Luís Nazaré, economista
As culpas da academia na crise internacional
O docente acusa
muitas escolas de economia e gestão de um «seguidismo acrítico» em
relação aos conteúdos de cunho marcadamente liberal dos manuais de
estudo. Luís Nazaré acrescenta que a mensagem que é difundida acaba
por se reflectir posteriormente no comportamento dos estudantes no
mercado de trabalho, por exacerbar o espírito individualista, o
culto do curto prazo e o desenfreado embaratecimento dos factores
produtivos.
Li um
artigo seu em que diz que este Governo «distribui malvadezas aos
bochechos», aconselhando os políticos da maioria a lerem Maquiavel.
Quer concretizar?
O traço marcante da actual
governação tem sido o cumprimento, mais do que canino, daquilo que
foi acordado com a troika (ou a tríade, como lhe chamo) - e eu,
deixe-me ressalvar, defendo que se deve respeitar o que foi
contratualizado. Acontece que o Governo tem ido para além do que
estava previsto por razões marcadamente ideológicas. Há um cunho
ultra-liberal na acção governativa e isso tem feito com que as
medidas fossem agravadas, com reflexos devastadores na economia
nacional.
O Governo
insiste que o memorando de entendimento será cumprido, «custe o que
custar». Os cortes nos subsídios de férias e de Natal, e a torrente
de impostos, como o aumento do IVA, o IMI e a Lei das Rendas não
terão o efeito contraproducente de distanciar, ainda mais, ricos e
pobres?
Nas alterações ao nível da Lei das
Rendas e do IMI não sou crítico, porque havia uma situação
estrutural que importava mudar, introduzindo mais flexibilidade,
equilíbrio e justiça, especialmente no primeiro dossier, enquanto
no caso do imposto sobre imóveis as suas regras de cálculo
baseavam-se em indicadores serôdios. Fosse ou não à pala do acordo
com a tríade, eu creio que ambos os processos teriam de ser
corrigidos. O que eu verdadeiramente contesto é que este regime de
austeridade intensifica a desproporção entre os rendimentos dos
mais ricos e dos pobres. O índice de Gini, que é uma medida
comummente aceite, está aí para o demonstrar.
Na última
década têm aumentado as desigualdades e o fosso entre ricos e
pobres?
Eu diria que nos últimos 25 anos
esse fosso tem vindo a acentuar-se. Os ricos são mais ricos e os
seus rendimentos têm vindo a acelerar, cavando assimetrias ainda
mais profundas em comparação com as classes intermédias e os mais
desfavorecidos. Portugal, no quadro europeu, é um dos países onde o
indicador de Gini é mais acentuado.
Perante um
cenário que convida a uma atmosfera socialmente efervescente, fica
surpreendido por não se verificarem convulsões de rua, como se tem
visto na Grécia e em Espanha?
É um dado interessante constatar
que as pessoas têm aceitado, de forma relativamente serena, o plano
de austeridade. Posso avançar com uma leitura: mesmo quem não
domina os conceitos económicos reconhece que o aumento do nível e
da qualidade de vida foi feito à custa da sustentabilidade
económica. Ou seja, vivemos acima das possibilidades, como foi
reiteradamente afirmado. Foi uma tese muito martelada e acabou por
entrar na cabeça das pessoas.
Os
portugueses estão a consciencializar-se que viveram numa espécie de
ilusão económica?
De alguma maneira, apesar de eu
crer que é uma aspiração humana legítima atingir melhor qualidade
de vida, ter acesso ao consumo e obter rendimentos mais elevados,
ainda para mais no caso de Portugal em que somos dos países mais
pobres da Europa Ocidental. Gastou-se excessivamente, o acesso ao
crédito foi demasiado fácil - para o Estado, as empresas e as
famílias - o que explica, em larga medida, o défice externo a que
chegámos e as condições de endividamento com que nos confrontamos.
Penso que deve apontar-se o dedo aos que nos emprestaram dinheiro,
sem qualquer critério ou base de sustentação. Quando há uma relação
desproporcionada, temos de nos perguntar quem é que a causou, quem
é que publicitou e promoveu esse acesso fácil ao dinheiro? Quem
beneficiou e quem é que não fez um trabalho de análise competente
sobre o credit scoring?
A resposta
às suas perguntas é fácil, foram os bancos que emprestaram o
dinheiro…
Foram os bancos que emprestaram a
quem muito pediu e quem emprestou aos bancos foi o mercado
financeiro internacional. Portanto, toda a gente é co-responsável.
Não há que iludir as questões.
Critica o
papel das agências de rating que acusa de terem desferido um ataque
às economias da periferia da Europa, onde se inclui Portugal. Não
querendo alimentar uma teoria da conspiração, pensa que na base da
instabilidade está uma guerra do dólar face ao euro?
