BOCAS do galinheiro
A star is born
Quando estreia uma nova versão de um filme
conhecido, a comparação com o anteriores, ou anteriores, é
inevitável. É o que nos trás aqui hoje, passada a ressaca de "A
Star Is Born", realizado e interpretado por Bradley Cooper e Lady
Gaga, a cantora que de quando em vez faz uma perninha no cinema
("Machete Mata", "Sin City", entre outros). Uma fita que recria uma
história que conheceu a sua primeira versão em 1937, pela mão de
William Wellman. Ou talvez não. Porque o argumento terá ido buscar
inspiração a "What Price Hollywood" (Hollywood, a que preço), filme
realizado em 1932 por George Cukor e onde é mostrado a outra
Hollywood, já não a da fábrica de sonhos, mas a da decadência, e do
caminho curto que vai da glória à queda, muitas vezes dolorosa.
Aqui é uma criada que é descoberta por um realizador e se torna uma
estrela de primeira grandeza, enquanto ele entra em decadência.
É, inspirado, ou a partir desta
história que William Hellman dirige a primeira versão, com
argumento seu e de Robert Carson, levaram nesse ano o Oscar para o
argumento original, onde colaboraram ainda Dorothy Parker e Alan
Campbell na adaptação, naquele que seria um dos seus filmes mais
famosos e uma referência no uso da cor, pela utilização da evolução
do Technicolor, já experimentado por outros, sem o domínio que lhe
imprimiu Wellman. Nos principais papéis Janet Gaynor, curiosamente
a primeira actriz a receber o Oscar pela sua interpretação em "A
Hora Suprema", de Frank Borzage (curiosamente, o Oscar que ela
recebe no filme, é o que ganhou em 1929). Por seu lado o Oscar para
o melhor filme coube a "Wings", de William Wellman. Já agora, o
melhor realizador foi Frank Borzage por "A Hora Suprema". Foi numa
cerimónia que teve lugar a 19 de Maio de 1929 e premiou os filmes
estreados em Los Angeles entre 1 de Agosto de 1927 e 31 de Julho de
1928. Foi o relançamento da carreira da actriz. Aqui ela é Esther
Blodgett, que adoptará o nome artístico de Vicky Lester, depois de
conhecer Norman Maine, um actor em decadência, alcoólico,
interpretado por Fredric March, que depois de a conhecer numa
recepção, apaixona-se por ela e lança-a no mundo do cinema, o tal
onde ele já não tinha lugar. O resto é sabido, a ascensão e o êxito
dela, precipitam a queda dele que culmina com a cena final quando
se lança ao mar, um dos momentos icónicos do filme, acentuado pelo
dramatismo do diálogo precedente entre Vicki e Oliver Niles. É o
preço da fama.
Uma nova versão dirigida por George
Cukor em 1954, dando corpo ao lugar-comum de que era "realizador de
mulheres", relançou a carreira de Judy Garland, ela que atravessava
uma das suas fases de internamentos e desintoxicações, tem aqui um
êxito memorável no papel de Vicky Lester, cantora e actriz, cuja
carreira é apoiada por Norman Maine, aqui interpretado por James
Mason. A história, com argumento de Moss Hart, que tal como a
versão de Hellman, foi beber a" What Price Hollywood?", realizado
por Cukor, seguiu praticamente a adaptação anterior. Apesar do
êxito, foi célebre a querela de Cukor com o estúdio, a Warner, por
causa da versão estreada, cortaram cerca de 30 minutos, contra a
vontade do realizador, e por aí andou até que nos anos 80 do século
passado se descobriram fragmentos de película e se reconstituiu o
filme, agora com 176 minutos.
A estreia do filme foi um
acontecimento verdadeiramente à Hollywood, com transmissão direta
pela televisão e com milhares de fãs a acorrerem ao local da
projecção. As reações da crítica foram a condizer. James Mason e
Judy Garland ganharam os Globos de Ouro, mas perderam nos Oscar.
Apesar deste renascer, Judy Garland voltou a cair noutro processo
de instabilidade e retirou-se, mais uma vez. Voltou a actuar em "O
Julgamento de Nuremberga"(1961), de Stanley Cramer, ainda faz mais
dois filmes, o último dos quais em 1963, "Triunfo Amargo", de
Ronald Neame, com Dirk Bogarde, vindo a falecer em 1969 com 47
anos.
Em 1976 aparece a terceira versão
de "A Star is Born", com realização de Frank Pierson, com Barbra
Streisand e Kris Kristofferson, agora com um rumo diferente, o
mundo é o da música: ele é um cantor em declínio que vê na jovem e
talentosa Esther Hoffman um futuro glorioso na música, apostando na
promoção da carreira dela, ao mesmo que a sua se afunda cada vez
mais. Apaixonam-se, está bom de ver, a coisa piora. Aliás, esta
versão é em si decepcionante, talvez reflexo do mau ambiente da
rodagem: pouca empatia entre os actores e a realizador. Frank
Pierson chegou mesmo a publicitar a relação conflituosa com Barbra
Streisand, o mesmo terá dito Kristofferson. A cantora e actriz que
se destacara em "Funny Girl" (1968), de William Wyler, Oscar de
melhor actriz, ao lado de Omar Sharifg e "Hello, Dolly!"(1969), de
Gene Kelly, acabou por receber um Oscar para a canção "Evergreen",
com letra de Paul Williams. Uma versão que não deixa saudades.
Coube agora a Bradley Copper
realizar e interpretar o músico Jackson Maine que se apaixona por
uma jovem cantora, Ally, interpretada por Lady Gaga, e a incentiva
a fazer carreira na música. Uma história que não difere das
anteriores, aliás mais perto da versão de Frank Pierson, pois o
universo é o mesmo. Uma estreia competente de Bradley na realização
e um grande salto de Gaga como actriz, depois de passagens mais
fugazes em filmes anteriores. Para muitos o filme do ano, fraquejou
onde são mais visíveis e recompensados os prémios, no Óscar, ficou
com o da canção para "Shallow", apesar das nomeações para melhor
filme e melhor actor e actriz. Para estreia, nada mal.
"A Star is Born"? A escolher seria
entre os de William Wellman e George Cukor. Escolha salomónica,
não. Fico-me pelos dois.
Até à próxima e bons filmes!
Luís Dinis da Rosa
Este texto não segue o novo Acordo Ortográfico