há um
mito, na generalidade dos sistemas educativos, que tem passado
incólume ao longo de gerações; e nem as ciências da educação,
apesar da imensa investigação realizada, alguma vez o questionou de
forma séria. A evidência empírica não tem alterado a política e a
prática ancestral de organizar as turmas por coortes de idade.
Outra homogeneidade, a sexual, caiu com o boom escolar decorrente
da revolução de Abril. Por isso, nos dias de hoje, a única variável
que, para as autoridades, continua a justificar a organização de
turmas nas suas escolas é a idade. E assim o fazem desde o
Pré-escolar ao Superior.
Sabemos, por exemplo, que apesar de
rapazes e raparigas de uma turma do 3º ciclo terem a mesma idade,
tal não corresponde a iguais níveis de maturação física,
psicológica e emocional. Os alunos aprendem mais e melhor em grupos
de idade equivalente? Pelo contrário, a aprendizagem entre pares,
torna-se, nesses casos, muito limitada pois as experiências de vida
dos alunos são sensivelmente do mesmo tipo.
Esta era uma questão a que o
Prof.S. voltava com frequência, nas suas reflexões pedagógicas.
Ainda mais, desde que passou a ter os, institucionalmente,
designados como "novos públicos": «maiores de 23 anos» e os que
ingressam no Superior como forma de combater o 'síndrome do ninho
vazio', de suportar melhor a viuvez ou de ocupar o seu (agora)
imenso 'tempo livre'. Como metodologia de análise, o Prof.S
examinava a sua história de vida e, em especial, o seu percurso
escolar e procurava aí as linhas de continuidade e ruptura com os
hodiernos tempos. Não andara no jardim-de-infância (a escola,
naqueles anos do pós-guerra, só se iniciava aos 7 anos de idade).
Na primária, cada uma das salas tinha dois grupos etários (os da 1ª
e 3ª classes, os da 2ª e 4ª; a diferença de dois anos, naquelas
idades, notava-se bem). No liceu, o 1º F, onde a sorte o colocara,
estava cheio de alunos mais 'velhos' (ele era o benjamim numa turma
de repentes, com experiências escolares e de vida bem diversas). Na
universidade, os «alunos voluntários» e os funcionários coloniais
vindos à metrópole, de 'licença graciosa', para obterem a
licenciatura e chegarem ao almejado «chefe de posto», foram a
companhia adulta com quem conviveu e aprendeu muito para além das
matérias estritamente académicas. Para lá disso, a rua, na infância
e adolescência, era o espaço de brincadeira por excelência, intenso
nas interacções e aprendizagens entre 'miúdos e graúdos': foram os
mais velhos que lhe ensinaram, por exemplo, a andar de bicicleta, a
nadar, a jogar futebol,…
No tempo presente, o Prof.S.
comparava as suas turmas de 1º ano (CTeSP e Licenciatura) e dava-se
conta que naquelas onde havia gente 'senior' o clima de trabalho e
aprendizagem era muito mais produtivo e gratificante. Esses
estudantes escreviam mais e melhor (praticamente sem erros). Como
eram empenhados, cumpridores e cooperantes, os grupos onde entravam
produziam trabalhos de maior qualidade e faziam apresentações de
outro nível. Eram eles que 'puxavam' pelos colegas e, como
consequência, a 'fasquia' subia. Quando presentes na aula,
alteravam, por completo, o ambiente de estudo: evitavam, na maior
parte das vezes, que o clima se deteriorasse, resvalando para
comportamentos 'estilo secundário' que, paulatinamente, vinham a
instalar-se no Superior como efeito da massificação e de uma
adolescência prolongada (os rapazes, em especial, tardavam a entrar
no «estádio irónico», enunciado por Kieran Egan). E, fora das
aulas, ainda que não alinhassem com eles nas praxes, funcionavam
como guias, conselheiros, tutores,… uma espécie de 'pais
académicos'. Era esse grupo de estudantes que, nas aulas, mais
entravam em diálogo consigo, mais o questionavam e o desafiavam em
termos científicos. Animavam os debates e davam-lhes outra
profundidade. Muitas vezes, parecia que estava a 'dar a aula' só
para eles. Eram esses estudantes, em particular, que o faziam
sentir-se «mestre» enquanto que para os restantes não passava de um
«pastor» (tipologia de Paola Mastrocola, Eu até sei voar: romance
do quotidiano de uma professora, 2001:136).
O Prof.S. era forçado a concluir
que, nas ciências sociais, a experiência de vida é, de facto, uma
'mais-valia educativa'.