Entrevista

Luís Nazaré, economista
As culpas da academia na crise internacional

DSC00633 cópia.jpgO docente acusa muitas escolas de economia e gestão de um «seguidismo acrítico» em relação aos conteúdos de cunho marcadamente liberal dos manuais de estudo. Luís Nazaré acrescenta que a mensagem que é difundida acaba por se reflectir posteriormente no comportamento dos estudantes no mercado de trabalho, por exacerbar o espírito individualista, o culto do curto prazo e o desenfreado embaratecimento dos factores produtivos.

Li um artigo seu em que diz que este Governo «distribui malvadezas aos bochechos», aconselhando os políticos da maioria a lerem Maquiavel. Quer concretizar?

O traço marcante da actual governação tem sido o cumprimento, mais do que canino, daquilo que foi acordado com a troika (ou a tríade, como lhe chamo) - e eu, deixe-me ressalvar, defendo que se deve respeitar o que foi contratualizado. Acontece que o Governo tem ido para além do que estava previsto por razões marcadamente ideológicas. Há um cunho ultra-liberal na acção governativa e isso tem feito com que as medidas fossem agravadas, com reflexos devastadores na economia nacional.

O Governo insiste que o memorando de entendimento será cumprido, «custe o que custar». Os cortes nos subsídios de férias e de Natal, e a torrente de impostos, como o aumento do IVA, o IMI e a Lei das Rendas não terão o efeito contraproducente de distanciar, ainda mais, ricos e pobres?

Nas alterações ao nível da Lei das Rendas e do IMI não sou crítico, porque havia uma situação estrutural que importava mudar, introduzindo mais flexibilidade, equilíbrio e justiça, especialmente no primeiro dossier, enquanto no caso do imposto sobre imóveis as suas regras de cálculo baseavam-se em indicadores serôdios. Fosse ou não à pala do acordo com a tríade, eu creio que ambos os processos teriam de ser corrigidos. O que eu verdadeiramente contesto é que este regime de austeridade intensifica a desproporção entre os rendimentos dos mais ricos e dos pobres. O índice de Gini, que é uma medida comummente aceite, está aí para o demonstrar.

Na última década têm aumentado as desigualdades e o fosso entre ricos e pobres?

Eu diria que nos últimos 25 anos esse fosso tem vindo a acentuar-se. Os ricos são mais ricos e os seus rendimentos têm vindo a acelerar, cavando assimetrias ainda mais profundas em comparação com as classes intermédias e os mais desfavorecidos. Portugal, no quadro europeu, é um dos países onde o indicador de Gini é mais acentuado.

Perante um cenário que convida a uma atmosfera socialmente efervescente, fica surpreendido por não se verificarem convulsões de rua, como se tem visto na Grécia e em Espanha?

É um dado interessante constatar que as pessoas têm aceitado, de forma relativamente serena, o plano de austeridade. Posso avançar com uma leitura: mesmo quem não domina os conceitos económicos reconhece que o aumento do nível e da qualidade de vida foi feito à custa da sustentabilidade económica. Ou seja, vivemos acima das possibilidades, como foi reiteradamente afirmado. Foi uma tese muito martelada e acabou por entrar na cabeça das pessoas.

Os portugueses estão a consciencializar-se que viveram numa espécie de ilusão económica?

De alguma maneira, apesar de eu crer que é uma aspiração humana legítima atingir melhor qualidade de vida, ter acesso ao consumo e obter rendimentos mais elevados, ainda para mais no caso de Portugal em que somos dos países mais pobres da Europa Ocidental. Gastou-se excessivamente, o acesso ao crédito foi demasiado fácil - para o Estado, as empresas e as famílias - o que explica, em larga medida, o défice externo a que chegámos e as condições de endividamento com que nos confrontamos. Penso que deve apontar-se o dedo aos que nos emprestaram dinheiro, sem qualquer critério ou base de sustentação. Quando há uma relação desproporcionada, temos de nos perguntar quem é que a causou, quem é que publicitou e promoveu esse acesso fácil ao dinheiro? Quem beneficiou e quem é que não fez um trabalho de análise competente sobre o credit scoring?

A resposta às suas perguntas é fácil, foram os bancos que emprestaram o dinheiro…

Foram os bancos que emprestaram a quem muito pediu e quem emprestou aos bancos foi o mercado financeiro internacional. Portanto, toda a gente é co-responsável. Não há que iludir as questões.

Critica o papel das agências de rating que acusa de terem desferido um ataque às economias da periferia da Europa, onde se inclui Portugal. Não querendo alimentar uma teoria da conspiração, pensa que na base da instabilidade está uma guerra do dólar face ao euro?

