Opinião

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Toalha de Bidé

João de Sousa TeixeiraNão conheço quem, em tempos tão aziagos como os de hoje, se tenha lembrado deste utensílio tão púdico como promíscuo - para não dizer obsceno - da higiene diária de pelo menos um décimo dos cidadãos com casa de banho, para construir uma crónica num jornal sério, sobre a situação política e social do país, tão miserável em dois sentidos: os dias difíceis que vivemos e mais aqueles que o governo tem como objectivo até que a morte nos separe.

A dita representa, sem tirar nem pôr, tudo o que penso sobre a maldita situação de vários anos de regabofe: despesismo, políticas sociais criminosas, orientações económicas erradas, etc. Claro está, sempre com o púdico argumento de tudo ser o melhor para Portugal e para os portugueses.

Chegados a este imbróglio, já só nos resta a toalhinha suja, cúmplice de excessos, rota e, ainda assim, pendurada na argola ao lado do bidé, como suicida de corda em volta do pescoço.

Os meus olhos já não vêem e o meu cérebro tem dificuldade em discernir se a toalha de bidé se usa para o efeito em face da dimensão; se, por estar imunda, se apropria melhor às circunstâncias. Em qualquer dos casos é sempre uma vergonha.

Devia ser este trapo sebento a que a minha avó se referia quando alguém pisava o risco e ela soltava a bom pulmão para que não houvesse a desculpa desentendida do se calhar não era para mim. Ela gritava: "estás aqui estás a levar com um pano encharcado nas ventas"!

Enquanto o velho Armstrong atacava no vinil um standard apaziguador - La vie en rose - eu olhava para a minúscula toalha de bidé e ia dizendo para os meus botões: mas que raio vou eu improvisar com uma toalha destas?!

Não há dúvidas: se este trecho, que sempre teve o condão de me fazer suster a respiração e me acalmar, hoje não faz efeito, só há uma solução: rasgar o pano, ainda que o que resta de tecido não passe deste infame rectângulo puído e sujo.

Com efeito, o pedaço de pano turco (não grego; turco) corresponde ao tamanho exacto a que hoje temos ainda direito. Depois do enorme lençol de banho, da folia e do desperdício; repito, do esbanjamento à cintura como os lordes, e depois a chamada toalha de rosto com restrições mas ainda assim uma dádiva, como quem diz: limpem lá a cara e as mãos que ainda há pano.

Mas chegou o tempo em que a dita é a miséria franciscana da toalha de bidé! E nesta, não restam dúvidas, além da escassez de pano, da dificuldade de utilização e, na ignorância do privilégio, em todos os sentidos o que nos resta é uma toalha de porcaria.

 
 
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