Paulo Morais, vice-presidente da Associação Cívica – Transparência e Integridade
Corrupção, diz ele!
Matemático de formação, Paulo Morais não
se cansa de apontar o dedo às «centrais de negócios» e a outras
práticas obscuras que, na sua opinião, estão na raiz da crise que
atravessamos. Para os mais céticos, o professor universitário e
vice-presidente da Associação Cívica - Transparência e Integridade,
exemplifica: «Se tivermos um estranho em casa que nos vai
diariamente ao frigorífico roubar um produto, o resultado ao fim de
20 anos é catastrófico».
Devido à sua exposição
mediática, já é apontado na rua como o homem que denuncia os casos
de corrupção em Portugal?
Sim.
Muita gente vem ter comigo na rua. Tanto pessoas de classe média,
que têm a sua vida estruturada, mas que se sentem indignadas, e que
me vêm felicitar pela coragem, como ultimamente tenho sido
abordado por gente mais humilde, que sente necessidade de falar dos
seus dramas pessoais. São pessoas mais idosas, algumas não contêm
as lágrimas, que confessam as dificuldades por que passam em casa.
Eu concluo que ao salientarem a minha atitude, significa que estão
com medo de uma situação social para a qual não estavam
preparadas.
O outro lado da medalha
é a sua presença assídua em tribunais, como testemunha e quando é
visado em processos de difamação, isto para não falar das ameaças
veladas e expressas que lhe dirigem. É difícil estar nesta
luta?
É
fundamentalmente trabalhoso, mas já sabia que o ia ser, assim que
iniciei a minha atividade cívica. Por via da participação
pública tenho hoje intervenções em múltiplos processos. Tenho uma
média de três dezenas entre mãos, sendo coadjuvado pelos advogados
que comigo trabalham. Desde logo como testemunha em processos para
o qual sou convidado e considero relevante para que seja feita
justiça. Só lamento que o nível de eficiência dos tribunais em
Portugal seja muito baixo e se dispense muito tempo à espera com
adiamentos, etc. Sabemos que a justiça é lenta e provavelmente em
2020 estaremos a discutir um processo de 2012. Para além disso,
também participo em processos internos na Ordem dos Advogados,
quando existe litigância, e as partes entendem que eu posso ser uma
parte qualificada, para além dos processos em que sou acusado de
difamação - cerca de uma dezena. Finalmente, eu próprio sou
denunciante de um conjunto de assuntos, nomeadamente de
criminalidade urbanística, o que adiciona mais trabalho no sentido
de apresentar e preparar processos para o Ministério Público. Estou
nesta luta de alma e coração, e quero que saibam que não é pelo
cansaço que me vencem.
Contudo, disse numa
entrevista recente que «precisava de um sinal para não desistir» da
sua luta e que tem um pacto com a sua mulher que se dentro de 3 ou
4 anos não se verificarem avanços no combate à corrupção, abandona
a sua causa. Confirma?
É
verdade. Se não existirem sinais consistentes de que algo está a
mudar terei de sair do país e abandonar esta causa. Sabe, muitas
das acusações que me fazem eu entendo-as como condecorações. Agora,
eu acho que é preciso que o país se modifique e que deixe de se
afundar em cada vez mais pobreza, miséria e desemprego.
No livro que escreveu
«Da corrupção à crise - que fazer?» sustenta a tese de que a
principal causa da crise em que Portugal está mergulhado se
deve à corrupção. Importa-se de concretizar?
A
corrupção está largamente à frente de todas as outras,
representando cerca de 80 por cento da causa da crise, logo seguida
pelo desperdício. Os restantes factores são manifestamente
residuais.
Concorda com o
ex-presidente da CIP, Ferraz da Costa, que disse que Portugal «não
tem dimensão para se roubar tanto»?
