“Fado atravessa gerações”
É uma
das vozes incontornáveis do fado contemporâneo. Há quase 20 anos
que Mafalda Arnauth encanta gente em todo o país e no estrangeiro,
por obra de uma singular portugalidade que não se fecha ao
mundo.
Está
a percorrer o país em concertos. Qual tem sido a reação por parte
do público ao mais recente álbum «Terra da Luz»?
Este último álbum é o sétimo
da minha carreira, por isso os concertos acabam por refletir todos
os discos, não apenas o mais recente. O que noto neste disco é que
as pessoas recebem-no muito bem como acrescento, como uma pitada
diferente que trago ao meu repertório. Embora haja uma certa
coerência com aquilo que tenho vindo a fazer, o meu público sabe
que nunca opto por um repertório muito óbvio. Defendo e aprecio o
fado, mas defendo acima de tudo a música portuguesa e a
criatividade. O disco é também uma forma de impulsionar a ideia de
luz, como o próprio título indica, para contribuir para um espírito
mais positivo, que nos faz falta.
Tem 7
discos editados. Está satisfeita com a dimensão que a sua carreira
atingiu?
Estou satisfeita com uma
coisa que sempre me pareceu impossível, que é fazer 20 anos de
carreira no próximo ano, e há 10 anos ou mais que a minha vida é
exclusivamente o fado. O privilégio de ter tantos anos de carreira
e de viver da música, não acontece com a maior parte dos artistas
portugueses. Sempre assumi um certo risco nas escolhas que fiz em
termos de repertório, e sei que isso tem muitas vezes consequências
em termos de popularidade. No meu caso tenho o meu público e ainda
muito público a quem apresentar aquilo que faço. Sinto-me feliz
pela liberdade que me permite ao longo destes 20 anos ter podido
ser quem sou e ainda ter muito caminho pela frente.
A sua
carreira tem uma dimensão internacional. É gratificante o
reconhecimento obtido lá fora?
A faceta internacional é uma
experiência única. É tão refrescante ir ao encontro de um público
que é de alguma forma puro na sua forma de ouvir o fado! São
pessoas que estão abertas a escutar a música em todas as suas
nuances, e sem grande espaço para comparações, acabam por ser muito
generosas. O trajeto internacional é essencial para abrir
horizontes e até para relaxar - o publico português acrescenta-nos
pressão porque sabe aquilo que está a ouvir. Já o público
internacional não tem ideias preconcebidas e, por isso, possui uma
certa leveza e frescura.
Qual
foi o ponto mais complicado e aquele que lhe deu mais gozo nas
quase duas décadas de atividade?
O ponto mais complicado é uma
constante, e tornou-se mais presente quando eu tomei consciência
dele. É responder à questão "o que é que eu agora vou dar ao
público?". Acontece quase sempre que se prepara um disco novo, mas
também acontece em palco, quando a pessoa já percorreu o país todo
e tem que se reinventar porque o público precisa. Mas sem perder a
essência. O desafio é esse, sentir a cada dia que estou a ser o
mais honesta possível com o público e com aquilo que gosto de
fazer.
Viveu
o interesse crescente despertado pelo fado nos últimos 20
anos.
Absolutamente. Hoje em dia o
fado é uma realidade que atravessa todas as gerações. Deixou de ser
música para pessoas mais velhas, pois há muitas crianças e
adolescentes a ouvir fado. Essa é uma conquista imensa da nossa
cultura, da nossa identidade e do nosso país. Mas também é urgente
entendermos que Portugal tem música para além do fado. Temos muitas
vozes, muitos músicos e muita criatividade. O fado não tem de ser a
identidade de todos os compositores portugueses, é essencial
guardarmos espaço nos nossos ouvidos e no nosso coração para tudo o
que é música portuguesa.
Os
seus discos estão disponíveis na plataforma Spotify. Como vê a
associação do fado às mais recentes tecnologias?
O fado só tem a ganhar com
isso. No fundo é abrir os horizontes em termos de exposição e de
acessibilidade. Mais importante se torna quando hoje em dia se fala
tanto de pirataria, no facto das pessoas não entenderem a
importância de retribuir quando se adquire música. Disso
importância para o país continuar a ter uma industria de música.
Estas novas plataformas tornam as coisas legais e muito mais
justas.
Vários novos fadistas têm apostado em cruzamentos musicais
com outros géneros. Como encara esse fenómeno?
Adoro comunicar e acho que
podemos fazê-lo a falar ou a cantar. Se cantamos em outros idiomas
ou em formas de músicas diferentes não importa, desde que seja uma
comunicação fluida e aberta. São "conversas" normais que decorrem
do fado ter hoje um estatuto de música digna e com
qualidade.
Hugo Rafael (Rádio Condestável)
Texto: Tiago Carvalho
Site Oficial