Entrevista

Luís de Matos, mágico
«A magia não acontece em “playback”»

LuisDeMatos3.jpgSão 25 anos de truques, ilusões e passes de mágica. É este o mundo maravilhoso de Luís de Matos, o artista aclamado nacional e internacionalmente. Silêncio, que se vai fazer magia…

Recebeu no dia 19 de outubro, em Inglaterra, o "The Devant Award", um dos mais prestigiados do mundo da magia. É o mais novo de sempre a receber o galardão, sendo o primeiro que se intromete na hegemonia dos mágicos do Reino Unido e dos Estados Unidos. Foi esta a cereja no topo do bolo nos 25 anos da sua carreira?

Certamente! Foi um ano onde para além do êxito do nosso espetáculo "Chaos", verdadeira medida do êxito, recebi 4 prémios: o "Special Fellowship", nos Estados Unidos da América, em Los Angeles, atribuído pela Hollywood Academy of Magical Arts. O "The Golden Grolla", em Itália, atribuído desde 1953, pela Cidade de Saint-Vincent, a grandes vultos da cultura europeia. A "Medalha de Mérito da Cidade de Coimbra", Grau Ouro, outorgada pela autarquia. E, finalmente, no Reino Unido, o "The Devant Award", atribuído pelo The Magic Circle. Soube muito bem, mas os prémios sempre se referem ao que fizemos no passado... Gosto sempre de olhar para o futuro. Só vale a pena viver se, em tudo quanto fazemos, tentarmos constantemente fazer a diferença. Mesmo que não o consigamos é isso que verdadeiramente nos pode mover e tentar contribuir para a sociedade a que pertencemos.

O seu espectáculo, "Chaos", estreado em dezembro de 2011, continua em digressão em Portugal e Espanha. À beira de cumprir dois anos, a longevidade deste show significa que é o melhor espetáculo da sua carreira?

Já era o nosso melhor trabalho quando estreou. Cada nova criação reflete sempre tudo o que até aí aprendemos. Há, por isso mesmo, fortes possibilidades que o trabalho seguinte seja sempre melhor que o anterior. O espectáculo "Chaos", que vem esgotando salas mesmo numa fase tão negra da vida do pais como aquela que estamos a viver, é o somatório de tudo quanto sou e aprendi a fazer ao longo da minha carreira. Não tenho qualquer relutância em desafiar quem ainda não viu que o faça. Acredito que não se arrependa...

"Chaos" fala do efeito borboleta, das decisões que tomamos todos os dias e de até que ponto é ou não possível controlar o acaso. Entende que o espetáculo é concetualmente arrepiante do ponto de vista da atualidade e da oportunidade?

Não parece muito inteligente da minha parte criar um espetáculo que gira em torno do caos numa fase como aquela que Portugal atravessa. Mas há algo de extraordinariamente positivo na teoria do caos... Recorda-nos que todos podemos influenciar aquilo que nos rodeia. Não aceito os determinismos. A capacidade de mudar o que está à nossa volta é algo que devemos exercitar constantemente, na procura de dias mais felizes. Entre ilusões e inexplicabilidades, acho que o "Chaos" faz pensar...

Em que idade lhe nasceu o «bichinho» pela magia e que motivações estiveram na sua origem?

Quando tinha 9/10 anos de idade, integrei um grupo de Teatro e Variedades, em Chão de Couce, chamado "Amanhecer". Aí fazia teatro e tocava viola. Um outro membro do grupo fazia ilusionismo. Chamava-se Serafim Afonso e com ele aprendi vários truques. Por seu intermédio conheci outros mágicos e comecei a assistir a festivais de magia. Quando fui estudar para Coimbra conheci um outro ilusionista, que já não está entre nós, chamado José Carlos Gomes, "Hortiny" de nome artístico, que me ajudou a continuar a obter conhecimentos. A partir daí foi uma bola de neve que, ainda hoje, continua a aumentar e a tomar conta da minha vida.

Os conhecimentos relativos à magia desenvolvem-se mais pelo treino ou ter talento é meio caminho andado para ter sucesso?

Como em qualquer arte, é uma mistura de paixão e trabalho. Ter um bocadinho de talento, ou "queda para a coisa", ajuda. Acredito que tudo na vida é resultante de paixão, estudo e perseverança. Quando amamos o que fazemos acabamos por ser ávidos por conhecimento e experimentação, jamais contabilizando os esforços necessários para chegar mais longe. Acho que esse é o segredo.

LuisDeMatos1.jpgQual é o seu ritmo de criação de novos truques?

É muito irregular e inesperado. Por vezes é ativado pelas circunstâncias, outras são inocentes ecos de uma qualquer inspiração que nos tolhe sem aviso prévio. É uma das coisas que mais me fascina. Procuro ser uma esponja de tudo quanto me rodeia. Todos os estímulos podem culminar numa nova história, numa nova ilusão.