A crise
portuguesa pode ser analisada de muitas formas. Há a dívida pública
e privada, sendo que a primeira deve-se, na sua esmagadora maioria,
a casos de corrupção verificados nas duas ultimas décadas. A dívida
pública é, na atualidade, cerca de 130 por cento do PIB, o que é
gigantesco face à dimensão do país.
Que casos de corrupção
mais contribuíram para a dívida pública?
Assim de
repente lembro-me de vários: a Expo 98, o Euro 2004, o BPP, o BPN,
as parcerias público-privadas, etc. Só estes casos, representam
milhares de milhões de euros. É claro que se de forma reiterada,
durante tanto tempo, na administração pública e na política existem
pessoas cujo objetivo é canalizar recursos públicos para um
conjunto de grupos privados, através de um fenómeno a que se dá o
nome de corrupção, o resultado não pode deixar de ser outro.
O «resultado» é o
aumento da dívida pública e a escassez de recursos…
Vou dar
um exemplo doméstico que todos percebem. Se tivermos um estranho em
casa que nos vai diariamente ao frigorífico roubar um produto, o
resultado ao fim de 20 anos é catastrófico. Por isso é que a dívida
pública se deve essencialmente à corrupção. No que diz respeito à
dívida privada, ela não existe porque os portugueses andaram a
gastar acima das suas possibilidades. Isso é outra mentira que
importa desmistificar. A 1 de janeiro de 2009, no início da crise,
68 por cento da dívida privada era de natureza imobiliária.
Alicerçada em compra de casas adquiridas em regime de propriedade
horizontal, é verdade, mas fundamentalmente em fenómenos de
especulação imobiliária, eles próprios sedimentados em corrupção
feita na administração local.
De que modo é que
se processa essa corrupção?
O
esquema é sempre o mesmo. Envolve promotores imobiliários ligados
aos partidos políticos, que compram terrenos agrícolas ou em
reserva agrícola, conseguindo através de uma licença de construção
ou alvará de loteamento, transformando uma qualquer parcela de
território em parcela urbanizada e assim obtendo mais valias
urbanísticas gigantescas. Muitas delas acabam por se destinar ao
financiamento partidário ou a outros mecanismos mafiosos.
Resumindo e concluindo, a dívida privada, à semelhança da dívida
pública, é resultado da corrupção. A primeira deriva de uma
fortíssima, reiterada e continuada corrupção na administração
local, enquanto a dívida pública resulta de uma fortíssima
corrupção na administração central. Perante isto, a corrupção é a
primeira das causas da crise.
A corrupção nas suas
mais diversas modalidades é uma das faces do «pântano» em que diz
que vivemos?
Absolutamente. Atente que o caso concreto do domínio exercido pelos
grandes promotores imobiliários junto das câmaras municipais faz
com que o poder local fique refém e depois os próprios agentes das
autarquias só têm que ter a preocupação única de arranjar negócios
para os promotores imobiliários e, simultaneamente, arranjar
empregos para os apaniguados do partido para garantirem a próxima
eleição. Como? Com o financiamento que resulta dos negócios com os
promotores imobiliários e com os negócios que resultam a nível
intra-partidário de estarem a dar emprego a toda a gente que é dos
partidos. Neste momento, a estrutura de recursos humanos das
câmaras e das empresas municipais é praticamente coincidente com a
estrutura dos partidos a nível local. Assim, compram votos dentro
dos partidos e compram financiamento através de negócios
imobiliários.
Chama a «central de
negócios» ao Parlamento, a casa da democracia, que é entendida por
outros como o «bloco central dos interesses», pela sucessiva
conivência entre PS e PSD, os dois partidos que se vão revezando no
poder. O bem comum está a ser ultrapassado pelos interesses
particulares?
O
Parlamento tornou-se o símbolo máximo desta conivência e
promiscuidade entre os negócios e a política. Mas especialmente
relevante tornou-se o facto de ser na casa da democracia que vão
sendo construídos os mecanismos legislativos e de articulação
política que permitem que os grandes negócios se façam com a
conivência de PS e PSD. Veja o que acontece em várias
comissões parlamentares em que a promiscuidade atinge o seu cúmulo.
