Ljubomir Stanisic, chef de cozinha
Da guerra da Bósnia a estrela de TV
Controverso, mas com queda para a cozinha, o chef
Ljubomir Stanisic confessa o segredo do seu sucesso, recorda um
pouco da sua história e fala do seu programa "Pesadelo na
Cozinha".
Escreveu em parceria com a sua mulher, Mónica
Franco, «Bistromania - No Bistro como em casa». Para quem ainda não
leu, este é mais do que um livro de receitas e de comida?
É um livro com receitas, sim, mas é muito
mais do que isso: é um livro que tem a alma do Bistro, a história
deste restaurante, da equipa, a minha, os bastidores, os
mandamentos… É uma súmula de tudo o que vivemos nesta casa ao longo
destes oito anos, celebrados no passado dia 22 de setembro, e de
tudo o que nos fez - e ainda faz - muito felizes por
aqui.
No seu livro lê-se, por diversas vezes, que a
curiosidade e a genuinidade são características que o distinguem no
seu trabalho. São estas as duas maiores «armas» do chef
Ljubomir?
Acho que, qualquer que fosse a minha
profissão, quereria sempre fazer mais e melhor. Há um desejo de
aperfeiçoamento constante, um amor pelo que faço, que me leva
sempre a querer mais. Mas há aqui um fator muito importante também,
que é a minha equipa. Acho que essa se calhar é a minha maior
arma.
A segunda série de «Pesadelo na Cozinha»
iniciou-se na TVI com grande sucesso nas audiências. Qual é o
principal ingrediente para o êxito do programa?
Manuel Amaro da Costa, o realizador do
programa. É ele o maior responsável por isto.
De forma dura e agressiva, explica a donos e
empregados como recuperar o seu negócio. Uns dizem que faz
bullying, outros seguem os seus conselhos e remodelam os
estabelecimentos. Afinal, qual é o seu papel?
Eu estou ali como sou. Não há espetáculo,
não há "show off". O meu papel é simplesmente orientar as pessoas
para o sucesso dos seus negócios, tendo em conta a minha
experiência de mais de 20 anos na restauração. Há quem entenda e
tenha vontade de aprender, há quem não entenda e depois não
aproveite… Eu deixo as ferramentas. Se as pessoas depois as usam ou
não, já não depende de mim.
Tece grandes elogios aos produtos, aos sabores e,
no fundo, à nossa cozinha. Temos, como se diz, uma das melhores
gastronomias do mundo?
Temos matéria-prima incrível. E uma tradição
gastronómica que me apaixona muito, porque me diz muito até pela
minha história. O facto de chegar ao Alentejo e ver que com um
pouco de pão, alho e azeite se faz uma açorda demonstra bem o
engenho deste povo. Identifico-me muito com isso, com a ideia de
fazer muito do pouco. Nos últimos anos, a gastronomia portuguesa
tem conseguido ultrapassar fronteiras, o que é ótimo. Por exemplo,
em 2017 o «Bistro 100 Maneiras» foi considerado o número 1 mundial
pela «Monocle»: não foi uma vitória só minha ou do «100 Maneiras»,
foi uma vitória também para Portugal, ver um restaurante nacional
pela primeira vez naquela posição. Isto só prova também que o mundo
está atento ao que fazemos. Costumo dizer que primeiro Portugal
descobriu o mundo e agora é o mundo que nos está a descobrir. Já
era tempo.
As suas declarações e intervenções nem sempre
foram bem entendidas junto da opinião pública, inclusive por alguns
políticos. O que é que mais o irrita na forma de ser dos
portugueses? E o que é que o fascina?
Em primeiro lugar, honestamente, não me
preocupa se as minhas declarações são bem ou mal entendidas. Não
sou político, não sou uma figura do social, sou um cozinheiro. E
vivemos num país com liberdade de expressão - hei de usá-la e
defendê-la até ao fim. Em relação aos portugueses, talvez o único
aspeto que me causa ainda alguma confusão seja a inveja… Aquela
coisa de um português ver um Ferrari a passar e pensar: "Ainda te
vais espetar". Porquê? Para quê? Felizmente, acho que também é uma
mentalidade que está cada vez menos enraizada, mesmo na cozinha
nota-se uma maior partilha, entreajuda…
Chegou a Portugal a 1997. Como foi a adaptação a
este país de brandos costumes e que teve uma revolução em que não
se disparou um tiro, de um homem que passou por uma guerra civil
devastadora na ex-Jugoslávia?
Foi ótima, era tudo o que eu queria. Tirando
a língua - e o bacalhau, que a início não suportava - foi muito
fácil adaptar-me a este país.
Para além disso, passou por grandes
dificuldades quando se fixou em Portugal e tardou algum tempo até
afirmar-se. Partilha a velha máxima de Ghandi: «O que não nos mata,
deixa-nos mais fortes»?
Sem dúvida. Digo muitas vezes que aprendi
mais com as minhas derrotas que com as minhas vitórias. Cometi
erros que não voltarei a cometer e agradeço muito essas
lições.
Que conselhos daria a um jovem que sonha ser um
chef de sucesso?
Qualquer jovem chefe deve viajar tanto
quanto possível e comer o maior número de coisas possível, pelo
menos nos primeiros quatro anos de carreira. É preciso comer mundo,
"papar quilómetros" - Papa Quilómetros é o nome do meu projeto com
a minha mulher, a jornalista Mónica Franco, onde fazemos
precisamente isso: viajamos para comer. Técnicas, empratamentos…
qualquer um aprende. O mais importante para se ser um bom chefe é
treinar o paladar e isso só se consegue a comer muito.
Em termos de formação, as nossas escolas de
turismo e hotelaria fornecem boas bases para a formação dos futuros
chefs?
Não conheço bem o currículo das escolas de
turismo e hotelaria por isso seria injusto avaliá-las. No entanto,
acho que temos bons jovens cozinheiros em Portugal.
Para finalizar. Mais de 20 anos em Portugal. A
mulher e os dois filhos são todos portugueses. O que é que ainda
falta fazer neste país que o acolheu? Algum sonho por
realizar?
Muitos sonhos, sempre. O meu maior sonho
neste momento é mudar-me para o campo, abrir um restaurante e
construir uma comunidade sustentável em que todos trabalham para o
mesmo. Onde temos a senhora que cria as galinhas para os ovos, o
senhor que fornece o leite para os queijos, alguém a tomar conta da
horta, do pomar… Já esteve bem mais longe de acontecer
Nuno Dias da Silva
Fabrice Demoulin_100 Maneiras