Em Portugal
Sistema dual no ensino básico?
Não sabemos se é verdade ou não. Estas
coisas começam com um boato, por uma notícia avulsa e acabam num
decreto-lei e depois… bom… "agora é tarde" e temos que esperar que
a medida seja posta em prática, depois pela avaliação da sua
aplicação (que quase nunca existe) e (quem sabe…) pela sua
discussão (idem idem, aspas, aspas…)
A notícia é a que vem publicada no
Diário de Notícias de 3 de Novembro de 2012 dizendo que segundo
fonte oficial "Portugal aposta no sistema dual de aprendizagem, à
semelhança daquele que vigora na Alemanha (A Alemanha tem 4 vias
neste sistema dual: Hauptschule, Realschule, Gymnasium e
Comprehensive). É uma questão tida como "muito importante" e que
será abordada também durante a visita oficial que a chanceler alemã
Angela Merkel realiza, a 12 de Novembro". Em duas palavras o
"sistema dual de aprendizagem" consiste na obrigatoriedade das
crianças optarem por uma de entre possíveis carreiras intermédias,
numa fase muito precoce (começa no final do primeiro ciclo - 12
anos), e que raramente lhes permite sair e ingressar noutro sistema
quando mudam de ideias.
Esta situação já começou a ser
ensaiada em Portugal no 9º ano de
escolaridade com projetos - piloto de ensino vocacional e, a
acreditar no tal boato, mesmo sem se saber se a experiência
funcionou - um karma bem nacional - tratar-se-ia agora de instituir
esta medida falsamente testada em situações concretas.
Portugal tem mantido um sistema
unificado de ensino básico até ao nono ano de escolaridade. Esta
"via comum" é, sem dúvida" uma prova do equilíbrio e do bom senso
de um sistema educativo. Acabar com esta via comum é uma insensatez
por três motivos:
1. Antes de mais porque, ao
contrário do que apregoa a propaganda sobre o assunto, a mobilidade
entre os sistemas é reduzidíssima. Dizer que um aluno depois de ser
colocado numa via, poderá migrar para outra, é conversa para
"alemão ver". No "Handbook of Research of Teaching" (1999) ao se
estudar o "trecking" nos Estados Unidos conclui-se que só 3% (três
por cento) dos alunos usufruem realmente da oportunidade de migrar
para outras vias de escolarização.
2. Traçar o futuro escolar (e
certamente o profissional e social) de alunos com 12 anos é uma
imprudência no ponto de vista social, psicológico e educacional. É
como se alguém (quem?) tivesse acesso a instrumentos fiáveis que
pudessem ser preditivos e quase infalíveis sobre percurso futuro do
aluno. Ora, sabemos hoje ( e cada vez o desenvolvimento pessoal é
mais demorado nas nossas sociedade progressivamente mais exigentes)
que o comportamento e a aprendizagem de uma criança de 12 anos não
é uma amostra fiável do que ela será no futuro. Traçar-lhe o futuro
escolar (e consequentemente profissional e social) aos 12 anos é
uma flagrante injustiça social. E quem não souber isto, que estude.
(E pergunto aos leitores: que seria de cada um de nós se nos
tivessem traçado o percurso escolar aos 12 anos?)
3. O mito dos sistemas duais é que
a separação dos alunos é feita em benefício da homogeneidade e do
aproveitamento de todos. Trata-se de mais uma falácia fácil de
contrapor. Por um lado a homogeneidade é uma ideologia propagada
por quem nunca deu aulas - ou delas já se esqueceu. Quem conhece o
ensino e a aprendizagem sabe que não existem turmas nem de perto
nem de longe homogéneas e esta ausência é certamente uma das
riquezas da pedagogia ao lidar com seres diferentes e singulares.
Quanto ao aproveitamento o conhecimento sobre aprendizagem confirma
que a estratégia mais eficaz de consolidação da aprendizagem
consiste em "ensinar os outros". O aproveitamento não é
incompatível com a heterogeneidade dos grupos de aprendizagem como
se pensava na velha e ultrapassada pedagogia.
(Muitas) mais razões haveria para
discutir sobre esta notícia… O certo é que o facto da Alemanha usar
este sistema lhe dá uma aura de credibilidade e um inevitável
desejo de fazer "copy paste": ("Será que com um sistema dual de
educação atingiremos o desenvolvimento económico da Alemanha?")
A quem estuda estas matérias
deveria e a quem pensa que o assunto da educação se resolve pela
separação, pelas vias paralelas e duais, recomendaria mais estudo
aprofundado sobre relatórios internacionais da OCDE, da UNESCO e do
Banco Mundial. Nestes relatórios fica claro que os sistemas duais
põem fortemente em causa a equidade educativa e contribuem para
edificar uma escola que, longe de ser uma superação das
dificuldades dos alunos, legitima estas dificuldades e se torna num
instrumento de desigualdade e de injustiça social.
David Rodrigues
Professor Universitário/Presidente da Associação Nacional de Docentes de Educação Especial