“Pedagogia (a)crítica no Superior” (V)
Recepção aos novos estudantes
«No fim de contas, isto não passa
de uma fábrica de diplomas!
E, para eles, terem um diploma é
mais importante do que ficarem a saber.»
(Crónicas Docentes, Maria Carlos
Radich, 1983:73)
O Prof.S., durante três anos,
acolheu os novos estudantes na cerimónia da rentrée académica. Tal
como nas aulas, preocupou-se em evitar a rotina, não se repetindo.
Mas ao terceiro ano de recepção aos 'caloiros' a tarefa
complicava-se: já não havia muita imaginação para expor assuntos
recorrentes e animar aquela juventude para um modelo de
licenciatura curta que Bolonha impôs e cujos frutos não conseguia
vislumbrar. O seu cepticismo, sobre uma formação de base reduzida a
um triénio, continuava em crescendo; a jornada era curta para os
lançar, devidamente preparados, no mundo do trabalho… que a dita
'crise' ia empurrando para as calendas.
À falta de documento escrito ou
multimédia, tentaremos reconstruir de memória um desses discursos
do Prof.S; pelos eventuais lapsos e omissões nos penitenciamos,
desde já, junto do ex-presidente do CD esperando que o seu
propalado (mas algo exagerado) 'mau feitio' não nos leve à barra do
tribunal (onde nas «sociedades de direito» todos as querelas acabam
por ir bater).
É com enorme satisfação que vos dou
as boas-vindas à Escola xpto. A entrada no Superior constitui um
marco significativo no vosso percurso académico e pessoal. Este é o
momento por que tanto ansiaram. E por isso, é um dia muito
importante nas vossas vidas. Para nós docentes é mais um arranque
de um ano lectivo, para o qual nos preparámos, como sempre, com
renovado entusiasmo. Para vocês, é o primeiro dia no ensino
superior. Não na universidade, como muitos dos vossos colegas
teimam em apelidá-la; tal como os vossos pais, quando informam
orgulhosos, vizinhos e amigos, que o filho(a) «entrou na
Universidade!»; ou até aqueles, que morando nas imediações da
Escola, persistem em afixar anúncios de «óptimo quarto, com wi-fi,
muito perto da Universidade». Clarifiquemos: esta não é uma
Faculdade, é uma Escola que faz parte do ensino superior
politécnico público. Nos próximos anos, será o vosso local de
trabalho. Nele passarão parte significativa do vosso tempo,
estudando, pesquisando, criando… crescendo. Aqui encontrarão, assim
o julgamos, conhecimentos e competências necessários à profissão
por que optaram (aos colocados em cursos de segunda escolha,
esperemos que o ensino aqui ministrado vos convença a ficar,
prescindindo de uma hipotética mudança de curso). Mas este é também
um local onde podem, e devem, exercer uma cidadania activa,
participando, designadamente, na AE e no CP, na construção de uma
comunidade viva com diversificada vida cultural. A escola deveria
ser um 'oásis': aqui deveriam sentir-se bem pois nela encontrariam
tudo o que acham que falta no 'deserto' societário (sub)urbano em
que residem. Todos somos chamados a criar esse enriquecedor
contexto social e pedagógico.
Nos próximos tempos vão dar conta
de muitas diferenças em relação aos ensinos básico e secundário que
frequentaram nos últimos 12 anos. E, na maior parte dos casos,
quanto maior for essa discrepância, melhor; isso indicia que estão
a emergir numa cultura 'superior' e que a Escola xpto não é um
up-grade do secundário (como pretendem os promotores dos CTeSP).
Aldous Huxley (autor do célebre Admirável Mundo Novo) no seu livro
Proper Studies (1927:115), no capítulo sobre "Educação", ao abordar
"As Universidades" considera que Oxford e Cambridge têm «o melhor
método de ensino» pois aí «é-se activamente encorajado a adquirir
saber». Aqui, ainda estamos longe mas essa deveria ser igualmente a
nossa meta.
A partir de agora estão por vossa
conta. Não hesito em apostar, pois a probabilidade de acerto é
alta, que os vossos pais só virão a esta escola no dia em que
estiverem de saída, quando vos entregarmos o 'canudo' de fim de
curso. E não é mau sinal, podem crer. Gozarão de liberdade e
autonomia enormes. A contrapartida é, naturalmente, o acréscimo da
responsabilidade. Terão também que aprender a gerir este
'triângulo'. Um saber que se adquire sem sebenta nem prelecção… O
coordenador de curso e os colegas mais velhos são auxiliares
preciosos nesse balanço de experiência e bom senso.
Depois da maratona de exames e
candidaturas do 12º ano, alguns de vós correm o risco de caírem
numa espécie de 'ressaca', pairando entre o descanso e a
brincadeira, entretidos nas praxes que vos anestesiam a mente e
emporcalham a roupa (como evitá-las?). Sendo as UC, no 1º ano,
todas semestrais, quando dão por isso estão no final do 1º
semestre, descuidaram as avaliações, e as notas finais… são um
balde de água fria. Deixo-vos, pois, um 'aviso à navegação',
socorrendo-me de um grande escritor português, Jorge de Sena, e de
um seu romance, Sinais de Fogo (de 1979, adaptado ao cinema, em
1995, por Luís Filipe Rocha):
«Porque éramos livres de entrar e
sair da faculdade, e ninguém nos perguntava para onde íamos, e
estávamos - pelo menos nós três - muito mais longe de casa, a
sensação de liberdade era absoluta, tão absoluta, que quase
perdemos o hábito de estudar regularmente.»
Por favor, tenham sempre presente
que, enquanto estiverem nesta instituição, estudar e concluir o
curso (sem reprovações) é o vosso objectivo prioritário.
Divertirem-se, arranjar amigos e namorado(a) são efeitos
colaterais… positivos. Votos de um excelente ano escolar.
Ouviram-se aplausos no anfiteatro.
Mas nos dias de hoje, aplaude-se sempre porque não há critério e
tudo é entendido como espectáculo.