Nos truques que envolvem, aparentemente, algum risco para o mágico e para os seus assistentes, ainda continua a dizer «não tentem fazer isto lá em casa»?

Claro que sim! Isso acontece no "Chaos", num dos quadros mais impactantes do espetáculo.

Nos seus espectáculos tenta interagir e envolver sempre que possível o público nos seus truques? Quer partilhar algum momento mais inusitado que tenha acontecido na interação com a plateia?

É sempre uma fonte de surpresa e frescura. Sabemos como começa a história, mas nunca podemos prever como irá acabar. A magia não acontece em "playback"...

Procuro mesmo desafiar o acaso na forma como escolho quem comigo participa. A maneira como os primeiros três espetadores são escolhidos para vir ao palco no espetáculo "Chaos" é visível e obviamente aleatória precisamente para que todos sintam que podiam ter sido eles.

Porque é que prefere ser tratado por mágico e não por ilusionista?

As duas palavras referem-se, num contexto artístico, à mesma realidade. Contudo, prefiro a palavra mágico. Para mim o processo através do qual interajo com o público define-se em três estádios: truque, ilusão e magia. Eu recorro a "truques" para criar "ilusões", mas apenas cada espetador tem o inalienável poder de converter cada uma das minhas ilusões em momentos verdadeiramente mágicos, e permitir que estimulemos a sua capacidade de sonhar e desafiemos a sua imaginação. O meu desejo é o de criar momentos "mágicos" e, por isso mesmo, prefiro tentar ser... mágico.

Por falar em ilusionistas, concorda com os que chamam ilusionistas aos políticos que falam e não cumprem as promessas que fazem?

Não me parece que sejam dignos desse nome! Nós cumprimos! Dizemos que algo vai levitar e levita, que adivinharemos a carta pensada e adivinhamos... Somos honestos na desonestidade, mas entregamos o que prometemos. Não acreditamos que temos o poder que demonstramos, mas eles acreditam no poder que não sabem sequer merecer ou utilizar. Existem exceções, naturalmente. É pena, contudo, que sejam exceções.

O país precisa de um passe de magia para sair da crise?

Não vai lá com passe de mágica, é preciso muito mais. Seria necessário renovar toda a classe política. Seria necessário que todos fossemos mais tolerantes, honestos e trabalhadores. Seria preciso que não se tivesse institucionalizado uma enorme separação entre o poder político e a realidade do país. Seria necessário que quem manda não fosse impune e que deixasse de lado a agenda pessoal ou, sequer, do partido. Vivemos numa ditadura de interesses partidários que constantemente se sobrepõem ao interesse nacional. Mas eu ainda sou daqueles que acredita sempre num amanhã melhor.

Poucos saberão, mas possui um bacharelato em Produção Agrícola tendo estudado na Escola Superior Agrária de Coimbra, onde foi docente até abraçar a tempo inteiro o universo da magia. Como vê,  distanciado, o difícil momento que estão a atravessar os professores, em pleno turbilhão do sistema de ensino?

O que está a acontecer ao ensino e à saúde é algo de absolutamente inaceitável. Não estou tão preocupado com os professores. Estou sim preocupado com os alunos. Estamos a assistir a uma atroz destruição das duas realidades de que mais podíamos orgulhar-nos: o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e o nosso sistema de ensino. Estamos a vender ao desbarato e a destruir de antemão o futuro daqueles que um dia virão a decidir e a viver os desígnios da nossa sociedade. Parece-me vergonhoso o que está a acontecer. Recebemos dos nossos antecessores algo que jamais poderemos entregar à próxima geração. É muito triste.

Como vê o fenómeno da emigração de portugueses, nomeadamente jovens, para o estrangeiro?

Com preocupação, muita preocupação. Para mim o problema divide-se por dois tipos de emigração: os que não se sujeitariam a fazer cá aquilo que acabam por fazer lá, e os outros, eventualmente mais qualificados e empreendedores, cuja falta pagaremos muito severamente num futuro próximo. Acho positivo que todos os cidadãos se capacitem de que vivemos numa aldeia global e que devemos olhar para o mundo como antigamente olhávamos para a nossa aldeia. O problema é que os que agora partem poderiam ser muito úteis ao país. Por vezes uma mesma frase ou ideia ganha pesos absolutamente diferentes em função de quem a diz. Que um cidadão comum encoraje os jovens a procurarem melhores horizontes é uma coisa perfeitamente aceitável. Contudo, um  governante não pode, jamais, dizer que "quem está mal, mude-se" quando foi eleito e é pago a peso de ouro para criar condições para que a família que é um país possa permanecer junta na prosperidade.

Nuno Dias da Silva
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