Rui Veloso, em entrevista minutos depois do seu último concerto
«Patriotismo ainda não é uma palavra vã»
Em entrevista após o último concerto antes de
suspender temporariamente os espetáculos ao vivo, na Feira do
Pinhal em Oleiros, Rui Veloso mostra-se desencantado com a
realidade de Portugal. O músico adianta, porém, que está já a
trabalhar num novo álbum.
Enquanto cidadão está muito preocupado com a situação
financeira do país?
Não estou só preocupado com a
situação financeira e económica do país, estou preocupado com o
país em geral. Não apenas com as situações recentes, mas há muitos
anos. Não tenho visto o país evoluir. Talvez o momento que vivemos
leve as pessoas a abrir os olhos e a ver que este país tão pequeno
tem possibilidades de se encontrar consigo próprio e ser um pais
mais decente. Os responsáveis pelo país, sejam eles quem
forem, têm de ter respeito pelos portugueses. Não me parece que
haja razão para que 40 anos depois do 25 de Abril, o país esteja
neste impasse que se verifica nos últimos 5 ou 6 anos. Acho uma
vergonha, mas mantenho a esperança que as coisas melhorem
substancialmente. A corrupção é endémica, está instituída. A
resposta tem de vir dos responsáveis políticos, senão um dia destes
não temos em quem votar. Não votamos em ninguém.
No
mais recente álbum [«Rui Veloso e Amigos»] teve a colaboração de um
leque muito diversificado de convidados. Foi interessante trabalhar
com músicos tão diferentes como o Camané ou os Expensive
Soul?
São todos meus amigos. Nesse
disco escolhi trabalhar com pessoas com quem tenho relações não só
musicais, mas também pessoais. São músicos e cantores e que admiro.
O conceito funciona até como mensagem para os políticos, visto que
somos pessoas de universos musicais diferentes, mas conseguimos ter
um objetivo comum. Os políticos têm de fazer a mesma coisa:
unirem-se e trabalharem em função de um objetivo, nomeadamente do
país e dos portugueses. Patriotismo ainda não é uma palavra
vã.
No
horizonte há já planos para um novo disco de originais?
Sim, já estou a trabalhar num
disco de originais. Será um álbum feito com muita calma e onde vou,
porventura, surpreender. Vou trabalhar com pessoas com que
eventualmente o pessoal não está à espera.
A RTP
exibiu recentemente a série «Os Filhos do Rock» sobre o início da
era do rock em Portugal. Sendo o Rui Veloso para muitos o «pai do
rock português», que pode dizer sobre aqueles tempos?
Quando o meu primeiro disco
saiu, eu tinha 22 anos [«Ar de Rock» em 1980]. Era muito miúdo e o
país era tão diferente! Demorávamos imenso tempo a chegar aos
sítios, os palcos eram ridículos, o som era mau... andávamos um
bocado a desbravar o caminho. Não só eu, mas todos [os músicos] de
então. São épocas muito diferentes e não é fácil resumir esse
período em poucas palavras, mas uma coisa posso dizer: não tenho
muitas saudades desse tempo, prefiro o agora.
E
como vê a evolução da música? O surgimento de novos estilos
musicais, a passagem do rock para segundo plano?
Não sou propriamente um
músico de rock. Fiz coisas muito diferentes, os meus discos assim o
dizem. Portugal tem música muito diversificada, estamos numa zona
de confluência de influências de todo o lado, desde a América, a
África ou mesmo a Ásia. Portugal é um país que não aposta muito na
cultura, mas temos muitos bons valores, por isso a música tem
evoluído muito bem. Isto apesar de todos os problemas que existem à
volta da música, e das imitações, concursos, DJs... Tiram trabalho
a pessoas que andaram a trabalhar durante muitos anos para chegarem
a um determinado sitio. Hoje em dia parece que não há mestres. É
talvez o que falta.
Hugo Rafael (Rádio Condestável)
Texto: Tiago Carvalho