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A menina Júlia

112509ullmann718.jpgO meu amigo Joaquim, cúmplice nestas prosas em que o cinema é o actor principal, foi ver "Miss Julie", de Liv Ullmann, a mais recente adaptação de célebre peça de August Stridberg, tema da nossa próxima crónica, esta, a que está agora a ler. Uma pequena contrariedade da saúde não lhe permitiu rabiscar as suas linhas, por isso tratamos de combinar a coisa pelo telefone. A ver no que dá.

August Strindberg, nascido a 22 de janeiro de 1849 em Estocolmo, do casamento de um aristocrata falido, Carl Oscar Strindberg e de Nora, sua criada (em 1886 Strindberg escreverá a narrativa autobiográfica O Filho da Criada), apesar de uma vida atribulada, desde logo enquanto estudante, tentando várias áreas, mais tarde conhecendo variados empregos, de jornalista a secretário da Biblioteca Real de Estocolmo, será na escrita que se encontra, principalmente como dramaturgo, de que peças como "A Menina Júlia", a par de "O Pelicano" ou de "A Dança da Morte", para referir apenas estas, fizeram dele um dos nomes maiores das letras suecas.

"A Menina Júlia" (Fröken Julie), escrita em 1888, é um símbolo do naturalismo teatral e reconhecida como determinante no desenvolvimento do teatro no século XX. Numa recente edição portuguesa, Jorge Alexandre Navarro refere que "à semelhança de outras obras do autor, a mulher desempenha um papel crucial, nomeadamente no que respeita à sua emancipação sendo colocada numa posição de destaque social que a permite, de alguma forma, levar avante o poder de decisão. Aqui, a Menina Júlia é a filha de um conde e que na noite de S. João, seduz João, um dos empregados de seu pai que é noivo de Cristina, a cozinheira da família. João é levado pelo jogo não inocente da Menina Júlia que, em ambos os casos, não medem as consequências dos seus atos perante a sociedade na medida em que há nítida e claramente uma oposição no que respeita ao grupo social a que cada um pertence. A história que se desenrola ao longo daquela noite de solstício terá um final trágico muito semelhante ao das tragédias gregas tendo em conta o cunho moral que a envolve. August Strindberg ainda que defensor da igualdade das mulheres perante os homens, mostra-nos que nem sempre as escolhas das mulheres são as mais acertadas correndo o sério risco de ficar com a cabeça a prémio na medida em que, neste caso concreto, a Menina Júlia, teve de optar entre o julgamento por parte da sociedade e o suicídio. Moral da história: Um simples ato inconsequente poderá originar um conflito ético sem precedentes."

É esta história aparentemente simples, que Liv Ullmann trouxe de novo para o grande écran, depois da celebrada versão do sueco Alf Sjöberg, de 1951, "Fröken Julie" que passou com o título "Vertigem" e de uma versão menos conseguida de Mike Figgis, de 1999, com Saffron Burrows e Peter Mullan nos papéis principais e, para além de várias versões televisivas, há ainda notícia de duas versões ainda do mudo, uma de 1912, realizada por Anna Hofman-Uddgren e outra de 1922, possivelmente perdida, dirigida por Felix Basch.

Com excelentes representações de Jessica Chastain, Colin Farrell e Samantha Morton nos principais e (quase) únicos papéis (há a cena inicial de Julia ainda criança, interpretada por Nora McMenamy), respectivamente Julia, John e a cozinheira Kathleen, Ullmann neste seu regresso à realização, situa a acção na Irlanda de 1890, numa austera e claustrofóbica adaptação do texto de Strindberg, a cozinha domina o cenário, aqui e ali uma saltitando pelo campo à volta da casa, para logo a ela regressar para mais um round daquela luta em que desejo e remorso se enfrentam numa corrida para um na altura inevitável final.

Liv Ullmann, uma norueguesa nascida por acaso em Tóquio, em 1938, conheceu a glória cinematográfica como protagonista de filmes realizados pelo grande Ingmar Bergman, com quem viveu alguns anos e teve uma filha, de que se destacam A Máscara (1966), Paixão (1969), Lágrimas e Suspiros (1972), Cenas da Vida Conjugal (1973) ou Sonata de Outono (1978) e Saraband (2003). Mas não só com o sueco foi grande. Richard Attenborough ou Michael Anderson, foram outros realizadores com quem trabalhou.

Iniciou-se na realização em "Love" (1982), filme composto por seis curtas-metragens cujo tema é o amor, todas realizadas por mulheres, cabendo a Ullmann dirigir "Parting", tendo ainda realizado "Enskilda samtal", 1996, e "Infidelidade" (Trolösa, 2000), ambos com argumento de Ingmar Bergman, o que, convenhamos, é mais que um cartão-de-visita para o êxito de qualquer película. Voltou agora, 14 anos depois, sem Bergman, mas mostrando que sabe o que faz.

Sobre "A Menina Júlia" nos palcos nacionais, lembra-se aqui que o Teatro das Beiras estreou a peça em 1996, com encenação de Rui Sena e cenografia de José Manuel Castanheira e mais recentemente, em 2009, o Teatro Nacional D. Maria pô-la em cena com Beatriz Batarda na protagonista.

Até à próxima e bons filmes!

Luís Dinis da Rosa com Joaquim Cabeças
Sensesofcinema.com
 
 
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