As comissões de maior relevância económica são constituídas por
deputados afetos aos grandes grupos económicos. Cerca de 60
deputados, ou seja, quase um terço do Parlamento, são ao mesmo
tempo deputados e administradores, consultores, diretores ou
delegados de grandes empresas ou grupos que mantêm negócios com o
Estado.
A situação que aborda
configura um conflito de interesses?
Naturalmente.
Eles estão no Parlamento não propriamente para resolver os
problemas de quem os elegeu, mas antes para tratar dos negócios das
empresas que lhes pagam. As grandes empresas estão representadas em
S. Bento com deputados que no fundo, são seus lacaios. Estou-me a
lembrar da EDP, a PT, os maiores bancos, etc. Todos têm os seus
representantes no hemiciclo. O nível de ligação de certos deputados
é mais forte às empresas do PSI-20 do que ao partido ou ao distrito
onde foram eleitos.
A exclusividade de
funções seria uma condição obrigatória para o exercício de funções
parlamentares?
Nesta
fase, absolutamente. Chegámos a um tal ponto de pouca vergonha que
a única solução seria a exclusividade total dos deputados.
É para perpetuar esta
escassa transparência que a luta anticorrupção continua arredada da
prioridades dos partidos políticos que passam pelo governo?
Não são
apenas os partidos que exercem funções governativas. Os próprios
partidos da oposição tradicional têm sido coniventes e não
vislumbro uma vontade séria. O PCP e o BE não têm manifestado
qualquer vontade genuína de combate à corrupção.
Encontra alguma
explicação?
A
corrupção não tem partido político. Neste momento é transversal. E
tomou conta do regime. A maior parte das medidas que têm sido
tomadas pelo Parlamento, para além de escassas, são tíbias. Não
adiantam quase nada. Excetuando eventualmente a medida, aprovada na
anterior legislatura, que possibilita o acesso às contas bancárias
através de uma base de dados do Banco de Portugal.
Num dos seus artigos
recentes publicados na imprensa chamou de «bandos» os políticos que
transformaram a «política numa porca em que todos querem mamar».
Esta visão imortalizada por Bordalo Pinheiro é o estado a que
chegámos?
Absolutamente. Neste momento, a política transformou-se numa
grande central de negócios. A política existe e funciona para que
uma série dos seus agentes na administração pública transfiram
recursos para os grupos económicos a que estão ligados, que por sua
vez os recompensam com salários principescos. Aliás, em
Portugal, consagrou-se o princípio de Maquiavel, que dizia, algo
semelhante a isto: se tivermos os 200 atores que dominam o sistema
político devidamente subornados, então conseguiremos dominar o
regime.
Está a dizer que o
regime está amarrado de pés e mãos?
Há
quatro ou cinco grupos económicos que têm 200 ou 300 lacaios que
lhes garantem toda a rentabilidade. No fundo, os grupos económicos
mais poderosos têm, por esta via, um acesso ao Orçamento do Estado,
do qual devem todos os anos 6 a 7 por cento do seu valor,
diretamente.
Não chegam aos dedos de
uma mão os presos por corrupção em Portugal. Defende uma
criminalização de quem pratica uma gestão danosa no erário
público?
Essa
prática já se encontra criminalizada, só que o histórico de
acusações e condenações não tem uma dimensão relevante. Longe
disso. Neste momento encontram-se dois políticos conhecidos em
Portugal que estão presos por via da corrupção e que são Duarte
Lima e Isaltino Morais.
O que
acontece é que em Portugal verificam-se muitos crimes conexos com a
corrupção, quer a nível público ou privado, e que estão
contemplados no ordenamento jurídico português. Vão desde a
corrupção propriamente dita, ao peculato de uso, ao tráfico de
influências, à prevaricação, à gestão danosa, etc. A propósito,
deixe-me dizer-lhe que eu entendo que o enriquecimento ilícito
devia ser criminalizado, até porque daria mais eficácia às
intervenções do Ministério Público.
