Crónica
Elogio da dialética
A sociedade dos nossos
dias, preconceituosa e burguesa, a tal que promove os vícios
privados e as públicas virtudes, vê-se hoje em palpos de aranha
para segurar a tampa da caixinha onde, durante anos a fio, escondeu
pudores e poucas vergonhas; más vontades e cinismo; corrupção e
explorações várias; incompetências e fait divers e muita,
muita má-criação.
Como sempre, escolhe o pingente mais à mão para assacar
culpas e eis que a crise - a receita que esta sociedade cozinha
para envenenar a quem tem fome - é também o cenário ideal,
monstruoso e alheio, que serve para tapar o sol com a peneira,
metendo no mesmo saco os tumultos sociais, os
impostos, as políticas de direita e os tumultos
sociais, os privilégios de alguns, o desemprego de muitos e
os tumultos sociais, tomando arrogante partido na luta
de classes e na afirmação ideológica, afinal vivas, ao contrário
das estórias contadas e guardadas na supracitada caixa, cuja tampa
já não aguenta a pressão.
Quando um energúmeno norueguês dá azo às suas
ideias e assim mata cidadãos inocentes porque não vai com
as suas concepções, a sua religião ou a cor da sua pele, é um
louco, um cristão fundamentalista ou um visionário, que crê ser sua
herança privilegiada o lugar onde foi parido e não quer partilhá-lo
com quem é filho adoptivo. Mas se em várias cidades Inglesas,
grupos de jovens se revoltam por discriminação, falta de emprego e
de perspectivas políticas económicas e sociais, são desordeiros,
gangs a soldo altamente perigosos, alvos a abater, conforme as
orientações mediáticas, as fontes de informação e a excitação dos
directos.
E
no meio de tudo isto, os EU, a todo-poderosa América afinal é um
fruto podre. Não tão podre como alguns países da Europa, mas podre;
não tão Europa como todo o fruto podre, mas
América.
Alan Ginesberg, gritava no seu poema América: "A Ásia
levanta-se contra mim.
…
A minha ambição é ser presidente, apesar do facto de que eu sou um
católico." Para os americanos do norte, o mal nunca está nas suas
entranhas. Para eles, o perigo é sempre da má vizinhança. Mas já
nada disso torna o fruto são, meu caro Ginesberg.
O problema está em que esta
sociedade apoiada nos fundamentos do capitalismo chegou ao fim. Não
consegue distribuir equitativamente a riqueza produzida e dar
respostas justas e equilibradas às populações que desesperam pelo
direito à cidadania e, em muitos milhões de casos, à própria vida.
Os monopólios são isso mesmo: nasceram para ser únicos, não para
partilhar seja o que for. Não há ciência que faça tornar são o
fruto que apodreceu e os milagres, bem, os milagres são talentos
das famílias para chegarem vivas ao fim do mês.