Admito que existam laivos de
confronto entre o dólar e o euro. O dólar é a moeda de refúgio
internacional. Cerca de dois terços das reservas internacionais em
moeda são feitas em dólar, um quarto em euros e o restante num
pacote de quatro ou cinco outras moedas. E não é possível
escamotear que em certa medida existe um confronto entre os Estados
Unidos e a Europa. Nós somos aliados, mas somos rivais. Logo, o
clima de briga e disputa não pode ser negligenciado.
Ao cimento
económico chamado moeda única faltou um modelo federalista a
sustentá-lo?
Sim, sim. Para termos mecanismos
mais solidários, nomeadamente o papel do BCE e a sua intervenção em
momentos de crise, é preciso haver em simultâneo regras e uma
disciplina de coordenação económica e financeira de tipo federal.
Espero que a Europa siga por aí, mas se a conjugação das
influências se exerce de forma algo desordenada, nada nos garante
que assim seja.
É docente
do ISEG, tendo como especialidade estratégia organizacional. É uma
área fundamental nos dias que correm?
O mais possível. O sucesso de uma
organização e a sua competitividade passa muito pelo acerto nas
escolhas estratégicas. Por mais eficiência produtiva que uma
empresa demonstre ter ou gerar produtos capaz de afrontar a
concorrência, se não possuir uma estratégia bem pensada ela nunca
conseguirá ser bem sucedida.
A
engenharia é um dos cursos com menos problemas de empregabilidade.
Pensa que a racionalização dos cursos chegou tarde demais?
Penso que temos de reflectir sobre
diversas variantes. Primeiro, estamos perante um pano de fundo em
que o desemprego afecta sobremaneira o universo dos
recém-licenciados. A crise económica não permite que se gerem os
postos de trabalho desejáveis. Segundo, a natureza do curso que os
jovens escolhem. Os de índole mais técnica têm, de uma forma geral,
mais saídas para o mercado trabalho. Engenharias é um deles. Mas há
outros. Houve durante muito tempo a ideia, e a economia acolhia
todas estas aspirações, que qualquer que fosse o curso escolhido
havia de existir uma colocação profissional. Portanto, muitos
escolheram determinados cursos por terem aversão a áreas mais
técnicas, onde há cargas de matemática, física, etc. Perante isto,
foi natural a fuga para formações de outra natureza, no domínio
artístico, social, humanísticos, etc.
E o caos da
procura a superar a oferta ficou à vista…
Estas escolhas são legítimas, até
porque é importante que um jovem persiga os seus sonhos e a sua
vocação, mas não pode esquecer-se, quando escolhe o curso, que
amanhã terá de encontrar um trabalho. Ou seja, não pode perder o
sentido prático das coisas, por mais constrangedor que isto possa
parecer. De há 15 anos a esta parte assistiu-se a uma corrida às
ciências da comunicação, as relações internacionais, etc - áreas
respeitabilíssimas mas que não munem o jovem de competências
específicas que sejam imediatamente integráveis e compatíveis com
as necessidades do mercado de trabalho e das empresas. Não se pode
estranhar que as mesas dos decisores estejam atafulhadas com CV de
pessoas com estas formações.
Um curso de
Direito, por exemplo, confere mais versatilidade ao candidato?
Certamente. O curso de Direito tem
associado um grau de tecnicidade elevado e que se coaduna com as
necessidades do mercado, o que não quer dizer que também não
existam licenciados desempregados nesta área. Há outro factor, que
não queria deixar de mencionar, que está relacionado com o
prestígio das próprias faculdades. As instituições com níveis de
exigência e desempenho mais altos são aquelas onde os estudantes
conseguem mais facilmente colocação. Não é por acaso que no domínio
das principais escolas de economia do país (caso do ISEG, do ISCTE,
da Nova, Católica e Faculdades do Porto e Coimbra) a
empregabilidade dos jovens saídos das licenciaturas ou dos
mestrados é muito elevada. Pedem meças a qualquer escola
internacional. Sei, até porque é o caso que conheço melhor, o ISEG
tinha uma taxa de empregabilidade superior a 90 por cento.
A
massificação do acesso ao ensino superior fez aumentar o número da
oferta privada. Os casos da Independente e das equivalências do
ministro Relvas na Lusófona contribuem para desprestigiar os alunos
que lá se formam?
Bem vê que a capacidade de absorção
das escolas públicas é limitada, muito devido aos critérios de
exigência e selecção mais apertados que nem todos podem preencher.