Mas se o problema não é
de falta de lei, voltamos mais uma vez ao mesmo. Falta vontade para
combater quem prevarica?
Creio
que para haver mudanças substanciais no curto prazo será necessário
criar tribunais especializados na área da corrupção. Isso obrigava
a que esses tribunais fossem obrigados a apresentar num prazo
diminuto, trimestral ou semestralmente, resultados concretos, o que
neste momento não acontece. Por outro lado, era necessário que
houvessem intervenções dos tribunais no sentido da recuperação de
ativos que são furtados à sociedade por via da corrupção.
Quer dar exemplos
práticos dessas intervenções?
Vou
dar-lhe dois exemplos: prédios construídos e que não cumprem normas
de planeamento devem ser demolidos ou expropriados por valor
zero. Em situações como o BPN, em que foram roubados a todos
os portugueses 6 a 7 mil milhões de euros, devia haver uma
tentativa firme de recuperar parte desses ativos junto das fortunas
pessoais daqueles que em 2008, à data da nacionalização do banco,
eram acionistas e os administradores da Sociedade Lusa de Negócios.
Estou em crer que se houvesse uma verdadeira vontade política para
combater a corrupção, o Parlamento legislava, em 48 horas, para
criar tribunais especializados e recuperar ativos furtados.
Oliveira Salazar dizia
que os portugueses tinham uma certa «propensão falcatrueira».
Enveredar por caminhos menos claros é algo que nos está na massa do
sangue?
Não.
Veja que os portugueses não são apenas os 10 milhões que vivem no
«retângulo» e nas ilhas. Temos 5 milhões de emigrantes que andam
por esse mundo fora e que dão cartas e provas diárias. Bastará
lembrar que 25 por cento da população ativa do Luxemburgo, que é o
país mais rico da Europa, é constituída por portugueses. Isto é
apenas um exemplo, mas é revelador da boa integração dos
portugueses e da sua capacidade de trabalho. O que acontece é que
os portugueses funcionam bem em bons sistemas e funcionam mal
quando o esquema e o regime estão mal arquitetados.
Qual é a corrupção mais
destrutiva: a pequena ou a de grande dimensão?
Normalmente, há uma forte correlação entre ambas. Saber qual é que
é a causa e qual é o efeito, é o mesmo que saber a história do ovo
e da galinha. Mas na minha opinião, a pequena corrupção resulta do
facto de as pessoas testemunharem que existe grande corrupção. Há
um provérbio português que exemplifica bem isto: «ou há moralidade,
ou comem todos». Quando se entra nesta lógica, assiste-se a uma
estruturação deficitária do regime. Estou firmemente convencido que
Portugal com um regime sério, com os diversos sistemas de
governação, seja ao nível político e da organização geral do país a
funcionar decentemente, os portugueses comportar-se-iam melhor do
que os suíços ou os finlandeses.
Num país
como o nosso, com uma boa posição geográfica, bom clima, bom mar,
uma história riquíssima e um espólio cultural fantástico, se o
resultado final é tão mau o que está errado é o esquema de
organização e a gestão. Perante isto, só se pode concluir que o que
está a falhar em Portugal é a política e não os portugueses.
Entrando nas perguntas
sobre educação. No artigo a que deu o nome de «desastre educativo»,
traça as gestões dos sucessivos titulares da pasta da educação.
Sintetiza que «à era da despesa sem critério, sucedem-se os cortes
sem critério». Tem sido esta a linha de rumo dos gestores da
educação?
Tem
faltado em Portugal, ao nível da educação, do governo e do
Parlamento uma definição estratégica adequada. E o que é triste é
que mesmo que pessoas que refletem muito sobre educação, como
aconteceu com Guilherme d'Oliveira Martins e o próprio Nuno Crato,
quando chegam a lugares com poder para implementar as políticas que
andaram a defender parece que se esqueceram do que disseram.
