Na vanguarda tecnológica
Explica ao grande publico, de forma simples e
acessível, como é que a tecnologia muda as nossas vidas. Lourenço
Medeiros, editor de novas tecnologias da SIC, aborda o lado
virtuoso e pernicioso das invenções do ser humano.
Intitula-se como um «divulgador de novas tecnologias» e
não como um técnico. Afinal, quem é o Lourenço Medeiros que entra
pela casa dos portugueses?
A minha paixão é mesmo mostrar o que está à acontecer, e não
apenas na área informática, mas em especial no domínio científico.
O que me tem dado prazer é descobrir que tem de haver uma ponte
entre um informático e um cientista e as pessoas que, à partida,
não vão à procura destas temáticas. Mas, no fundo, são matérias que
dizem respeito a todos nós, mesmo os que se auto-denominam
info-excluídos e até com os que se assustam com a linguagem
informática ou científica. Por coincidência, eu tenho um enorme
prazer em falar sobre estas matérias. Junta-se o útil ao agradável.
Ou como é comum ouvir-se, faço uma coisa que gosto e ainda me
pagam.
A crescente sofisticação tecnológica é um maravilhoso
mundo novo por descobrir. Das muitas feiras e eventos nos quais
participa consegue eleger a novidade mais surpreendente com que se
deparou?
Na minha carreira, não tenho dúvida em afirmar que a invenção mais
espantosa das últimas décadas foi a internet, incluindo a world
wide web, e em especial quando se tornou acessível à maior parte
das pessoas. Basta pensar o que era o mundo antes da internet. Mas
eu com 55 anos consigo espantar-me com alguma facilidade. Sou
aquele tipo que olha para um avião, que já existia quando eu nasci,
e sou capaz de ficar pasmado perante aquele objeto, eu que já fiz
centenas e centenas de voos.
A tecnologia é hoje, claramente, um prolongamento do ser
humano. Aqui e ali a utilização não pecará por
excesso?
Não é só aqui e ali, constantemente há uma tendência para exagerar
em tudo o que fazemos. A nossa sociedade não consegue acompanhar a
velocidade da tecnologia nos dias que correm. E isso torna-se um
problema. Mas também é verdade que a expansão e a globalização da
comunicação acaba por amplificar o efeito tecnológico. Vivemos num
tempo em que a catadupa de informação que circula nunca foi tão
acessível a tanta gente, como agora.
Mas, se me permite, aí entra o debate entre o que é
informação, nem sempre útil, e o que é conhecimento…
Claro. Vem ganhando peso a teoria da aparente não necessidade de
acumular conhecimento em nós próprios. Mas o chamado «empinar» e o
decorar de determinadas matérias, por exemplo, é importante, até
certo ponto, na medida em que ensina a digerir o conhecimento. Esta
coisa de que se preciso de saber um factóide qualquer, entro na
internet e fico a saber, não nos dá o treino que um determinado
tipo de estudo mais intenso pode dar. Temos a sensação de termos
toda a informação que precisamos na ponta nos dedos, mas se calhar
não temos o conhecimento que precisamos sobre ela.
A Apple é, provavelmente, a marca mais icónica em termos
universais e que tem seduzido milhões. Também se rendeu ao fascínio
da marca da maçã?
Eu sou fascinado por todas as marcas. Eu utilizo qualquer marca,
seja da Apple ou de outras. É assim o meu trabalho. Tenho pena que
nos telemóveis o sistema operativo da Microsoft não tenha vingado,
fazia falta um terceiro oponente. O que eu gosto é de estar
constantemente a saber o que é que a Apple, a Google ou o Android
fazem de novo. A Apple operou várias revoluções, mas não foi a
única. Conseguiram, por exemplo, que os telemóveis fossem
completamente transfigurados, mesmo os de gama mais fraquinha. Nos
computadores, por exemplo, acho que o Windows é que mudou quase
tudo - talvez por isso continue a ser o mais usado no mundo. Em
resumo, a Apple domina em termos de imagem de marca, enquanto a
Google marca mais profundamente em termos de influência na nossa
vida quotidiana. Basta ver que devem ser poucas as pessoas que não
têm um endereço eletrónico Gmail.
