Opinião

Geração Ponto Com
FotoLSouta2015peq.jpgO Prof.S. pega num jornal amarelecido pelo tempo (Público, 08/02/00) e lê: «Geração-Net nas escolas até 2002». Saudável propósito, este da Comissão Europeia, o de criar «netizens… um cidadão em cada teclado». E relembrou-se do que pretendiam os então dirigentes da UE: habilitar os futurekids com a literacia TIC pois era condição sine qua non para se formar gente capaz de ganhar a 'guerra' da «economia do conhecimento» na «sociedade da informação». Os EUA eram percepcionados, simultaneamente, como padrão de comparação e 'inimigo' a vencer, numa luta económica concorrencial. A Europa (das assimetrias) reconhecia o atraso referente às TIC e ao acesso à Internet: o uso da net era ainda classista (concentrado nos grupos sociais de maiores rendimentos), sexista (homens como os principais consumidores) e regionalista (melhor taxa de utilização no Norte da Europa). Conscientes deste défice, as autoridades da UE recorreram, como é hábito, à escola. Ou não fosse esta a melhor instituição, das sociedades democráticas, para massificar depressa e bem; neste caso, era preciso dar competência informática aos menores de 25 anos que frequentavam as escolas dos Estados-membros da UE: um verdadeiro batalhão de cibercidadãos, a tal 'geração-net' (também apelidada de 'geração ponto com', 'web generation' ou 'geração-joystick', mais dada às play stations e aos vídeo games). Entre nós, o grande obstáculo, para tão ambiciosa cruzada informática, não parecia residir na ausência de política (Comissão Europeia dixit), na falta de dinheiro (os fundos comunitários eram um 'saco azul' sem fundo), no parco equipamento (os mecenas tinham percebido que a 'oferta' de computadores era um investimento de retorno rápido), ou na inadequação das instalações escolares (os velhos pré-fabricados foram dando lugar às escolas equipadas, pela Parque Escolar, com sofisticado aparato tecnológico). O grande obstáculo, como também vem sendo usual, estava nos recursos humanos, os professores. Porém, a comissária europeia prafrentex (e que já ninguém hoje recorda o nome) indicava o caminho a seguir: «treinar os professores» de forma a torná-los «competentes na matéria, de forma verificável». Seguiu-se um 'teclar' intenso, um navegar nas tão propaladas auto-estradas da (in)formação. Os professores desmultiplicaram-se por n acções, workshops, cursos de formação contínua sobre «as TIC no 1º ciclo» (era prioritário dar o devido uso pedagógico ao socrático Magalhães).
Volvidos estes anos, o Prof.S. reconhece as mudanças que se operaram na relação dos seus estudantes com os dispositivos informáticos. Os cibernautas mais jovens (ou menos críticos), nas alucinantes viagens, deixaram-se ofuscar pela melopeia do «admirável mundo novo» e ficaram à mercê dos efeitos perversos dessa onda tecnológico-comunicativa. Apenas dois exemplos concretos, passando ao lado das contas telefónicas (o acesso é 'grátis' à world wide web mas as nossas facturas mensais não param de aumentar), da alienação informática (de que tanto se queixam pais e esposas abandonados por filhos e maridos 'viciados' no online), da uniformização cultural, ou dos temidos hackers e seus ciber-crimes.
1. Os modernos computadores portáteis ultra equipados e construídos na lógica da 'autonomia do utilizador', tem tornado, gradualmente, os professores em pau-para-toda-a-obra. Trabalham mais e ocupam-se com tarefas dignas dos 'mangas-de-alpaca'. Deste modo, o chamado 'pessoal menor' vai passando à categoria de 'excedentes' e os 'quadros técnicos qualificados', vão andando aos papéis (hoje mais virtuais que reais), dando conta da dactilografia (agora reciclada em processamento de texto), do expediente e correspondência (o vulgo e-mail) e de tantas outras miudezas burocráticas e técnicas (como desencravar a impressora) enquanto continuam a sonhar com o almejado «teletrabalho».
2. O «Portugal sentado» frente ao computador escreve mais, sem dúvida, mas pior, muito pior. Constate-se a ortografia ou a sintaxe da generalidade dos e-mails. A pressa no envio da mensagem (no fundo o que se deseja é a chegada rápida da resposta), arrasta-os para uma escrita apressada, onde se omite a acentuação, se aligeira a ortografia, cada vez mais sintética e cifrada. Depois de escrito, não se procede à correcção (cuidado de que não se prescindia na carta convencional enviada por snail-mail) pois a preocupação é carregar no send; ele aí vai, à velocidade da luz, mas cheio de erros. Estamos confrontados com a emergência de uma nova pragmática da língua escrita? Ou o fim da língua portuguesa tal como a herdámos dos nossos clássicos?


 
 
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