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Bocas do galinheiro
Nunca nos vimos assim

bocas1O ano de 2020 vai seguramente ser lembrado pelas piores razões. Quando se aguardavam dias gloriosos nos Jogos Olímpicos, um Europeu de Futebol, modalidade em que Portugal ultimamente tem dado cartas, afinal somos os Campeões Europeus, concertos para sempre recordar, filmes a estrear, eis que um maldito vírus veio trocar as voltas ao Mundo e pôr grande parte da população em isolamento social ou de quarentena, e os mortos já se contabilizam aos milhares. Tirando os tolos de serviço, do inqualificável Trump ao inenarrável Bolsonaros, superiormente acompanhados por um errático Boris Johnson e por aqueles que acham que estas coisas só acontecem aos outros, o sentimento geral é de medo. Cada dia é uma vitória sobre a ameaça invisível e um mais a aproximar-nos da tão esperada vacina.

Os filmes catástrofe são um filão há muito explorado e, claro, alguns abordaram a temática das epidemias. Com maior ou menor sucesso, o tema passou ao grande écran desde logo em "Outbreak - Fora de Controlo" (1996), de Wolfgang Petersen, com Dustin Hoffman, Rene Russo e Morgan Freeman, entre outros, que nos leva ao aparecimento de um vírus trazido para os Estados Unidos através de um macaco africano e das reações sobre a verdadeira dimensão da ameaça. Como é usual, numa primeira fase a coisa não é lavada muito a sério, e depois já é tarde de mais, principalmente quando no meio do evoluir do surto numa cidade da Califórnia, um general pretende criar uma arma biológica a partir do vírus, que será um parente do Ebola. Ambientado no meio militar, é uma referência no género.

Em 2002 Danny Boyle dirige um interessante e estranho filme "28 Dias Depois", sobre um grupo de activistas que solta chimpanzés de um laboratório, ignorando os conselhos dos cientistas e o resultado é desastroso. O vírus alastra e é uma Londres deserta e invadida por zombies que vai ser palco de uma luta pela sobrevivência dos que conseguiram alcançar Manchester onde os militares acolhem e protegem os sobreviventes.

Curioso é também "O Ensaio Sobre a Cegueira" (2008), de Fernando Meirelles, fita baseada no romance de José Saramago com o mesmo título. Um homem para do num semáforo fica cego e a cegueira alastra como um vírus, imparável. Uma parábola sobre a essência humana e os tempos sombrios que se viviam, o livro é de 1995, mas sobretudo obriga-nos a ver quando não vemos.

Porém, o filme que melhor retratou o que agora estamos a passar foi sem dúvida "Contágio" (2011), de Steven Soderbergh. Uma executiva de uma empresa americana (Gwenyth Paltrow) regressa de Hong Kong contagiada por um novo vírus e morre poucos dias depois. Ainda no mesmo dia o filho adolescente morre também. Sabe-se lá porquê, o marido, Matt Damos, é imune. Por todo o mundo aparecem novos casos. Vamos acompanhando pessoas em várias partes do globo que sucumbem à doença. De repente a pandemia está fora de controlo. Começa então a luta contra o tempo para identificar o vírus e criar uma vacina. Pelo meio o saque aos supermercados, ruas vazias, disputas por medicamentos e o vírus em mutação e cada vez mais letal e as costumadas teorias da conspiração sobre a criação do vírus por farmacêuticas ou por terroristas. O filme vai-nos apresentando a cronologia da evolução do vírus até ao aparecimento de uma vacina. Ao dia 135, depois do desenvolvimento da vacina, o surto começa a diminuir. Nos filmes é tudo mais fácil. Para este novo coronavírus a vacina não chegará tão cedo. Daí a importância de medidas de contenção.

Soderbergh termina o filme com a revelação, simples, de como o vírus chegou a Beth, a personagem de Paltrow. Como este novo coronavírus, teve origem animal, no filme um morcego, também neste caso os morcegos são referidos, mas a inclinação vai para os pangolins. Sem querer revelar o fim do filme, o vírus acabou por se propagar através da cadeia alimentar e, tal como agora, tornou-se imparável. O argumento original de Scott Z. Burns, acolitado por variados cientistas, descreveu há dez anos uma realidade muito próxima daquela que todos estamos a viver. Não anárquica, mas para minimizar a propagação do vírus, o planeta está quase paralisado. Esperamos que por pouco tempo.

Até á próxima e cuidem-se!

Luís Dinis da Rosa
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