Bocas do Galinheiro
Afinal gosta-se de cinema
Na passada sexta-feira,
dia 6, fui ao Cine Teatro ver "A Gaiola Dourada", de Ruben Alves.
Dita assim, a coisa parece banal. Mas não foi. A sala estava
esgotada! Sim, esgotada. Uma sala que leva o dobro dos espectadores
que as falecidas salas do fórum abarcavam, estava cheia. Fiquei
contente. Muito, até. Por ironia da habituação, não reparei que a
sessão começava às 22 horas. Tive que esperar mais de meia hora,
tempo que aproveitei para fazer umas "piscinas" pelas redondezas,
Devesa incluída. Nos bares via-se Portugal a ganhar à Irlanda do
Norte, o que também foi bonito. Mas do que gostei mesmo foi ver
aquele mar de gente a dirigir-se para o Cine Teatro para ir ao
cinema. Com alegria. Afinal, quem disse que os albicastrenses não
gostam de cinema? Parafraseando Vasco Santana. "Ilusão! Desculpe
que lhe diga mas você é um ilusionista!".
Relembro aqui uma folha que correu
na cidade na altura do primeiro filme do Cine-Clube de Castelo
Branco em 1955, onde se podia ler: "todos conhecem a importância do
Cinema na vida moderna. Poderoso meio de expressão e divulgação,
desempenha, tal como a literatura, um papel primacial na elevação
do nível cultural e artístico dos povos." E, digo eu, o povo
respondeu à altura na passada sexta-feira. Não foi a quantidade,
foi a qualidade, foi sentir o gozo que toda aquela gente estava a
sentir e, acabado o filme, ouvir os comentários e o recordar de uma
ou outra cena. A 7ª Arte sempre foi
assim e será. Factor de união, tema de conversa e de
debate.
É evidente que o que se passou com o
filme deste luso descendente, convém recordar que estamos perante
um filme francês, não se vai repetir com frequência. Esta região
foi uma das mais fustigadas com o fluxo migratório dos anos 60 do
século passado. Quem não foi emigrante, filho de emigrantes ou
parente, tem amigos que o foram, ou cujos pais tiveram que ir para
as terras de França à procura de melhores dias. Por isso não
estranha que um filme cujo tema central são a Maria e o Zé (Rita
Blanco e Joaquim de Almeida), ela porteira e ele pedreiro,
emigrantes em Paris há mais de 30 anos, seja uma temática por
demais familiar a toda esta gente. Ruben Alves, não o esconde,
inspirou-se nos pais para fazer o filme. E em boa hora o fez.
Conheço a realidade da emigração, e aquela Maria e aquele Zé
cruzam-se connosco todos os dias, os que regressaram, ou estavam cá
de férias aquando da estreia do filme, a 1 de Agosto. Daí que
também não estranhe que a fita já tenha sido vista por quase meio
milhão, o que faz dela um dos filmes mais vistos do ano em
Portugal. Não só pela nostalgia, mas também porque o realizador
soube tirar partido dos pequenos tiques das nossas comunidades para
fazer uma comédia que, aqui e ali, nos faz lembrar as velhas
comédias portuguesas que Ruben Alves terá visto, ou os pais
contaram-lhe; dantes contavam-se os filmes, de que a citação da
festa em casa do vizinho asiático, que deixou as chaves ao filho do
casal, e este para parecer aquilo que não é, usa como sua, é um dos
vários exemplos que poderíamos aqui trazer. E, tal como nessas
intemporais comédias, a verdade vem ao de cima, e o perdão
acontece. Fácil e eficaz. Uma realização competente, uma boa
direcção de actores, afinal a receita para um filme de sucesso.
ENCONTRADO PRIMEIRO FILME DE ORSON
WELLES
A boa notícia, foi divulgada assim:
um filme perdido do realizador norte-americano Orson Welles, que se
acreditava ter sido destruído em 1970 num incêndio, acaba de ser
encontrado num armazém, em Itália. 75 anos depois de ter sido
filmada, a película vai agora chegar ao público, avançam as
agências internacionais.
O filme mudo "Too Much Johnson", uma
paródia cómica realizada antes de Welles chegar a Hollywood para
filmar "Citizen Kane," foi encontrada numa caixa de um armazém da
Cineteca del Friuli, na cidade italiana de Pordenone, disse
Giuliana Puppin, uma porta-voz daquela entidade, citada pela
AP.
A forma como a película de 35mm terá
chegado a Pordenone é um mistério que continua por esclarecer. A
responsável daquela sociedade dedicada à Sétima Arte explicou que a
caixa não tem qualquer etiqueta ou documento que aponte para a sua
origem.
O filme "Too Much Johnson" é
protagonizado por Joseph Cotten e está filmado de um modo que segue
de forma muito aproximada a peça teatral do mesmo nome, revelou
Circo Giorgini, um italiano especialista na obra de Welles que
identificou a obra, há cerca de três anos. O filme não está
terminado e nunca foi exibido publicamente.
Embora a existência do filme fosse
conhecida, acreditava-se que a fita tinha sido destruída durante um
incêndio na casa que o realizador tinha em Madrid, Espanha, em
1970. Mas na verdade não se sabia ao certo quantas cópias tinham
sido feitas.
Giorgini percebeu imediatamente que
estava perante a película perdida, quando viu que a estrela do
filme era o ator Cotten. "Foi como encontrar um quadro perdido de
mestre, como por exemplo Caravaggio, que ninguém sabia existir",
salientou, acrescentando que este filme confirma o talento de um
jovem realizador, na altura com apenas 20 anos.
O filme foi restaurado com apoios de
entidades norte-americanas e vai ser exibido, pela primeira vez, no
dia 09 de Outubro, num festival dedicado ao cinema mudo, que
decorre Pordenone.
Até à próxima e, que viva o
cinema!