Opinião

Crónica
Design do Touch

Julieta Ferreira - Foto3.jpgEntramos no quarto de um daqueles hotéis que se impõem pela estética minimalista, onde somos recordados de que estamos, efectivamente, a viver no século XXI. Aí fica bem a palavra design, desde o instante em que miramos a fachada e, em seguida, cruzamos o lobby, com passos seguros e pretensiosos de VIPs, sentindo-nos, por dentro, provincianos na primeira visita à capital. Convenhamos que não ficaria bem dizer-se projecto ou plano, escolhendo traduções portuguesas para design, num sítio destes, sem espaço para palavras triviais, sequer para um saudosismo caquéctico e inglório. Entenda-se que não sou saudosista nem pessoa para afirmar que no outro tempo era tudo muito melhor, porque a minha mente não se deixa facilmente manipular pelos truques da memória, mas não suportaria ver a palavra saudade eliminada dos nossos dicionários, quando os linguistas e gramáticos, que incluíram a palavra design, se lembrem de excluir um vocábulo tão genuinamente português. Tudo é possível, nos tempos que correm, de acordos e desacordos, e de mentes superlotadas com ideias fantabulosas. (Pensei que não ficaria mal também eu inventar uma palavra e talvez assim angariar admiradores e apoiantes.)
Temos de receber, de sorriso rasgado e olhar inteligente, as novas tecnologias e desembaraçar-nos da estranheza e inépcia, quando admitimos a dificuldade em entender a linguagem avançada do rectângulo plasma que domina grande parte da parede em frente às camas e nos desafia, sem cerimónia. Depois de várias tentativas frustradas, aparece um menu no ecrã. Há muito que os menus passaram a fazer parte das nossas vidas e nos habituámos a eles. Dantes, só quando comíamos fora é que tínhamos de olhar para um e não necessitávamos de curso especial para compreender o que estava lá escrito. Bacalhau assado era mesmo isso e, se era cozido com todos, qualquer cidadão português sabia o que iria comer. Agora, até mesmo essas listas se tornaram um quebra-cabeças, quando mencionam pratos confeccionados à maneira gourmet - repare-se que soaria piroso se disséssemos alta cozinha, mas já cairia bem se recorrêssemos ao francês, tão maltratado ultimamente, para grande desapontamento dos franceses, e usássemos haute cuisine - pois, como eu estava a dizer, essas listas quase poéticas apresentam certa dificuldade para os que desejam escolher uma refeição, sem terem de se transformar em descodificadores profissionais, daqueles que seguimos, com afinco, nos livros de Dan Brown, devorados com gula e sem garfo ou faca.
Olhamos então para o menu no plasma a tremeluzir, escarrapachado à nossa frente, como que a rir-se do nosso malogro e, porque já nos aventurámos a trocar o antigo telemóvel por outro mais moderno, de touch screen, resolvemos não dar a mão à palmatória e ver se essa coisa do touch funciona também ali. Afinal de contas, ninguém está a ver-nos e podemos experimentar à vontade. Nem é uma ideia disparatada, pensamos para dispersar qualquer dúvida, pois naquele quarto não há interruptores e a iluminação é controlada a partir de painéis lustrosos, estrategicamente incorporados nas mesas-de-cabeceira e na parede, à entrada, funcionando por sistema de toque. (Opto agora pela palavra portuguesa porque estou-me borrifando para a estética que não fará diferença alguma.) Também não fez qualquer diferença tocar o plasma com os nossos dedos inseguros. Ele continuava a zombar de nós. Largos minutos consumidos neste exercício de descodificação e, eis que finalmente conseguimos visualizar um canal dos muitos com que éramos contemplados. O pior foi quando quisemos desligar o televisor. Nem botão nem toque que nos valesse. Acabámos por contactar a recepção - felizmente o telefone ainda não tinha sido substituído por uma estranha peça futurista, indecifrável - expondo a nossa incompetência.
Um técnico subiu ao quarto. Ah pois, nestes hotéis design há técnicos para tudo, de outro modo não seria viável manterem-se tais estabelecimentos porque a avançada tecnologia é muito falível e carece de vários toques ou touches, para programar e desprogramar os seus extraordinários engenhos.

Julieta Ferreira
 
 
Edição Digital - (Clicar e ler)
 
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