Por isso, é legitimo que nasça um mercado paralelo, que é o ensino
universitário privado. Nada contra desde que observados critérios
de exigência e padronização com vista à formação das pessoas. Em
certos países, por exemplo, nos Estados Unidos, o ensino privado
tem uma qualidade melhor ou equivalente ao ensino público. Quanto a
eventuais comportamentos desviantes, a universidade é que fica
responsável por eles e terá de sofrer as consequências do
facilitismo, deliberado ou inconsciente, na sua relação com o
mercado.
Está
apreensivo com os cortes anunciados para o ensino superior e com o
número de alunos que foram obrigados a renunciar à sua formação por
incapacidade económica?
Os estudantes têm sido obrigados a
abandonar a faculdade, nomeadamente por falta de rendimentos para
liquidar as suas propinas. É uma realidade terrível e um fenómeno
preocupante, ainda para mais quando muitos deles têm capacidade e
aproveitamento para obterem o seu diploma universitário. Revela bem
o estado agudo a que o país chegou. É verdade que uma sociedade e
um mercado de trabalho não se resumem a pessoas com diplomas
universitários, mas é óbvio que aqueles que acumulam um conjunto de
conhecimentos mais elevados tem mais condições para se revelarem
profissionais aptos a integrarem-se no mercado de trabalho.
Actualmente é
presidente da Mesa da Assembleia Geral do Benfica, depois de já ter
sido presidente do Conselho Fiscal. Consegue encontrar explicações
para o facto de o seu clube ter perdido a hegemonia futebolística,
em termos de títulos, para o FC Porto?
Eu identifico razões normais e
razões anómalas. Destas últimas não vou falar, porque são do
conhecimento público e geral. No restante, devo dizer que os ciclos
de vitórias acontecem em todos os países, em Inglaterra, em itália,
etc. Em Portugal verifica-se uma grande polarização entre Benfica e
FC Porto, como acontece aqui ao lado, com o Real Madrid e o
Barcelona. Desde meados dos anos 80, admito que o FC Porto tem tido
mérito, construiu boas equipas, tem demonstrado competitividade, o
que explica boa parte dos títulos que conquistou, internamente e
além-fronteiras.
Tem
acompanhado Luís Filipe Vieira nos órgãos sociais do clube nestes 9
anos que ele leva como presidente. Admite erros próprios de
gestão?
Para os mais esquecidos, importa
não esquecer que o Benfica ainda não há muito tempo conheceu
períodos de gestão muito tumultuosa e até danosa, com episódios e
peripécias que fatalmente acabam por se repercutir no aspecto
desportivo. Felizmente os sócios puseram cobro a essas situações e
fizeram as escolhas certas em termos da liderança dos destinos do
clube. O Benfica está bem entregue e a enveredar pelo rumo certo.
Em termos desportivos nos últimos três anos fomos campeões uma vez
e vice-campeões em duas ocasiões. Espero que o Benfica assuma um
ciclo de vitórias consecutivas, partindo de uma correcta gestão dos
recursos humanos e de uma eficiente máquina que alimenta o futebol
profissional do clube. Estou certo que as vitórias aparecerão com
mais frequência.
A marca
Benfica é das mais reconhecidas do país nacional e
internacionalmente. Em época de carestia financeira, como se
conseguem gerir recursos com parcimónia e sem entrar em loucuras,
contentando a massa adepta sedenta de vitórias?
É um equilíbrio muito difícil. Os
adeptos querem conquistas e para consegui-las é preciso contratar
bons jogadores, necessariamente caros. Dantes os clubes tinham um
acesso mais facilitado ao crédito, endividavam-se e acumulavam
sucessivos défices de exploração, sempre compensados por entradas
de dinheiro de diversas naturezas, sem cuidarem muito da
sustentabilidade das suas contas. Trata-se de um fenómeno
generalizado. Veja que até o Manchester United, que está cotado na
bolsa de Wall Street, está longe de ter uma estrutura financeira
saudável.
Os direitos
televisivos dos jogos do Benfica na Luz terminam para a SportTV, no
final desta temporada. Está preparado em 2013/2014 para assistir
aos jogos do seu clube noutro canal?
Qualquer que seja a solução a
Benfica SAD deve procurar obter o melhor encaixe financeiro. Os
mecanismos do mercado televisivo não são transparentes e falta
concorrência. Desenha-se, inclusive, uma concentração absoluta. O
leque de escolhas deve ser alargado. O Benfica está atento a todas
essas circunstâncias e não é parvo. Estamos cientes do valor que
esta marca tem em Portugal e fora das nossas fronteiras. O clube
não vai deixar transformar-se num simples joguete nas mãos das
plataformas televisivas.
Nuno Dias da Silva
Este texto não segue o novo Acordo Ortográfico
Nuno Dias da Silva