Editorial
A escola pública e a valorização da cidadania
A escola pública é,
talvez, a maior conquista educacional da sociedade portuguesa das
últimas três décadas. Uma escola democrática, inclusiva, de todos e
para todos, que valorize a cidadania, a aprendizagem, a formação e
a educação de crianças e jovens, não pode ser mais um dos mitos
elaborados no seio das ciências da educação.
Antes, é uma realidade que se tem vindo a construir
dia a dia, com muito esforço e sacrifício de toda a comunidade
educativa, porque é um princípio por que vale a pena lutar, já que
fortalece a democracia e a construção de um mundo com mais harmonia
e mais respeito pela natureza e pela pessoa humana.
Os professores estão de parabéns. Com a defesa da
escola pública têm dado, mais do que ninguém, um contributo
inigualável para o atenuar das desigualdades sociais e para a
futura construção de um Portugal, também ele menos desigual.
Não estranha, pois, que em momentos de fortes emoções,
os profissionais do ensino com mais consciência social e cultural
vejam os perigos que espreitam a esta escola democrática, erguida
sobre a estrutura de um ensino elitista que o Portugal do após 25
de Abril herdou da ditadura.
Porém, o então ainda sonho de pensar uma escola que
promovesse a igualdade de oportunidades e atenuasse as
desigualdades sociais viria a revelar-se como uma das grandes
motivações para a acção das últimas décadas do século XX.
Conseguiu-se ainda pouco? Estamos a trabalhar para
resultados que apenas serão visíveis daqui a duas ou três gerações?
As políticas educativas, por vezes, colocam no caminho obstáculos
que atrasam esses objectivos?
É verdade. Todavia, isso não invalida que, mesmo os
mais cépticos, não reconheçam que as democracias europeias estão
longe de poder inventar uma outra instituição pública capaz
corresponder, com tanta eficácia, às demandas sociais, quanto o faz
ainda hoje a escola pública de massas. Mesmo sabendo-se que há
sempre novas variáveis que colocam imprevistos desafios à
concretização dessa mesma escola pública, como o são o aumento da
violência nas escolas e generalização do bullying (sobretudo o mais
sagaz e traiçoeiro, que é o que utiliza a internet e as SMS), o
abandono e o insucesso escolar, a reprodução das desigualdades
dentro da comunidade educativa, a incapacidade de manter currículos
que valorizem para a vida, a erosão das competências profissionais
dos docentes, acompanhada pela perda de estatuto remuneratório e
social.
Todos sabemos, ou julgamos saber, como deve ser e o
que deve ter uma escola pública que promova a aprendizagem efectiva
dos seus aprendentes e o bem-estar e a profissionalidade dos seus
formadores.
Todavia, há um grave problema que introduz toda a
entropia nas escolas: é quando os governos se deitam a fazer contas
sobre quanto custa garantir esses direitos. Sobretudo, quando a
classe política sabe que o investimento em educação só produz
efeitos a longo prazo, o que não se compagina com a gestão do
calendário dos seus curtos ciclos eleitorais.
Não queremos uma escola que seja de baixa qualidade.
Por isso, estamos com todos quantos defendem ser urgente relançar a
defesa dos princípios fundadores da escola pública. Uma escola que
seja exigente na valorização do conhecimento e promotora da
autonomia pessoal. Uma escola pública, laica e gratuita, que não
desista de uma forte cultura de motivação e de realização de todos
os seus membros. Uma escola pública que, enfim, se assuma como um
dos pilares da democracia e como um dos motores da construção de um
país onde seja orgulhoso viver e conviver.
Formar a geração de amanhã não é tarefa fácil. Mas
será certamente altamente gratificante!
Por tudo isso, é importante que continuemos a exigir
políticas públicas fortes, capazes de criar as condições para que
essa escola democrática seja, de facto, universal, gratuita e
compensadora, e que se assuma, sem tibiezas, que o direito ao
sucesso de todos é um direito fundador da Democracia e do Estado de
Direito.