Opinião

‘Pedagogia (a)crítica no Superior’ (XXV)
Sabática

luis-souta.jpeg«A minha vida foi sempre pontuada por uma deliciosa relação com as pausas»

(Lúcialima, Maria Velho da Costa, 1983: 271)

Este era um ano lectivo diferente para o Prof.S. Iria 'gozar' uma licença sabática  (a última tivera-a há 26 anos!) O contexto jurídico, entretanto, alterara-se profundamente: a primeira, fora obtida ao abrigo de um Estatuto da Carreira que previa a dispensa até seis meses, em cada triénio de funções, «por motivos de actualização científica e técnica» (artº 36º do D.L. nº 185/81 de 1 Julho); a actual, decorria de um concurso interno (entre o corpo docente das várias escolas do Instituto) que impunha a realização de um projecto de investigação. Passou-se assim de um direito profissional para uma hipótese dependente da vontade política dos órgãos dirigentes da instituição, da disponibilidade financeira existente e de um processo de concorrência entre pares. Exige-se agora, iniciativa dos docentes (uma espécie de 'empreendedorismo académico') e criatividade no design do projecto. Só que uma investigação séria não se compagina facilmente num semestre escolar: «A ciência precisa de tempo para pensar, de tempo para ler e de tempo para falhar» (Slow Science Manifesto, 2010). O tempo é, aqui, uma questão fulcral; o fast pode encher o olho mas as suas conclusões correm o risco de não irem além do óbvio e de produzirem apenas 'mudanças de espuma'.

Todos os docentes, de todos os níveis de ensino, deveriam usufruir de uma dispensa sabática, ao longo da sua carreira. As vantagens daí decorrentes seriam enormes quer para o professor quer para a escola a que pertence, designadamente os seus alunos. Nesse período de 'pausa' (o ideal seria um ano e não apenas um semestre) é expectável que o professor, ao distanciar-se do quotidiano escolar, direccione os seus esforços intelectuais em actividades a que, até aí, não tem podido dar a atenção devida, em virtude do tarefismo burocrático que grassa hoje em todo o sistema de ensino, esgotando-se num dia-a-dia em que, na maior parte das vezes, não produz nada de relevante em termos profissionais.

A maioria dos docentes ocupa o seu tempo de trabalho numa intensa actividade lectiva (preparação das aulas, leccionação, acompanhamento e avaliação de estudantes), e muito também no paper work e na reunite. A investigação, a produção artístico-cultural, e a reflexão científico-pedagógica são, em consequência, descuradas. O período de sabática seria assim uma forma de equilibrar as (multi)funções docentes permitindo-lhes produzir aquilo que mais valorizam ou para o qual demonstram maior apetência - a escrita de um livro, a produção de uma obra artística, a realização de uma investigação ou a intervenção numa empresa ou organização social.

Percebe-se, em certa medida, que instituições jovens, como aquela em que o Prof.S. trabalha, procurem direccionar as sabáticas para a área mais deficitária da sua missão - a investigação (tout court, sem a adjectivação que os governantes lhe querem impor - experimental, orientada, aplicada). Seria antes preferível que o leque de opções, para o docente desenvolver, fosse mais amplo, desde que estivesse sempre assegurada a realização de um 'produto' científico-cultural ou a 'prestação de um serviço' comunitário (transfere de know-how da academia para a sociedade civil).

No caso concreto dos docentes das escolas superiores de educação, responsáveis pela formação de professores e educadores, as sabáticas podiam ainda permitir a leccionação mas noutro nível de ensino. Tal dispositivo (que implicaria articulação entre os dois ministérios que tutelam o Sistema Educativo português) ajudaria a reduzir os males decorrentes do afastamento dos professores do Superior da realidade escolar concreta -  a do Básico e Secundário - já que a supervisão de estágios só, em parte, mitiga esse distanciamento. Por sua vez, para as escolas da rede pública a estadia (mesmo que temporária) dos docentes universitários ou do politécnico seria, indubitavelmente, um plus na qualidade dos seus recursos humanos.

No entanto, ao que sabemos, de fonte segura, o Prof.S. que pensa aproveitar, ao máximo, esta 'pausa' lectiva não deixará de continuar a cumprir as suas funções editoriais, nomeadamente neste jornal.

Luís Souta
Este texto não segue o AO90
luis.souta@ese.ips.pt
 
 
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