Blade runner 2049
Desde a sua estreia em 1982, "Blade Runner", de
Ridley Scott, cuja versão inicial, principalmente o happy end
imposto pelo estúdio, não foi do agrado do realizador nem da
estrela principal, Harrison Ford, este por causa da voz off,
conheceu um "director's cut" em 1992, já sem a voz off e sem final
piroso, aparecendo ainda, em 2007, um Final Cut, não deixando (ou
será que ainda deixa?), a dúvida de que Deckard, a personagem de
Ford é ela mesma um replicant (como aparece no início do filme:
replicant é a evolução dos robot da série Nexus que se tornaram
virtualmente idênticos aos humanos), a discussão recorrente, digo
eu, eterna, à volta do famoso blade runner, com opiniões
divergentes de Scott e Ford, que, diz-se, estão para durar. Tanto é
que quando os dois se encontram, só falta mesmo chegarem a vias de
facto, tal o entusiasmo com que defendem as suas damas. O que terá
acontecido na recente rodagem de "Blade Runner 2049", a que iremos,
de que Ridley Scott é produtor e Harrison Ford regressa como Rick
Deckard,o caçador de replicants da série Nexus 6, criados pela
Tyrell Corporation, o que havia de mais "humano" no mercado. Eram
estas réplicas, que se confundiam com os humanos, a que Decard dava
caça, apagava, para a policia de Los Angeles, numa cidade devastada
pela chuva ácida, uma Los Angeles gótica, nocturna, onde
sobressaiam os néons, dos anúncios e das lojas, e onde um grupo de
Nexus 6 vagueava, depois de se ter evadido das colónias em qualquer
outro planeta onde os habitantes da Terra se refugiaram, para
acertar contas com o seu criador porque, apesar de toda a perfeição
que exibiam, tinham um pequeno, mas grande problema: só viviam
quatro anos! E eles queriam mais vida! Aqui reside o leitmotiv do
filme, e porque não, da vida. Dos humanos e dos replicants, que
acreditam que são humanos, porque programados com memórias de uma
vida que não viveram. (A possibilidade de num futuro não muito
longínquo poderem ser implantadas recordações de acontecimentos que
o próprio não viveu é o tema de "Desafio Total"(Total Recall,1990),
de Paul Verhoeven, uma adaptação, também de um conto do autor, das
mais de uma centena que escreveu, desta vez "We Can Remember It For
Wholesale"). Daí a frase do polícia encarnado por Edward James
Olmos, Gaff, o tal dos origami, "It's too bad she won't live! But
then again, who does?". Ela era Rachael, Sean Young, uma Nexus 6,
protegida do dr.Tyrell, o criador, supostamente uma versão
melhorada, por quem Decard se apaixonou.
O impacto de "Blade Runner", adaptação da novela "Do Androids
Dream of Electric Sheep?", de Philip K. Dick, foi enorme, apesar do
fraco desempenho financeiro por altura da estreia. Hoje um filme de
culto dos amantes da FC, pela mestria com que o realizador soube
transportar a atmosfera do livro para a tela, em versão melhorada,
pode afirmar-se. Visualmente impactante, acabou por ser uma
referência para a chamada corrente cyberpunk, espalhando-se depois
por outras áreas, como a moda, onde a maquilhagem grotesca de Daryl
Hannah, uma das fugitivas, Pris, continua a aparecer nos desfiles,
além de o guarda roupa do filme ser citado por vários estilistas de
renome.
Visualmente inspirado na revista de banda desenhada francesa Métal
Hurlant, onde pontificava, entre outros desenhadores, Moebius (Jean
Giraud), "Blade Runner" foi claramente percursor da vaga de ficção
científica que se lhe seguiu no cinema, não estranhando que depois
de tantas sagas, aparecesse uma sequela. E veio, estamos em crer
que em boa hora, pela mão do realizador canadiano Denis Villeneuve,
ele próprio já com alguma experiência no género, "Arrival" (O
Primeiro Encontro, de 2016), à volta do aparecimento de seres
extraterrestres na Terra, em que uma linguista, interpretada por
Amy Adams, tenta encontrar uma forma de comunicar com os
inesperados visitantes para evitar que a coisa acabe mal, filme
nomeado para vários prémios, Oscar para melhor filme
incluído.
Neste "Blade Runner 2049". Aparecido 35 anos depois do original,
cuja acção decorria em 2019!, será daqui a dois anos (se Trump
insiste nas suas criancices com o Little Rocket Man da Coreia do
Norte, os americanos ainda se arriscam a ver, ou não, uma Los
Angeles pós nuclear, mas sem colónias no espaço e sem Nexus para
todo o serviço), Villeneuve consegue retomar a história no
ponto em que Ridley Scott a deixou, criando um ambiente,
visualmente semelhante, mais diurno, com um blade runner, agora
sim, replicant (Ryan Gosling) e a mesma interrogação: onde acaba,
ou começa, o humano e a réplica. E é na busca da resposta a esta
interrogação que deambulamos por um universo decadente,
acompanhando o Agente K, a que a sua companheira virtual baptiza de
Joe, numa realidade que julga, mas não sabe ser a sua. E depois há
Harrison Ford, não por acaso, retirado há trinta anos, mas que Joe,
ou K, acha que é a chave de sua descoberta. Mais que uma sequela,
"Blade Runner 2049" será a resposta à dúvida que ficou no ar no
filme de Scott, não fechando a porta a uma terceira entrega. Se o
original praticamente esvaziou a novela de Philip K. Dick….
Até à próxima e bons filmes!
Luís Dinis da Rosa
Este texto não segue o novo acordo ortográfico
João Luís