Opinião

Bocas do Galinheiro
A ver passar as Automotoras?

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A CP ou a Refer, ou as duas, porque não se sabe, eu pelo menos não sei, onde acaba uma e começa a outra, parece estarem decididas em acabar de vez com a centenária Linha da Beira Baixa. Depois de mais de um século, os comboios foram varridos da Linha, dando lugar a umas automotoras sem corpo e alma. Uma coisas de latão, aqui e ali borradas de amarelo, importadas das linhas suburbanas e que se pretendem fazer passar pelo Comboio Intercidades. Daria vontade de rir, pelo ridículo da coisa, se não se desse o caso de as mesmas CP ou Refer terem gasto milhões, dizem elas, na modernização da Linha. E é agora, aqueles milhões todos depois e electrificada a Linha, que se acaba com a circulação de comboios e se substituem por aqueles travestis que por mera coincidência circulam sobre carris? Além de estarem a gozar connosco e a malbaratar o dinheiro dos nossos impostos, estão a prestar um péssimo serviço ao interior, ainda para mais, pasme-se, mantendo os preços que eram cobrados quando se viajava de comboio: com conforto, com serviço de bar e restaurante, substituídos agora por umas manhosas máquinas de vending, enfim, quando os passageiros eram tratados como cidadãos. Parem para pensar. Porque é que acham que estão a perder passageiros? E julgam que é assim que combatem a concorrência rodoviária, baixando a qualidade do serviço? E já agora. Os indignados das scut, que passam a ser cobradas mas mantém a qualidade do serviço, acham normal os tratos de polé reservados à Linha da Beira Baixa? É que, penso, estamos a falar do mesmo: o abandono do interior pelos poderes públicos.

Se no nosso imaginário o comboio foi sempre uma referência, o cinema contribui em grande forma para o consolidar. Mas já viram o que seria a tradução de "Ostre Sledované Vlaky", do checo Jiri Menzel, Oscar para melhor filme estrangeiro de 1968, se em vez de "Comboios Rigorosamente Vigiados", se chamasse automotoras rigorosamente vigiadas? E, se "O Homem que Via Passar os Comboios" (1952), de Harold French, com Claude Rains, numa excelente adaptação do romance de George Simenon, se chamasse o homem que via passar as automotoras? E, a propósito de "North by Northwest" (Intriga Internacional, 1959), citado por Bénard da Costa, Cary Crant e Eva Marie-Saint, e "a queda de um beliche para o outro do comboio, que depois veremos enfiar por um túnel, 'símbolo fálico, mas não o digam a ninguém' (Hitchcok o disse)", alguém no seu perfeito juízo acha que o grande mestre iria utilizar tal simbolismo com uma automotora suburbana? Enfim podíamos estar nisto todo o texto e não chegavam estas colunas, porque filmes com e sobre comboios há-os há saciedade no cinema, sobre automotoras nem um! Se dependesse da contribuição ferroviária nacional a história do cinema estaria seguramente mais pobre.

Ainda de Hitchcock há mais uma adaptação, desta feita de "Strangers on a Train" (O Desconhecido do Norte Expresso, 1951), de Patricia Highsmith, e a inesperada proposta de troca de crimes, sem esquecer "Um Crime no Expresso do Oriente" da grande Agatha Christie, adaptado ao cinema em 1974 por Sidney Lumet numa extensa parada de estrelas perfiladas para ouvirem a solução do crime saída das células cinzentas de Hercule Poirot. E "The General" (Pamplinas Maquinista, 1926), de Buster Keaton e Clyden Bruckman? The General é uma locomotiva, nunca uma automotora porque, ainda bem, ainda não as havia. Que seria de filmes míticos como "O Comboio Apitou Três Vezes" ou " O Comboio das 3 e 10", este com duas versões, ou "Comboio em Fuga", ou mesmo "O Último Comboio do Katanga", sem comboios? Mais filmes podíamos trazer à colação mas acho que não vale a pena. Já todos percebemos.

Mas, já agora, e por falar em comboios, não fechem esta estação que é o Interior!

Até à próxima e bons filmes!

Luís Dinis Rosa
 
 
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