Opinião
Toalha de Bidé
Não conheço quem, em
tempos tão aziagos como os de hoje, se tenha lembrado deste
utensílio tão púdico como promíscuo - para não dizer obsceno - da
higiene diária de pelo menos um décimo dos cidadãos com casa de
banho, para construir uma crónica num jornal sério, sobre a
situação política e social do país, tão miserável em dois sentidos:
os dias difíceis que vivemos e mais aqueles que o governo tem como
objectivo até que a morte nos separe.
A dita representa, sem tirar nem
pôr, tudo o que penso sobre a maldita situação de vários anos de
regabofe: despesismo, políticas sociais criminosas, orientações
económicas erradas, etc. Claro está, sempre com o púdico argumento
de tudo ser o melhor para Portugal e para os portugueses.
Chegados a este imbróglio, já só nos
resta a toalhinha suja, cúmplice de excessos, rota e, ainda assim,
pendurada na argola ao lado do bidé, como suicida de corda em volta
do pescoço.
Os meus olhos já não vêem e o meu
cérebro tem dificuldade em discernir se a toalha de bidé se usa
para o efeito em face da dimensão; se, por estar imunda, se
apropria melhor às circunstâncias. Em qualquer dos casos é sempre
uma vergonha.
Devia ser este trapo sebento a que a
minha avó se referia quando alguém pisava o risco e ela soltava a
bom pulmão para que não houvesse a desculpa desentendida do se
calhar não era para mim. Ela gritava: "estás aqui estás a levar com
um pano encharcado nas ventas"!
Enquanto o velho Armstrong atacava
no vinil um standard apaziguador - La vie en rose - eu olhava para
a minúscula toalha de bidé e ia dizendo para os meus botões: mas
que raio vou eu improvisar com uma toalha destas?!
Não há dúvidas: se este trecho, que
sempre teve o condão de me fazer suster a respiração e me acalmar,
hoje não faz efeito, só há uma solução: rasgar o pano, ainda que o
que resta de tecido não passe deste infame rectângulo puído e
sujo.
Com efeito, o pedaço de pano turco
(não grego; turco) corresponde ao tamanho exacto a que hoje temos
ainda direito. Depois do enorme lençol de banho, da folia e do
desperdício; repito, do esbanjamento à cintura como os lordes, e
depois a chamada toalha de rosto com restrições mas ainda assim uma
dádiva, como quem diz: limpem lá a cara e as mãos que ainda há
pano.
Mas chegou o tempo em que a dita é
a miséria franciscana da toalha de bidé! E nesta, não restam
dúvidas, além da escassez de pano, da dificuldade de utilização e,
na ignorância do privilégio, em todos os sentidos o que nos resta é
uma toalha de porcaria.