Bocas do Galinheiro
Comédia italiana e não só
Aqui no galinheiro, pelamo-nos por uma boa comédia.
E a que hoje nos cá traz é particularmente saborosa. Não só pela
massa fora de horas, mas sobretudo por lembrar horas bem passadas,
a vê-la na velhinha VHS, mas sobretudo porque entremeada por uma
boa conversa e boa musica, jazz claro. Estamos a falar da fita de
Mario Monicelli "Gangsters Falhados" (I Soliti Ignoti, 1958).
À boleia do êxito do famoso
policial "Rififi"(1955), de Jules Dassin, 1954, esta divertida
paródia, onde também perpassa a atmosfera do film noir americano,
conta-nos a história de Cosimo (Memmo Carotenuto), chefe de uma
desgraçada quadrilha de pequenos ladrões, preso por tentar roubar
um automóvel, e que na prisão ouve uma dica de um plano para um
audacioso golpe, golpe esse que consiste em roubar o cofre de uma
casa de penhores a partir da parede de um apartamento vazio
contíguo. Mas para isso precisa sair da prisão. É aí que aparece
Peppe (Vittorio Gassman), um pugilista amador a precisar do
dinheiro que é convencido por Capannelle (Carlo Pisacane),
compincha de Cosimo a ficar preso no lugar deste. Só que a polícia
percebe o ardil e acabam os dois presos. Porém Peppe consegue sair
da prisão e convence Cosimo a revelar-lhe o plano de forma a reunir
a quadrilha para o executar. A quadrilha integra Mario (Renato
Salvartori) um aprendiz de ladrão que compra prendas em triplicado
para as suas três "mães" do orfanato onde cresceu, o típico jovem à
deriva do pós-guerra, que se põe em contacto com Michele, dito
Ferribotte, mais por causa da irmã que este tenta esconder em casa,
a bela Carmelina (a estreante Claudia Cardinale), um siciliano
muito suscetível, Tiberio Marcelo Mastroiani), um fotógrafo
desempregado que vive com o seu filho pequeno, e Dante Cruciani, um
velho mestre arrombador de cofres, magistralmente interpretado por
Totò, dando formação aos candidatos a arrombadores sobre a ciência
que envolve tal delicada operação. Aliás, um dos pontos fortes do
filme é exactamente o amplo e eficaz naipe de actores, onde os
secundários acabam por ser determinantes e as jovens promessas
acabam por confirmar todo o seu talento, bem patente nas
fulgurantes carreiras que tiveram, casos de Mastroiani, Gassman e,
hélas, Claudia Cardinale.
O plano era bom mas a sua execução
é um desastre. Após um sem número de incríveis peripécias, desde o
roubo de uma câmara super 8, para fazerem o reconhecimento das
área, tudo acaba por sair mal, ou quase. Conseguem entrar na casa,
graças às manobras de Peppe com a criada, instalam-se e na grande
noite enganam-se na parede e partem a da sala para a cozinha onde
Cappanelle atacava a comida, como era seu hábito. Com o dia quase a
nascer, restou-lhes lançarem-se à tachada de massa, sem que antes
rebentassem o fogão por causa duma fuga de gás. Depois lá foram às
suas vidas, com alguns desvios pelo caminho, como seja, desgraça,
ficarem no meio dos trabalhadores, ou pior, caírem nos braços do
trabalho! No dia seguinte aos jornais titulavam que os
desconhecidos do costume, usando o golpe do buraco, roubaram massa
com feijão. Hilariante!
Um filme que é hoje um dos
clássicos da "comédia à italiana", um estilo onde sátira e crítica
social andaram sempre de mãos dadas, aqui com um toque de policial,
numa época em que o neorrealismo era exemplo sólido num país onde
ainda se sentiam as sequelas do pós-guerra: a problemática do
desemprego é marcante nesta fita, apesar da forma satírica como
(bem) é tratada. Com argumento de Mario Monicelli, Suso Cecchi
D'Amico, Age & Scarpelli, fotografia, num primoroso preto e
branco de Gianni Di Venanzo e música de Piero Umiliani, com um
delicioso toque de jazz, este magnífico filme, nomeado para o Oscar
de Melhor Filme Estrangeiro, integra qualquer lista das melhores
comédias do cinema.
O êxito de "Gangsters Falhados"
originou precipitadas sequelas, a italiana "L´audace colpo dei
soliti ignoti", 1959, de Nanni Loy, com alguns dos protagonistas do
primeiro filme, e com uma banda sonora, com música novamente de
Piero Umiliani, mas aqui com o grande Chet Baker acolitado por um
excelente grupo de músicos italianos e americanos e a versão norte
americana, "Welcome to Collinwood", 2002, de Anthony Russo e Joe
Russo que, apesar da produção de George Clooney e Steven Solderberg
e a presença de alguns actores habituais em produções
independentes, caso de William H. Macy, ficou muito longe do
original.
Até à próxima e bons filmes!
Luís Rosa com Joaquim Cabeças