Admito que existam laivos de confronto entre o dólar e o euro. O dólar é a moeda de refúgio internacional. Cerca de dois terços das reservas internacionais em moeda são feitas em dólar, um quarto em euros e o restante num pacote de quatro ou cinco outras moedas. E não é possível escamotear que em certa medida existe um confronto entre os Estados Unidos e a Europa. Nós somos aliados, mas somos rivais. Logo, o clima de briga e disputa não pode ser negligenciado.

DSC00634 cópia.jpgAo cimento económico chamado moeda única faltou um modelo federalista a sustentá-lo?

Sim, sim. Para termos mecanismos mais solidários, nomeadamente o papel do BCE e a sua intervenção em momentos de crise, é preciso haver em simultâneo regras e uma disciplina de coordenação económica e financeira de tipo federal. Espero que a Europa siga por aí, mas se a conjugação das influências se exerce de forma algo desordenada, nada nos garante que assim seja.

É docente do ISEG, tendo como especialidade estratégia organizacional. É uma área fundamental nos dias que correm?

O mais possível. O sucesso de uma organização e a sua competitividade passa muito pelo acerto nas escolhas estratégicas. Por mais eficiência produtiva que uma empresa demonstre ter ou gerar produtos capaz de afrontar a concorrência, se não possuir uma estratégia bem pensada ela nunca conseguirá ser bem sucedida.

A engenharia é um dos cursos com menos problemas de empregabilidade. Pensa que a racionalização dos cursos chegou tarde demais?

Penso que temos de reflectir sobre diversas variantes. Primeiro, estamos perante um pano de fundo em que o desemprego afecta sobremaneira o universo dos recém-licenciados. A crise económica não permite que se gerem os postos de trabalho desejáveis. Segundo, a natureza do curso que os jovens escolhem. Os de índole mais técnica têm, de uma forma geral, mais saídas para o mercado trabalho. Engenharias é um deles. Mas há outros. Houve durante muito tempo a ideia, e a economia acolhia todas estas aspirações, que qualquer que fosse o curso escolhido havia de existir uma colocação profissional. Portanto, muitos escolheram determinados cursos por terem aversão a áreas mais técnicas, onde há cargas de matemática, física, etc. Perante isto, foi natural a fuga para formações de outra natureza, no domínio artístico, social, humanísticos, etc.

E o caos da procura a superar a oferta ficou à vista…

Estas escolhas são legítimas, até porque é importante que um jovem persiga os seus sonhos e a sua vocação, mas não pode esquecer-se, quando escolhe o curso, que amanhã terá de encontrar um trabalho. Ou seja, não pode perder o sentido prático das coisas, por mais constrangedor que isto possa parecer. De há 15 anos a esta parte assistiu-se a uma corrida às ciências da comunicação, as relações internacionais, etc - áreas respeitabilíssimas mas que não munem o jovem de competências específicas que sejam imediatamente integráveis e compatíveis com as necessidades do mercado de trabalho e das empresas. Não se pode estranhar que as mesas dos decisores estejam atafulhadas com CV de pessoas com estas formações.

Um curso de Direito, por exemplo, confere mais versatilidade ao candidato?

Certamente. O curso de Direito tem associado um grau de tecnicidade elevado e que se coaduna com as necessidades do mercado, o que não quer dizer que também não existam licenciados desempregados nesta área. Há outro factor, que não queria deixar de mencionar, que está relacionado com o prestígio das próprias faculdades. As instituições com níveis de exigência e desempenho mais altos são aquelas onde os estudantes conseguem mais facilmente colocação. Não é por acaso que no domínio das principais escolas de economia do país (caso do ISEG, do ISCTE, da Nova, Católica e Faculdades do Porto e Coimbra) a empregabilidade dos jovens saídos das licenciaturas ou dos mestrados é muito elevada. Pedem meças a qualquer escola internacional. Sei, até porque é o caso que conheço melhor, o ISEG tinha uma taxa de empregabilidade superior a 90 por cento.

A massificação do acesso ao ensino superior fez aumentar o número da oferta privada. Os casos da Independente e das equivalências do ministro Relvas na Lusófona contribuem para desprestigiar os alunos que lá se formam?

