Cultura

Bocas do Galinheiro
Sherlock Holmes em Madrid

tumblr_kwah8bbJTo1qzu72lo1_500 cópia.jpg Vi recentemente numa revista espanhola o anúncio da estreia próxima do último filme de José Luis Garci, "Holmes & Watson. Madrid Days". A cinematografia europeia tem pouca divulgação entre nós. Tirando os filmes de um ou outro realizador consagrado, ou então os produzidos por Paulo Branco, um caso impar na produção europeia, a maioria passa despercebida por cá, excepcionando a exibição aos sábados à noite na sessão dupla da RTP 2. Exactamente. Essa que o Governo quer encerrar! Abrir parêntese: Assumimos a nossa incultura. Não conseguimos lá chegar. Mas um concurso do Malato ou da Furtado ou da Magalhães certamente que do ponto de vista do "serviço público", seja lá o que isso for, terá muito mais valor que um filme, coisa menor, claro. Ddeve ser por isso que lhe chamam "7ª Arte"! Os concursos devem estar ao nível da dança, ou lá perto. Enfim, mais um insulto à inteligência dos espectadores. Fechar parêntese. Infelizmente a cinematografia espanhola está nesta linha, pelo que muito dificilmente esta fita passará comercialmente em Portugal. Ou até pode ser que seja uma excepção.

Apesar de pouco divulgado em Portugal, José Luis Garci é um consagrado e oscarizado cineasta e cinéfilo espanhol. Aliás "conheço" José Luís Garci, não só dos seus filmes, confesso que poucos, mas essencialmente do seu programa que passou na TVE entre 1995 e 2005, "Qué grande es el cine!". Uma animada tertúlia semanal com Garci e dois convidados, grandes cinéfilos, claro está, em que depois da apresentação do filme, eram depois repetidas e analisadas as cenas que cada um achava que mereciam ser destacadas e figurarem no rol das melhores do cinema. Dava gosto ouvi-los, mas também perceber o quanto aqueles homens e mulheres sabem e gostam de cinema. Invariavelmente o programa terminava com a câmara a afastar-se do trio que continuava em animada charla sobre o filme que acabavam(os) de ver. O cinema é mesmo grande!

Sobre este seu filme disse Garci que já o tinham pensado há 14 anos, ele e o co-argumentista Eduardo Torres-Dulce e que podia ser bonito que o mcguffin fosse Jack, o Estripador, que fugira para Espanha. O resto é, segundo o próprio uma metáfora sobre a corrupção, a antecâmara dos horrores do século XX, está acima dos governos e dos indivíduos, é invisível e tem uma força enorme, e como sentencia Sherlock Holmes, há que investiga-la com o estomago e não com o coração, e o choque cultural entre a Inglaterra vitoriana de Holmes e Watson, e a Espanha do cozido do restaurante Lhardy e das conversas com o escritor Benito Péres Galdós e também das mulheres bonitas, como o vai sentir na pele o dr. Watson. Elementar!

Nascido em Madrid a 20 de Janeiro de 1944, José Luis Garci tem uma longa filmografia como realizador, com destaque para "Volver a empezar" (1982), Oscar para o melhor filme em língua estrangeira, a história dum poeta e Nobel que volta às suas Astúrias natal onde reencontra antigos companheiros a amores, com Antonio Ferrandis, Encarna Paso e José Bódalo, "El abuelo" (1998), à volta também dum regresso a Espanha de um ancião que depois da morte do filho pretende desvendar segredos familiares, igualmente nomeado para o Oscar de melhor filme em língua estrangeira, com uma grande interpretação do consagrado Fernando Fernán Gómez, que lhe valeu vários prémios de melhor actor e que conta no elenco com, entre outros, Rafael Alonso e Cayetana Guillén Cuervo, ou "Asignatura pendiente" (1977), que foca, de entre outros temas, a transição de Espanha para a democracia, com José Sacristán, Fiorella Faltoyano, Antonio Gamero e Silvia Tortosa e "Ninette" (2005), com Carlos Hipólito, Elsa Pataky e Enrique Villén.

É evidente que a grande veia cinéfila do realizador perpassa a sua filmografia, nomeadamente na sua faceta de documentarista com sentidas homenagens a Marilyn Monroe em "Mi Marilyn" (1975) a sua segunda obra cinematográfica, e a "Casablanca" e a Michael Curtiz o realizador de um dos seus filmes favoritos, e claro a Humphrey Bogart em "Casablanca revisitada" (1992), bem como no filme "Sesión continua" (1984), sobre dois amigos escritores ligados ao cinema: um escreve argumentos e o outro romances, que lhe valeu outra nomeação para o Oscar de melhor filme em língua estrangeira. É obra!

P:S: Mais uma vez a morte veio empobrecer o cinema: a do realizador Tony Scott, de que bastaria lembrar "Top Gun - Ases Indomáveis" (1986) para se aquilatar do seu enorme êxito e de Tom Cruise, que repetiriam com "Dias de Tempestade", (1990), mas que também fez outros bons filmes como "Romance à Queima Roupa" (1993), Homem em Fúria" (2004) e "Déjà Vu" (2006), uma morte que fica envolta em mistério pelas diferentes versões à volta do suicídio do realizador, mas que nada adiantam para a realidade do seu desaparecimento, e mais recente, a do actor Michael Clarke Duncan, grande em "The Green Mile" (À Espera de Um Milagre), de 1999, de longe o seu melhor papel, mas que também será lembrado pela sua passagem por "Armagedon" e ultimamente, por algumas séries televisivas.

Até á próxima e bons filmes!

Luís Dinis da Rosa
 
 
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