Bocas do galinheiro: Eles vão desaparecendo
Os últimos meses têm sido maus para
o cinema. À semelhança desta época de ciclones que tudo arrasam à
sua passagem, a Parca vêm atacando alguns vultos do cinema, desde
logo dois actores de que gosto especialmente, Jeanne Moreau, uma
enorme senhora do cinema francês, e não só, Jerry Lewis, o rei da
comédia, ou o grande "clown" e Roger Moore. A primeira, falecida no
passado dia 31 de Julho, recordo-a de uma mão cheia de filmes,
desde logo "Ascenseur pour l'échafaud" (Fim de semana no ascensor,
1958), a primeira longa metragem de Louis Malle, um realizador
muito perto da Nouvelle Vague, que começou como assistente de
Robert Bresson em "Fugiu um Condenado à Morte", de 1956. Confesso
que olho para esta fita não só pela trama policial sobre a história
de dois amantes, Florence Carala (Jeanne Moreau) e Julien Tavernier
(Maurice Ronet), que planeiam matar o marido dela, mas
essencialmente pela genial banda sonora composta por Miles Davis, e
tocada por Miles na trompete, acompanhado por Barney Wilen no
saxofone tenor, René Urtreger no piano, Pierre Michelot no
contrabaixo e Kenny Clarke à bateria. Um quinteto de luxo que
protagoniza uma das melhores simbioses entre o cinema e o jazz.
Também de Malle protagoniza em 1960, "Os Amantes", filme escândalo
à época, "Jules e Jim", de 1962, realizado por François Truffaut, à
volta de um triangulo amoroso, em que a actriz contracena com Oskar
Werner e Henri Serre, ou "Diário de Uma Criada de Quarto", dirigido
em 1964 por Luis Buñuel, baseado na novela de Octave Mirbeau.
Podíamos estar aqui a desfiar a enorme quantidade de filmes que
protagonizou, para além de uma carreira brilhante no teatro, foi
presidente do Festival de Cannes, mas não seria normal não referir
que uma das suas últimas aparições no grande écran foi sob a
direcção de Manoel de Oliveira, em "O Gebo e a Sombra", de 2012,
adaptação da peça de Raul Brandão, onde entram ainda Claudia
Cardinale, Michael Lonsdale e os portugueses Leonor Silveira, Luís
Miguel Cintra e Ricardo Trêpa.
Jerry Lewis, desaparecido no
passado dia 20 de Agosto, por seu lado, foi um caso único de
popularidade na última metade do século XX, principalmente nos anos
60, e um dos comediantes americanos mais queridos, principalmente
fora da América. Em casa o êxito está ligado ao momento em que
iniciou uma parceria marcante com Dean Martin na célebre "The
Colgate Comedy Hour" e mais de uma dezena de filmes, a maioria
dirigidos por Frank Tashlin e Norman Taurog. Desfeita a dupla, dez
anos depois, são os filmes realizados por Lewis que mais me
seduzem, desde logo esse genial "As Noites Loucas do Dr. Jerryl"
(The Nutty Professor, 1963) ou "Jerry no Grande Hotel" (The
Bellboy, 1960). A partir dos anos 70 a sua popularidade começa a
decair e nem mesmo "O Rei da Comédia", realizado por Martin
Scorsese em 1982, em que contracena com Robert De Niro, teve o dom
o relançar. Em 1983 ainda realiza e protagoniza "Smorgasbord"
(Jerry Tu és Louco), com Sammy Davis, jr., um incursão nos
multipapéis, e pouco mais.
Por seu lado Roger Moore, como soi dizer-se, apesar de não vir
muito a propósito, é um actor que "dispensa apresentações". Foi
Bond, James Bond, mesmo que não tivesse feito mais nada. Mas antes
de ter licença para matar já eu o via na televisão, a preto e
branco, na pele de Simon Templar, o inesquecível "O Santo". E não
foi o primeiro nem o segundo 007 que me levou a mudar de ideias.
Sean Connery à parte, comparando com os restantes, o Bond de Moore
é de facto o que imaginamos que seja aquele tipo de personagem, um
duro, mas com algum humor à mistura, em histórias rocambolescas e
situações inverosímeis que só com muita ironia suportamos. Foi o
agente secreto em 7 filmes, durante 12 anos. Pelo meio entrou
noutras fitas, alguns filmes de guerra e uma ou outra comédia aqui
e ali. Morreu em Maio, mas só agora o recordamos. Estaria sempre a
tempo.
Outra figura que nos deixou foi Sam Shepard, a 27 de Julho.
Essencialment
e dramaturgo, recebeu o prémio
Pulitzer em 1979, foi argumentista, ou co-argumentista numa série
de filmes, desde logo de "Renaldo and Clara, realizado por Bob
Dylan (1978), "Paris Texas", de Wim Wenders (1984), "Fool For Love"
(1985), de Robert Altman, no qual também é actor, "Silent Tongue"
(1993), que também realiza, tal como "Far North" (1988),
protagonizado por Jessica Lange, sua companheira de muitos anos ou
"Buried Child", de 2016. Como actor participou em vários filmes,
sendo que com "Os Eleitos" (1983), de Philip Kaufman, foi mesmo
nomeado para o Oscar de melhor actor secundário.
Do lado dos realizadores, Agosto foi um mês fatal, a 26 morreu
Tobe Hooper, um dos mestres do terror, filmes-Z, das décadas de 70
e 80 do século XX, descoberto com "Massacre no Texas" (1974), o tal
dos canibais e da motosserra. Tem o seu maior êxito comercial com
"Poltergeist", de 1982, com a participação no argumento de Steven
Spielberg. Acabou por ficar "colado" ao género, sem todavia ter
conseguido igualar aqueles dois, apesar de ainda ter dirigido "
Massacre no Texas 2", em 1986. Mas antes, a 26 de Julho, finou-se
outro grande vulto dos horror movies: George A. Romero, que com o
seu "A Noite dos Mortos-Vivos", de 1968, foi percursor no tema dos
zombies, hoje um filão, mas que Romero explorou até ao seu último
filme, "Survival of the Dead", de 2009.
Outros se foram, mas não podemos falar de todos. Talvez venham a
propósito de outros temas. De qualquer forma ficarão para sempre
nos seus filmes.
Até à próxima, com bom cinema!