Entrevista

Ljubomir Stanisic, chef de cozinha
Da guerra da Bósnia a estrela de TV

Ljubomir -Cor (17).jpgControverso, mas com queda para a cozinha, o chef Ljubomir Stanisic confessa o segredo do seu sucesso, recorda um pouco da sua história e fala do seu programa "Pesadelo na Cozinha".

Escreveu em parceria com a sua mulher, Mónica Franco, «Bistromania - No Bistro como em casa». Para quem ainda não leu, este é mais do que um livro de receitas e de comida?
É um livro com receitas, sim, mas é muito mais do que isso: é um livro que tem a alma do Bistro, a história deste restaurante, da equipa, a minha, os bastidores, os mandamentos… É uma súmula de tudo o que vivemos nesta casa ao longo destes oito anos, celebrados no passado dia 22 de setembro, e de tudo o que nos fez - e ainda faz - muito felizes por aqui.

No seu livro lê-se, por diversas vezes, que a curiosidade e a genuinidade são características que o distinguem no seu trabalho. São estas as duas maiores «armas» do chef Ljubomir?
Acho que, qualquer que fosse a minha profissão, quereria sempre fazer mais e melhor. Há um desejo de aperfeiçoamento constante, um amor pelo que faço, que me leva sempre a querer mais. Mas há aqui um fator muito importante também, que é a minha equipa. Acho que essa se calhar é a minha maior arma.

A segunda série de «Pesadelo na Cozinha» iniciou-se na TVI com grande sucesso nas audiências. Qual é o principal ingrediente para o êxito do programa?
Manuel Amaro da Costa, o realizador do programa. É ele o maior responsável por isto.

De forma dura e agressiva, explica a donos e empregados como recuperar o seu negócio. Uns dizem que faz bullying, outros seguem os seus conselhos e remodelam os estabelecimentos. Afinal, qual é o seu papel?
Eu estou ali como sou. Não há espetáculo, não há "show off". O meu papel é simplesmente orientar as pessoas para o sucesso dos seus negócios, tendo em conta a minha experiência de mais de 20 anos na restauração. Há quem entenda e tenha vontade de aprender, há quem não entenda e depois não aproveite… Eu deixo as ferramentas. Se as pessoas depois as usam ou não, já não depende de mim.

Tece grandes elogios aos produtos, aos sabores e, no fundo, à nossa cozinha. Temos, como se diz, uma das melhores gastronomias do mundo?
Temos matéria-prima incrível. E uma tradição gastronómica que me apaixona muito, porque me diz muito até pela minha história. O facto de chegar ao Alentejo e ver que com um pouco de pão, alho e azeite se faz uma açorda demonstra bem o engenho deste povo. Identifico-me muito com isso, com a ideia de fazer muito do pouco. Nos últimos anos, a gastronomia portuguesa tem conseguido ultrapassar fronteiras, o que é ótimo. Por exemplo, em 2017 o «Bistro 100 Maneiras» foi considerado o número 1 mundial pela «Monocle»: não foi uma vitória só minha ou do «100 Maneiras», foi uma vitória também para Portugal, ver um restaurante nacional pela primeira vez naquela posição. Isto só prova também que o mundo está atento ao que fazemos. Costumo dizer que primeiro Portugal descobriu o mundo e agora é o mundo que nos está a descobrir. Já era tempo.

As suas declarações e intervenções nem sempre foram bem entendidas junto da opinião pública, inclusive por alguns políticos. O que é que mais o irrita na forma de ser dos portugueses? E o que é que o fascina?
Em primeiro lugar, honestamente, não me preocupa se as minhas declarações são bem ou mal entendidas. Não sou político, não sou uma figura do social, sou um cozinheiro. E vivemos num país com liberdade de expressão - hei de usá-la e defendê-la até ao fim. Em relação aos portugueses, talvez o único aspeto que me causa ainda alguma confusão seja a inveja… Aquela coisa de um português ver um Ferrari a passar e pensar: "Ainda te vais espetar". Porquê? Para quê? Felizmente, acho que também é uma mentalidade que está cada vez menos enraizada, mesmo na cozinha nota-se uma maior partilha, entreajuda…

Chegou a Portugal a 1997. Como foi a adaptação a este país de brandos costumes e que teve uma revolução em que não se disparou um tiro, de um homem que passou por uma guerra civil devastadora na ex-Jugoslávia?
Foi ótima, era tudo o que eu queria. Tirando a língua - e o bacalhau, que a início não suportava - foi muito fácil adaptar-me a este país.

Para além disso, passou por grandes dificuldades quando se fixou em Portugal e tardou algum tempo até afirmar-se. Partilha a velha máxima de Ghandi: «O que não nos mata, deixa-nos mais fortes»?
Sem dúvida. Digo muitas vezes que aprendi mais com as minhas derrotas que com as minhas vitórias. Cometi erros que não voltarei a cometer e agradeço muito essas lições.

Que conselhos daria a um jovem que sonha ser um chef de sucesso?
Qualquer jovem chefe deve viajar tanto quanto possível e comer o maior número de coisas possível, pelo menos nos primeiros quatro anos de carreira. É preciso comer mundo, "papar quilómetros" - Papa Quilómetros é o nome do meu projeto com a minha mulher, a jornalista Mónica Franco, onde fazemos precisamente isso: viajamos para comer. Técnicas, empratamentos… qualquer um aprende. O mais importante para se ser um bom chefe é treinar o paladar e isso só se consegue a comer muito.

Em termos de formação, as nossas escolas de turismo e hotelaria fornecem boas bases para a formação dos futuros chefs?
Não conheço bem o currículo das escolas de turismo e hotelaria por isso seria injusto avaliá-las. No entanto, acho que temos bons jovens cozinheiros em Portugal.

Para finalizar. Mais de 20 anos em Portugal. A mulher e os dois filhos são todos portugueses. O que é que ainda falta fazer neste país que o acolheu? Algum sonho por realizar?
Muitos sonhos, sempre. O meu maior sonho neste momento é mudar-me para o campo, abrir um restaurante e construir uma comunidade sustentável em que todos trabalham para o mesmo. Onde temos a senhora que cria as galinhas para os ovos, o senhor que fornece o leite para os queijos, alguém a tomar conta da horta, do pomar… Já esteve bem mais longe de acontecer

Nuno Dias da Silva
Fabrice Demoulin_100 Maneiras
 
 
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