Pedagogia (a)Crítica no Superior
ERASMUS in: a curtição do sol
«Pobre português! Quer queira, quer não,
está sempre de cócoras diante de qualquer estrangeiro.»
(Miguel Torga, Diário, vol. XII, 2ª
edição, 1977)
Nesse semestre, o Prof.S. teve mais
estudantes Erasmus que os habituais 1-2 por turma. Vindos de
diversos países da Europa, em especial de Espanha (a maioria do
país basco) e, agora também, do Brasil. Estavam todos pela primeira
vez em Portugal. A escola acolhia sempre mais estudantes no
2º semestre. Era o sol a razão primeira
da escolha dos europeus. Queriam lá eles(as) saber da qualidade:
nem se deram ao trabalho de consultar o ranking de Xangai (onde só
as universidades do Minho, Lisboa, Coimbra e Porto integravam a
lista das 500 melhores). A opção por aquela escola tinha a ver,
sobretudo, com a sua localização: junto ao mar, belas praias, logo,
altas expectativas de trabalho… "para o bronze". Alguns deram-se a
conhecer ao fim do primeiro mês, aproveitando, até ao limite, as 4
semanas que lhes eram "facultadas" para concretizarem o Learning
Agreement, tratarem da logística académica (havia sempre umas UCs
em horário sobreposto e lá tinha que se procurar outra em
alternativa) e, naturalmente, participarem nas actividades de
"recepção e integração". Como país hospedeiro, continuamos a fazer
tudo para acolher bem. Queremos mesmo que gostem de nós!
Ao contrário da cultura americana,
em que a emancipação da família se adquire com a entrada na
universidade, os europeus ganham-na com a ida para Erasmus. Vivem
então a experiência da liberdade completa, fora da tutela dos pais
(excepto no suplicado reforço da mesada visto que «isto por aqui é
tudo muito caro»), durante um período relativamente longo (antes só
houvera a escapadela curta na desbragada viagem de finalistas) e,
se possível, não ficando sequer na residência de estudantes. Nas
raparigas essa autonomia era bem mais visível nos ensaios de
experimentalismo estético: as roupas, garridas, iam do ligeiro ao
ultra-leve, numa semana apareciam com um corte arrojado de cabelo,
semanas depois mudavam-lhe a cor (louro palha, vermelho fogo, azul
turquesa,… um autêntico arco-íris).
- Desculpe, não se enganou na sala?
- indagava o Prof.S., não reconhecendo, no seu novo visual, a basca
Nerea (e ele que até tinha uma memória visual invejável).
A turma ganhava outro colorido com
aqueles estrangeiros. Lá para Abril-Maio, apareciam com a
denunciadora "cor de lagosta". Eram, de facto, os primeiros a ir à
praia… Por sua vez, o empenho nos trabalhos era bem mais moderado;
aí, andavam em sentido contrário… pediam mais uns dias para lá do
deadline; por regra, era-lhes concedido; para eles, o laxismo
académico era (ainda) mais notório.
O Prof.S, grande adepto destes
programas de mobilidade, estava consciente que as vantagens do
Erasmus advinham mais da componente informal (lúdica, turística e
comunitária) que da estritamente académica. Nesse período, cada um
deles crescia mais como pessoa e ser social do que como estudante
de comunicação social, de educação, de trabalho social,…
Do grupo do Prof.S, dois
desconheciam por completo a nossa língua: um belga e uma austríaca.
E não era suposto as aulas serem dadas em inglês (apesar da
crescente pressão para a escola oferecer aos seus "clientes" o
"serviço" no "latim" do novo "império", o anglo-saxónico). Os
efeitos colaterais dessa tão desejada integração europeia, em sala
de aula, eram óbvios: esses dois estudantes "desligavam"
rapidamente pois não conseguiam agarrar o elo comunicacional
mínimo. Consequência: no intervalo, da aula de 3 horas, lá vinha o
pedido de autorização para irem falar com a coordenadora Erasmus
pois tinham um problema para resolver… blah blah blah (em inglês,
claro).
E o Prof.S. que, logo nas primeiras
aulas, lhes recomendara o filme Albergue Espanhol de Cédric
Klapisch (França-Espanha, 2002), centrado numa experiência Erasmus
na cidade de Barcelona, e o artigo "Communication interculturelle:
exemples de rhétorique et de pragmatique culturelles" (Educação,
Sociedade e Culturas, nº 35, 2012, pp. 147-169), em que Claire
Chaplier analisava aquela comédia como um exemplo paradigmático das
interferências culturais na interacção comunicativa! Mas ali, na
aula de Antropologia Cultural, não se tratava de nuances culturais
mas da não existência da comunicação básica.
Para um dos trabalhos orais de
avaliação, propôs ao estudante belga que falasse do seu país,
segundo uma perspectiva multicultural (a diversidade linguística e
a ameaça da emergência nacionalista). No dia aprazado, Robbe, de
seu nome, fez a apresentação, com um cuidado powerpoint, e num
fluente discurso… em flamengo.