Está a acusar o atual
ministro da Educação de falta de coerência?
O
professor Nuno Crato devia ler os livros que ele próprio escreveu.
Se o atual ministro da Educação ler com atenção aquilo que ele foi
escrevendo ao longo da vida tem aí as maiores críticas ao que ele
próprio está a fazer. Admito que esta experiência política, pelos
motivos que aduzi, esteja a ser particularmente penosa para Nuno
Crato.
Crato está a fazer o
contrário do que escreveu?
Não digo
isso. Acho que não está, como se esperaria que fizesse, a
implementar aquilo que andou a defender toda uma vida. No fundo,
vai ao encontro do que tem falhado de essencial no ensino: a falta
de uma estratégia. No ensino básico e secundário devia existir uma
preocupação de uma formação integrada, que ministrasse uma formação
científica aos seus alunos, garantindo a sua formação psico-motora,
através de uma atividade física permanente, como aliás acontece na
maior parte dos países da Europa. Isto já para não falar na
formação psico-afetiva, com a promoção de atividades como a música
e o teatro. Isto seria um sistema de ensino completo à disposição
dos nossos jovens.
O ensino superior é uma
realidade à margem?
O ensino
superior tem uma estabilidade e características muito próprias que
não se encaixam no que eu referi para o ensino básico e secundário.
Nos anos 80, quando a democracia estava consolidada e quando se deu
a integração europeia era o timing perfeito para se começar a
construir um sistema de ensino completo. Um ensino completo
fracassou e os jovens ressentiram-se de não ter uma mente sã
e um corpo são para assimilar a formação científica.
Com a falta de
estratégia e planeamento quem paga é o desempenho escolar de alunos
e professores?
Sem
dúvida. Os professores não têm gabinetes decentes nas escolas para
receber os seus alunos. Perante isto, não acho que tenhamos um
sistema de ensino, o que temos é um sistema de armazenamento de
crianças e jovens em que nalguns intervalos se dá alguma formação
científica. O que a mim me impressiona é o dinheiro que foi gasto
no sistema educativo e os múltiplos estudos que foram encomendados.
No fundo, o que andaram a fazer foi negociar com os sindicatos e,
nem tudo é mau, a operar algumas melhorias e remendos no sistema.
Mas nunca no sentido de operar uma intervenção de fundo.
Os «remendos» e as
«melhorias» são, por exemplo, os computadores Magalhães e a
requalificação da Parque Escolar?
Algumas
dessas intervenções são boas, outras são disparatadas, mas a maior
parte são casuísticas, não resolvendo qualquer problema de
fundo. Melhorar as escolas através da realização de obras
públicas é uma ideia positiva, o que acontece é que a maior
preocupação não foi tanto de melhorar as escolas, mas de fomentar
negócios que poucas mais valias trouxeram ao sistema.
Quer concretizar?
Há
heranças catastróficas e danosas por muito tempo em termos
orçamentais, não tanto pelas obras, mas pelos custos
incomportáveis. Estou-me a lembrar dos candeeiros de autor e de
arquitetos famosos na Parque Escolar, que podem revelar um apurado
gosto estético, mas que estão distanciados daquilo que se pretende
para uma rede escolar. No âmbito da Parque Escolar, temos rendas de
parcerias público-privadas caríssimas que vão comprometer os
orçamentos da educação nos próximos anos e os custos de
funcionamento elevadíssimos, etc. O essencial, como por
exemplo a criação de gabinetes para os professores atenderem os
alunos e os encarregados de educação, ficou por fazer. Pior, é hoje
em dia, não termos claramente definido qual é a função de um
professor. Um docente na Finlândia ou na Suécia tem a sua atividade
previamente estruturada, sistematizada e prevista.
É especialmente crítico
do relacionamento da tutela com os sindicatos. Os ministros têm
sido pouco hábeis no diálogo com as estruturas sindicais?
