Quatro Rodas
Tirar a Carta
Propus-me hoje escrever sobre, o ensino da condução.
Como não conheço muito sobre o assunto corro, no entanto, o risco
que deixar aqui uma crónica cheia de banalidades.
Como o processo para tirar a carta
já não é certamente o que era, vou antes contar como a coisa
funcionava há muitos anos atrás.
Cresci mesmo ao lado de uma escola
de condução e como desde sempre tive o bichinho do automóvel,
esperava com ansiedade o momento em que poderia começar a ter as
minhas aulas para ter o tal documento cor-de-rosa, que me
habilitava a "cravar" o carro ao meu pai, numa verdadeira
manifestação de liberdade e presunção.
Lá comecei com as minhas aulas
teóricas para, como se dizia na altura, fazer o código. A escola
tinha uma sala de aula onde eram distribuídos questionários
semelhantes aos dos exames. Nas aulas cada aluno preenchia um
questionário ao qual tentava responder com o maior número de
respostas certas, depois a segunda parte da aula era preenchida com
a correção dos testes. Lembro-me que as perguntas eram divididas em
código e sinais, e não podíamos falhar mais que duas no código e
uma nos sinais. Bem ou mal era a forma de nos preparamos para
passar no exame, que era levado a cabo no salão dos bombeiros.
Aqui, no exame, a sala tinha mais de 100 pessoas, que ficavam
nervosamente sentadas, após o final do teste, aguardando o
resultado. Primeiro, os "engenheiros" começavam por chamar os que
tinham falhado mais do que o permitido e envergonhadamente estas
pessoas iam saindo da sala sabendo que teriam de voltar a tentar.
Felizmente passei à primeira! Claro que fiquei muito contente
porque finalmente ia passar à fase que me interessava, ou seja,
conduzir um carro legalmente pela rua, ainda que com o instrutor ao
lado. Era, no entanto, um grande passo para a emancipação. Os
carros da instrução, eram Datsun 1600, mas com motores diesel dos
Austin Cambridge. Tinham dois volantes ligados por uma corrente de
bicicleta, os pedais estavam replicados no lugar do instrutor e em
vez do conhecido "L", tinha uma chapa junto à matrícula a dizer
INSTRUÇÃO. Lá fui aperfeiçoando os pontos de embraiagem, os
estacionamentos, as inversões de marcha etc, etc.
Algumas aulas depois, chegava o
grande momento. De novo nos bombeiros, mas agora no estacionamento,
partíamos para um percurso onde tínhamos que mostrar de novo ao
"engenheiro" que estávamos aptos para conduzir sozinhos e palmilhar
estradas.
A coisa correu-me bem. De
complicado apenas tive de decidir se ultrapassava ou não uma
carroça, numa rua movimentada. Enchi-me de coragem, e com as
devidas precauções, lá ultrapassei o veículo. Como o "engenheiro"
não reagiu, fiquei cheio de confiança para o resto do percurso.
Foi um dia em cheio. Assinada a
guia, fui logo comprar o famoso "ovo estrelado" para colocar na
traseira do carro do meu pai. Para quem não sabe, tratava-se de um
autocolante redondo, de cor amarela com o número 90 inscrito a
preto, que era de uso obrigatório para o primeiro ano de
encartado.
Depois de todo este processo,
comecei a conduzir regularmente, mas…faltava-me qualquer coisa. Não
estava confortável na condução em situações limites, como estrada
molhada, nevoeiros, avarias repentinas de órgãos de segurança etc.
Resolvi o "problema" com uns amigos praticando estas situações num
percurso privado, com aconselhamento sénior, ficando bastante mais
preparado.
Não sei bem como se processa o
ensino nos dias de hoje, mas tenho acompanhado as declarações do
presidente do ACP (que tem escolas de referência), o qual deixa
passar críticas a um processo, que se está a tornar excessivamente
comercial. Sei também de escolas que podem complementar o ensino
normal com treino para reagir em situações limite. É certamente um
investimento, pode custar um pouco mais, mas se for encarado como
isso mesmo, um investimento, vai valer a pena.
Por obrigação legal relacionada com
a minha idade, tive recentemente que "renovar" o documento que me
habilita a conduzir. A ocasião proporcionou-me uma reflexão onde
revi os meus mais de 30 anos de carta e certamente mais de 1 milhão
de quilómetros percorridos, sem acidentes e conclui que fiz um bom
investimento.