‘Pedagogia (a)crítica no Superior’ (XV)
«Aprendi muito com os meus
mestres, mais com os meus companheiros e mais ainda com os meus
alunos.»
(Talmude)
Mais um ano lectivo. O regresso
às aulas, no ensino superior público, não trouxe novidades de
monta. Os governos mudam, mas os orçamentos insistem na contenção.
Consequência, investimento zero: o edifício não tinha tido
intervenção alguma (lá voltaríamos ao ping ping das primeiras
chuvas), não houvera up-grade no hardware
informático, o corpo docente igual ao ano transacto (não há lugar
para gente jovem no sistema), os sobreiros continuam a estiolar… De
diferente só mesmo a leva de estudantes de 1º ano. Havia sempre
alguma expectativa em relação às colocações de início de Setembro
(se corressem bem nos vários cursos, seriam umas 180 caras novas).
Mais que as suas fisionomias, a curiosidade prendia-se com os seus
perfis psicológico, cultural, cívico e de aprendizagem.
O Prof.S. recordou-se então de
uma série de tipologias de estudantes: cábulas - marrões (a mais
tradicional); futricas - caloiros - veteranos - doutores (da
bafienta Universidade de Coimbra de outras eras); marrões - bacanas
- graxas - baldas (Machado Pais, Culturas Juvenis,
1993).
Na sua já longa carreira, o
Prof.S. (exemplo fidedigno de «professor reflexivo») tem observado,
de forma crítica, a evolução do comportamento dos estudantes,
apreciado reacções, ajuizado atitudes, avaliado condutas. Os tempos
têm cambiado (e de que maneira) e os estudantes também. Apesar das
'mudanças de espuma' (muitas) e das 'mudanças estruturais'
(poucas), havia condutas que se mantinham quase inalteráveis;
continuava a fazer sentido o conceito que ele criara - Homo
Scholaris. Tendo por base a sua experiência empírica, o
Prof.S., encetou uma análise sistemática conducente à
categorização, não da performance escolar ou dos clássicos
'desenvolvimentos" (psicológico, cognitivo, moral, educacional…),
mas dos comportamentos de alunos no seu relacionamento com o
professor. E elaborou a tipologia dos quatro A's:
Fase 1 - Afrontar
Fase 2 - Aproximar
Fase 3 - Apomadar
Fase 4 - Apartar
A fase 1 - Afrontar,
coincide com o início das aulas; o estudante intervém muito,
colocando perguntas (pretensamente difíceis), fazendo comentários
(alegadamente pertinentes). Como não conhece o professor (nem a
cultura escolar, no caso de ser caloiro), desafia-o (na sua
tolerância), testa-o (no seu saber), para ver como ele reage. Em
suma, vai puxando a corda… É a fase de estudo do
'adversário'.
Já na fase 2 -
Aproximar, o aluno procura quebrar o distanciamento.
Quando a aula acaba, fica para dar mais uma palavra ao professor,
colocar-lhe uma dúvida, pedir um esclarecimento adicional; e no
arrastar da conversa, acaba por o acompanhar até ao gabinete
(mostrando assim aos colegas a 'proximidade' com o Prof.). Fora da
sala de aula, sempre que se cruza com ele, cumprimenta-o
efusivamente. Envia, com frequência, e-mails ao professor
solicitando-lhe apoio. Esta é a etapa mais profícua do
relacionamento.
A fase 3 - Apomadar
(termo pedido de empréstimo a Ruben A., Páginas V, 2000: 116),
equivalente na gíria estudantil ao 'dar graxa' ao professor. Nesta
etapa, mais intensa no período das avaliações finais de semestre,
mais que perguntas há elogios. Prontifica-se para tarefas 'menores'
(ligar o computador e o data show da sala, entrar na
moodle e, finalizada a aula, até se oferece para apagar o
quadro, e levar o cavalete se for caso disso). Arranja pretextos
constantes para demonstrar o seu «enorme interesse na matéria» e
não cessa de perguntar isto e aquilo; enfim, quer mostrar que está
sempre 'presente'.
Esta fase 4 - Apartar,
inicia-se após a conclusão da uc. Depois do lançamento das notas, o
que passou com classificação baixa entra rapidamente neste processo
de afastamento que se vai acentuando até ao 'desconhecimento'; ou
seja, quando o docente se cruza com ele, nos corredores da escola,
já nem se digna cumprimentá-lo (está seguro que ele não voltará a
leccionar mais nenhuma uc do plano de estudos). O bom aluno escapa,
com mais frequência, a esta etapa.
Obviamente, nem todos os estudantes passam por estas quatro
fases com um só docente e num só semestre. Mas raros são aqueles
que, durante o curso, não acabam por manifestar estes 4A's. Ao
professor cabe descodificar os comportamentos associados a cada
fase e acomodar-se, mostrando poder de encaixe e fazendo sempre uso
desse precioso auxiliar pedagógico - o 'espelho'. Devolver a imagem
aos estudantes é um bom caminho para a sua auto-
regulação.