Bem vê que a capacidade de absorção das escolas públicas é limitada, muito devido aos critérios de exigência e selecção mais apertados que nem todos podem preencher. Por isso, é legitimo que nasça um mercado paralelo, que é o ensino universitário privado. Nada contra desde que observados critérios de exigência e padronização com vista à formação das pessoas. Em certos países, por exemplo, nos Estados Unidos, o ensino privado tem uma qualidade melhor ou equivalente ao ensino público. Quanto a eventuais comportamentos desviantes, a universidade é que fica responsável por eles e terá de sofrer as consequências do facilitismo, deliberado ou inconsciente, na sua relação com o mercado.

Está apreensivo com os cortes anunciados para o ensino superior e com o número de alunos que foram obrigados a renunciar à sua formação por incapacidade económica?

Os estudantes têm sido obrigados a abandonar a faculdade, nomeadamente por falta de rendimentos para liquidar as suas propinas. É uma realidade terrível e um fenómeno preocupante, ainda para mais quando muitos deles têm capacidade e aproveitamento para obterem o seu diploma universitário. Revela bem o estado agudo a que o país chegou. É verdade que uma sociedade e um mercado de trabalho não se resumem a pessoas com diplomas universitários, mas é óbvio que aqueles que acumulam um conjunto de conhecimentos mais elevados tem mais condições para se revelarem profissionais aptos a integrarem-se no mercado de trabalho.

DSC00635 cópia.jpgActualmente é presidente da Mesa da Assembleia Geral do Benfica, depois de já ter sido presidente do Conselho Fiscal. Consegue encontrar explicações para o facto de o seu clube ter perdido a hegemonia futebolística, em termos de títulos, para o FC Porto?

Eu identifico razões normais e razões anómalas. Destas últimas não vou falar, porque são do conhecimento público e geral. No restante, devo dizer que os ciclos de vitórias acontecem em todos os países, em Inglaterra, em itália, etc. Em Portugal verifica-se uma grande polarização entre Benfica e FC Porto, como acontece aqui ao lado, com o Real Madrid e o Barcelona. Desde meados dos anos 80, admito que o FC Porto tem tido mérito, construiu boas equipas, tem demonstrado competitividade, o que explica boa parte dos títulos que conquistou, internamente e além-fronteiras.

Tem acompanhado Luís Filipe Vieira nos órgãos sociais do clube nestes 9 anos que ele leva como presidente. Admite erros próprios de gestão?

Para os mais esquecidos, importa não esquecer que o Benfica ainda não há muito tempo conheceu períodos de gestão muito tumultuosa e até danosa, com episódios e peripécias que fatalmente acabam por se repercutir no aspecto desportivo. Felizmente os sócios puseram cobro a essas situações e fizeram as escolhas certas em termos da liderança dos destinos do clube. O Benfica está bem entregue e a enveredar pelo rumo certo. Em termos desportivos nos últimos três anos fomos campeões uma vez e vice-campeões em duas ocasiões. Espero que o Benfica assuma um ciclo de vitórias consecutivas, partindo de uma correcta gestão dos recursos humanos e de uma eficiente máquina que alimenta o futebol profissional do clube. Estou certo que as vitórias aparecerão com mais frequência.

A marca Benfica é das mais reconhecidas do país nacional e internacionalmente. Em época de carestia financeira, como se conseguem gerir recursos com parcimónia e sem entrar em loucuras, contentando a massa adepta sedenta de vitórias?

É um equilíbrio muito difícil. Os adeptos querem conquistas e para consegui-las é preciso contratar bons jogadores, necessariamente caros. Dantes os clubes tinham um acesso mais facilitado ao crédito, endividavam-se e acumulavam sucessivos défices de exploração, sempre compensados por entradas de dinheiro de diversas naturezas, sem cuidarem muito da sustentabilidade das suas contas. Trata-se de um fenómeno generalizado. Veja que até o Manchester United, que está cotado na bolsa de Wall Street, está longe de ter uma estrutura financeira saudável.

Os direitos televisivos dos jogos do Benfica na Luz terminam para a SportTV, no final desta temporada. Está preparado em 2013/2014 para assistir aos jogos do seu clube noutro canal?

Qualquer que seja a solução a Benfica SAD deve procurar obter o melhor encaixe financeiro. Os mecanismos do mercado televisivo não são transparentes e falta concorrência. Desenha-se, inclusive, uma concentração absoluta. O leque de escolhas deve ser alargado. O Benfica está atento a todas essas circunstâncias e não é parvo. Estamos cientes do valor que esta marca tem em Portugal e fora das nossas fronteiras. O clube não vai deixar transformar-se num simples joguete nas mãos das plataformas televisivas.

Nuno Dias da Silva
Este texto não segue o novo Acordo Ortográfico
Nuno Dias da Silva
 
 
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