Gente e Livros
Mahbod Serji
«Os miúdos correm no
pátio, sobem e descem as escadas, e passeiam-se de quarto para
quarto. Gritam, berram, empurram-se e brigam constantemente. A dada
altura, o Keivan cai e arranha o joelho. Eu, a Zari e a Faheemeh
sentamo-nos ao lado dele para tentar acalmá-lo, mas ele continua a
chorar.
- Sabes, uma vez parti a tíbia em
três lugares e nunca chorei - conto-lhe.
- Porquê, não doeu? - pergunta o
Keivan, fazendo beicinho.
- Oh, doeu pois - respondo - Mas
descobri que chorar não iria fazer a dor desaparecer.
- A sério? - interroga-se o
Keivan.
Levanto os braços no ar,
esforçando-me por me fingir espantado.
- A minha mãe também achou bastante
esquisito. Perguntou: «Como podes partir a tíbia em três lugares e
não chorar?» - a imitação da voz da minha mãe põe o Ahmed a rir-se
ao fundo da sala.
- Então agora ela dá-me uma colher
de um xarope que devia ajudar-me a chorar quando preciso.
- E choras? - pergunta o Keivan,
hesitante.
- Só quando estou a tomar o xarope.
- faço uma careta como se estivesse a beber a poção de urina de
cavalo da minha mãe.
- Já não dói agora, pois não?
- Não. - O Keivan abana a
cabeça.
- Vês, a dor desaparece quando nos
rimos. (...)»
In Terraços de Teerão
Mahbod Serji nasceu no Irão a 18 de
outubro, de 1956. Partiu para a América, em maio de 1976, com 20
anos, com o propósito de obter um mestrado em engenharia civil. O
Irão tinha entrado num processo de modernização e precisava
desesperadamente deste tipo de profissionais. Se dependesse dele, e
não da vontade dos pais, teria estudado cinema, em vez de
engenharia. O objectivo era regressar ao Irão mas o início da
Revolução e a crise dos reféns de 1979, em que 52 diplomatas
americanos foram mantidos em cativeiro durante 444 dias,
impediram-no. A opinião pública americana estava contra o Irão,
contudo, o Irão também tinha queixas contra a América. Os EUA
ajudaram Reza Pahlevi a subir ao poder sendo reponsáveis pela queda
do único primeiro ministro eleito democraticamente na história do
país; colaboraram durante décadas com o regime do Xá e a CIA
treinou a repressiva polícia secreta, a SAVAK
Mahbod Serji trabalhou como
engenheiro civil na Motorola, nos últimos 20 anos.
Soube que queria ser escritor aos
dez anos de idade, quando leu White Fang, de Jack London, sentado
no terraço da sua casa. Foi o primeiro livro que leu e a
experiência mais extraordinária até
àquele momento da sua vida.
Mas teriam de passar mais de 40 anos
para a sua estreia na literatura, aos 53 anos, com o romance
Terraços de Teerão. Em Portugal, o livro está publicado pela
Editorial Presença. Sobre o livro Terraços de Teerão disse o
escritor: « Eu decidi contar uma história sobre amizade e humor,
amor e esperança, experiências universais das pessoas em todos os
tempos e lugares.».
O segundo romance do escritor tem o
título de O Jardim, a Rosa e o Rouxinol.
Mahbod Serji reside em São
Francisco.
Terraços de
Teerão.Anos setenta, o Irão encontra-se debaixo do regime
do Xá Reza Pahlevi. Pasha e Ahmed são dois jovens amigos a viver as
férias de Verão. Eles passam os dias em animadas conversas pelos
terraços da vizinhança. Aqui, encontram um espaço de liberdade,
trocam confidências e apaixonam-se pelas vizinhas. Mas é também
nesse Verão que eles tomam consciência que o país vive debaixo de
um regime implacável, de como são doces e tristes os primeiros
amores e implacável a passagem à idade
adulta.