Bocas do Galinheiro
Simenon, pela mão de Paulo Branco
A personagem do comissário Maigret,
criação de George Simenon, é um dos casos emblemáticos da criação
que obnubila o seu criador. Por mais esforços que fizesse, e foram
muitos, nunca o escritor belga consegui escapar àquela referência
única da literatura policial. Como disse o nosso "inspector"
Varatojo, o fascínio de Maigret residia no facto de ser um
detective igual a nós, pois até se constipava! Mas, também há aqui
alguma dose de injustiça para com Simenon: dos seus 400 livros,
apenas pouco mais de uma dezena têm como protagonista o celebérrimo
polícia.
Simenon começou cedo na prática da
escrita. Aluno brilhante, aos 16 anos já era repórter e tinha na
imprensa a sua própria coluna e os seus escritos apontavam para um
estilo sensacionalista. Aos 25 era já um autor popular. Em 1929 dá
a conhecer aos seus leitores o "nosso" Comissário Maigret, através
do romance "La Nuit du Carrefour" (A Noite da Encruzilhada),
assinado por Christian Brulls, um dos 21 pseudónimos que utilizou.
Segui-se a publicação de "Pietr, o letão", já como George Simenon.
Maigret continuou a caça aos culpados durante 103 aventuras, entre
novelas e contos, culminando com "La téte d'un homme". Maigret não
é um herói. É um simples funcionário que gosta de comer, beber e
fumar cachimbo. As suas armas são o "olfacto" e a paciência: pode
perder horas, dias, atrás de um suspeito até ao dia em que no Quai
des Orfébres confessa. Sempre. Não censura, apenas tenta
compreender.
Por estas e por outras não estranha
que a obra deste autor sustente uma longa filmografia de cerca de
centena e meia de títulos, além de séries para televisão.
È com alguma naturalidade, se bem
que tardia, que vai aparecer um novo Simenon. O francês Mathieu
Amalric vai levar ao grande ecrã Le Chambre Bleue, uma adaptação da
novela policial escrita por Georges Simenon e publicada em 1963. A
obra, que será produzida por Paulo Branco, é descrita como
"simples, rápida e dentro do espirito de um verdadeiro filme série
B". Nela seguimos um homem que é confrontado sobre um crime. É
através de flashbacks que ficamos a saber da relação desse homem,
Tony Falcone, com Andree Despierres, uma mulher casada.Com Amalric
no principal papel, a fita deve estar a aparecer por aí, antes de
"O Vermelho e o Negro", sobre a obra homónima de Stendhal, que o
actor e realizador pretende adaptar e realizar.
Em 1932 Simenon interveio na
elaboração dos primeiros filmes baseados em obras suas. "Le Chien
Jaune", de Jean Tarride e "La Nuit du Carrefour", dirigido por Jean
Renoir, que lhe dá um toque realista. Obra muito elogiada por
Godard e Claude Chabrol, em que Maigret é interpretado por Pierre
Renoir, irmão do realizador. Atores de várias nacionalidades
reflectiram na tela o modo de investigação do encorpado comissário.
De Abel Tarride, Harry Baur (O Preço de Uma Vida, de Duvivier),
Albert Prifeau, visto em três filmes, Jean Gabin, esse mito do
cinema francês, e que melhor define o tipo do investigador,
categórico, mas muito humano, Michael Simon, Boris Tenin, numa
produção da ex-URSS, a Charles Laughton, esse "monstro" da
representação que fez um notável Maigret no único filme dirigido
pelo actor Burgess Meredith, de 1948, "O Homem da Torre
Eiffel".
Embora o Comissário Maigret seja a
figura mais conhecida do grande público e a mais vista no écran,
outras novelas que fazem parte dos escritos de Simenon , - de
grande qualidade, diga-se, cujo clima de tensão e angústia,
dando-nos retratos humanos profundos, sempre num ambiente
aparentemente calmo - mereceram igualmente os favores do cinema,
como "Les inconnus dans la maison", que teve três versões: "A sua
maior causa", de Henri Decoiu, "L' étrnger dans la maison", de
Pierre Rouve, com James Mason e a 3ª
versão, de Georges Lautner, com Jean Paul
Belmondo.
Da adaptação da novela "O homem que
via passar os comboios" resultou uma aceitável película dirigida em
1952 pelo inglês Harold French, cujo papel principal é interpretado
por Claude Rains.
Merecem ainda uma referência as
películas vindas de Hollywood como "Irmãos e assassinos"(1957), de
Phil Carlson, dentro do chamado "filme negro", "O fundo da
garrafa"(1956), de Henry Hathaway, uma obra não muito querida ao
seu realizador, mas bastante elogiada pelo exigente crítico francês
André Basin e "Entre a vida e a morte"(1954), de Harry Honner, num
confronto entre Richard Montalban e Lee Marvin, no papel de um
inquietante assassino.
Marcel Carné realiza em 1949 "Maria
do porto", com Jean Gabin (que, com dez títulos, é sem dúvida o
ator que mais vezes interpretou Simenon) ao lado da jovem Nicole
Courcel.
No ano de 1947 um tentáculo de
George Simenon penetra na Península Ibérica na produção
luso-espanhola de "Viela, rua sem Sol", sob a direção de Ladislau
Vadja, com Milú, Barreto Poeira, Augusto Fraga, Maria Olguin e
Oliveira Martins.
Um autor de que fica uma obra
riquíssima para conhecer, se ainda há alguém que não tenha lido as
aventuras do comissário, muito mais comedido que o seu excessivo
"pai", compulsivo escritor, fumador e frequentador de belas
mulheres. Afinal, dos fracos não reza a História.
Luís Dinis da Rosa e Joaquim Cabeças