Eu dou o
exemplo da negociação sindical no tempo de Manuela Ferreira Leite e
as suas consequências orçamentais danosas. Explico: Chegámos a uma
situação em que os docentes no início da carreira ganham muitíssimo
pouco, miseravelmente até, e no final das carreiras apanham-se a
ganhar ordenados elevadíssimos, isto porque foi uma estratégia do
Ministério da Educação de empurrar o problema do pagamento destas
pessoas para a Segurança Social, por via das reformas.
As estatísticas mostram
que os países com melhores índices educativos sofreram menos
recessão. Isto significa que uma educação com pobres resultados é
terreno fértil para as crianças de hoje e os adultos do amanhã
estarem mais suscetíveis e permeáveis a práticas de corrupção?
O grau
de desenvolvimento medido pelos índices das Nações Unidas está
fortemente relacionado com a transparência dos países. Ou seja,
quanto maior for a transparência dos países, ou menor for a
corrupção, se quiser, maior serão os índices de desenvolvimento. É
por isso que o combate à corrupção é estruturante e fundamental. O
investimento em educação é o mais rentável, só do ponto de vista
das finanças públicas, ou seja, numa vertente estritamente
contabilística. Quanto mais formação uma pessoa tem, até do ponto
de vista económico e de gestão de finanças publicas, irá ter mais
habilitações, irá auferir maior salário, irá gastar mais, irá ter
mais património e irá pagar mais impostos. Perante estes
argumentos, querer poupar em educação é um erro.
Uma pessoa mais
preparada e formada é necessariamente mais impositiva e
exigente…
Os
sistemas em que as pessoas são pouco formadas apenas favorecem os
regimes totalitários e que pretendem que as pessoas sejam pouco
esclarecidas. Não é por acaso que temos regimes mais corruptos em
Angola do que na Dinamarca, basta comparar o grau de formação
existente nestes países. Uma das principais razões para a queda do
Muro de Berlim e da "cortina de ferro" foi a formação. As ditaduras
que ministraram muita formação aos seus povos invariavelmente ao
fim de duas gerações acabaram por determinar a queda desses regimes
ditatoriais.
Fazendo apelo à sua
formação em ciências exatas, gostaria que falasse um pouco sobre o
fracasso dos alunos portugueses em Matemática. Como é que se
desmistifica esse "papão"?
Dois
motivos específicos podem explicar o insucesso: O ensino da
Matemática só se obtém pela via da escola. Não se aprende como o
Inglês, a História ou a Filosofia. Para além disso, o ensino da
Matemática é sequencial, implica um encadeamento lógico e natural
de conhecimento, com especial importância para as chamadas bases da
disciplina. Se não se perceber as bases, dificilmente se vai
entender o que virá a seguir.
Ou seja, o trabalho terá
de começar pelos jovens de tenra idade e os resultados não serão
rápidos?
As
consequências de retardar este esforço serão gravíssimas. Os alunos
continuarão a fugir para as áreas das humanidades, não por vocação,
mas simplesmente para escapar à Matemática. São recursos humanos
necessariamente mais frustrados e menos produtivos. Isto tem
efeitos económicos terríveis para a sociedade e para a
economia.
O país
em termos gerais fica carente em termos de recursos humanos nas
áreas das engenharias e da Matemática, com reflexos óbvios em
termos da descompensação da estrutura de emprego e de recursos
humanos. Estou certo que muitos dos desempregados formados em
humanidades, de certo estariam hoje em dia empregados se tivessem
ido cumprir a sua vocação no campo das engenharias, Economia ou
Matemática.
Que soluções advoga?
O nível
de controlo de qualidade teria de ser muito maior na Matemática.
Isso pressupunha uma maior formação a começar pelos próprios
professores da disciplina. Os sistemas de avaliação têm uma
componente muito pequena relativamente à formação científica e
pedagógica dos docentes. Chegámos a este contra senso que é o facto
de termos muitos professores de Matemática, que sabem pouco de
Matemática…
Nuno Dias da Silva
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