Crónica
Design do Touch
Entramos no quarto de um daqueles hotéis que se
impõem pela estética minimalista, onde somos recordados de que
estamos, efectivamente, a viver no século XXI. Aí fica bem a
palavra design, desde o instante em que miramos a fachada
e, em seguida, cruzamos o lobby, com passos seguros e pretensiosos
de VIPs, sentindo-nos, por dentro, provincianos na primeira visita
à capital. Convenhamos que não ficaria bem dizer-se
projecto ou plano, escolhendo traduções
portuguesas para design, num sítio destes, sem espaço para
palavras triviais, sequer para um saudosismo caquéctico e inglório.
Entenda-se que não sou saudosista nem pessoa para afirmar que
no outro tempo era tudo muito melhor, porque a minha mente
não se deixa facilmente manipular pelos truques da memória, mas não
suportaria ver a palavra saudade eliminada dos nossos
dicionários, quando os linguistas e gramáticos, que incluíram a
palavra design, se lembrem de excluir um vocábulo tão
genuinamente português. Tudo é possível, nos tempos que correm, de
acordos e desacordos, e de mentes superlotadas com ideias
fantabulosas. (Pensei que não ficaria mal também eu
inventar uma palavra e talvez assim angariar admiradores e
apoiantes.)
Temos de receber, de sorriso rasgado e olhar inteligente, as novas
tecnologias e desembaraçar-nos da estranheza e inépcia, quando
admitimos a dificuldade em entender a linguagem avançada do
rectângulo plasma que domina grande parte da parede em frente às
camas e nos desafia, sem cerimónia. Depois de várias tentativas
frustradas, aparece um menu no ecrã. Há muito que os menus passaram
a fazer parte das nossas vidas e nos habituámos a eles. Dantes, só
quando comíamos fora é que tínhamos de olhar para um e não
necessitávamos de curso especial para compreender o que estava lá
escrito. Bacalhau assado era mesmo isso e, se era cozido com todos,
qualquer cidadão português sabia o que iria comer. Agora, até mesmo
essas listas se tornaram um quebra-cabeças, quando mencionam pratos
confeccionados à maneira gourmet - repare-se que soaria
piroso se disséssemos alta cozinha, mas já cairia bem se
recorrêssemos ao francês, tão maltratado ultimamente, para grande
desapontamento dos franceses, e usássemos haute cuisine -
pois, como eu estava a dizer, essas listas quase poéticas
apresentam certa dificuldade para os que desejam escolher uma
refeição, sem terem de se transformar em descodificadores
profissionais, daqueles que seguimos, com afinco, nos livros de Dan
Brown, devorados com gula e sem garfo ou faca.
Olhamos então para o menu no plasma a tremeluzir, escarrapachado à
nossa frente, como que a rir-se do nosso malogro e, porque já nos
aventurámos a trocar o antigo telemóvel por outro mais moderno, de
touch screen, resolvemos não dar a mão à palmatória e ver
se essa coisa do touch funciona também ali. Afinal de
contas, ninguém está a ver-nos e podemos experimentar à vontade.
Nem é uma ideia disparatada, pensamos para dispersar qualquer
dúvida, pois naquele quarto não há interruptores e a iluminação é
controlada a partir de painéis lustrosos, estrategicamente
incorporados nas mesas-de-cabeceira e na parede, à entrada,
funcionando por sistema de toque. (Opto agora pela palavra
portuguesa porque estou-me borrifando para a estética que não fará
diferença alguma.) Também não fez qualquer diferença tocar o plasma
com os nossos dedos inseguros. Ele continuava a zombar de nós.
Largos minutos consumidos neste exercício de descodificação e, eis
que finalmente conseguimos visualizar um canal dos muitos com que
éramos contemplados. O pior foi quando quisemos desligar o
televisor. Nem botão nem toque que nos valesse. Acabámos por
contactar a recepção - felizmente o telefone ainda não tinha sido
substituído por uma estranha peça futurista, indecifrável - expondo
a nossa incompetência.
Um técnico subiu ao quarto. Ah pois, nestes hotéis design
há técnicos para tudo, de outro modo não seria viável manterem-se
tais estabelecimentos porque a avançada tecnologia é muito falível
e carece de vários toques ou touches, para programar e
desprogramar os seus extraordinários
engenhos.