O acesso aos nossos dados privados por
parte destes gigantes é, para si, uma preocupação, enquanto
utilizador?
É, sobretudo, um problema de transparência da parte deles e de
aprendizagem por parte dos utilizadores. E insistimos em não
aprender. Não me assusta que o Google saiba imenso de mim. Os
algoritmos acabam por ajudar a minha vida. Desse ponto de vista,
não me assusta a privacidade ou a falta dela. Assusta-me mais
quando os políticos se metem nisso e criam leis fazendo parecer
crer que estão a controlar as empresas privadas às quais compram
serviços. O escândalo da Cambridge Analytica baseia-se, no fundo,
no que os políticos tentam fazer há muitos anos, mas usando a
internet: influenciar as pessoas diretamente. Os políticos
demonstrarem a sua ignorância é grave e uma forma de sacudir a água
do capote, porque eles próprios têm interesse em que essas
campanhas manipuladoras existam. Como é óbvio, os políticos são os
primeiros a terem interesse na manipulação do eleitorado.
Esteve recentemente em Silicon Valey. Como foi a
experiência na sede do Facebook? Cruzou-se com Mark
Zuckerberg?
Não me cruzei com o Sr. Zuckerberg e confirmei que o Facebook
preza muita a sua privacidade. Foi absurda a forma como não nos
deixaram filmar boa parte das suas instalações, controlando de uma
ponta a outra o trabalho dos jornalistas. A sensação de liberdade
foi muito reduzida. Mas constatei uma realidade empresarial muito
interessante na relação com os colaboradores: desde refeições
gratuitas, oficina para arranjar bicicletas, jogos, massagens, etc.
Têm uma aparente descontração naquilo tudo. Mas é apenas aparente,
porque na verdade cada pessoa é muito responsabilizada pelo seu
trabalho. Uma coisa inusitada é ver tanta gente na rua, em grupos
de três e quatro pessoas, a passear junto ao edifício em horário
laboral. Sabe o que estão a fazer? Reuniões de trabalho informais,
em andamento. Nenhuma destas empresas é um parque de diversões.
Praticam uma lógica laboral informal, mas muito responsabilizadora
dos seus profissionais. Trata-se de um exemplo fantástico para
aquelas empresas cinzentas, em que os seus colaboradores vestem
todos fato e gravata, frequentam reuniões muito pouco produtivas e
depois dizem para o exterior que são empresas muito
responsáveis.
Fala-se bastante de inteligência artificial e robotização
e da ameaça que as máquinas vão roubar os nossos empregos. Este
temor é para levar a sério?
A revolução industrial destruiu imensos empregos e criou outros.
Cada mudança desta magnitude gera novas formas de vida e novas
formas de estar na sociedade. Estou convicto que vai doer e muito.
Aqui há uns anos, o dono da Amazon chinesa, a Alibaba, disse: «A
revolução digital vai provocar milhões de desempregos». E ficou
tudo pasmado a olhar. É verdade e, de certo modo, inevitável. O que
há a fazer é minimizar o estrago. Podemos até vir a viver melhor,
mas vai ser doloroso. Cada movimento deste provocará muitas vítimas
pelo caminho.
Como defender-se perante este movimento
devastador?
Estar atento e estudar, minimizando os impactos negativos. Mas
eles vão existir e farão mossa.
E como é que a escola e as universidades devem preparar-se
para estas alterações dos mercados laborais?
Não vai ser um jornalista a ensinar às pessoas da educação o que é
que a escola tem de fazer, mas há passos que são óbvios. Primeiro:
estar atento às mudanças e isto passa não só por profissões que
estão a desaparecer, mas compreender estes movimentos. Recentemente
fiz uma reportagem sobre empregos do futuro e falei com vários
especialistas que me referiram muito o crescimento dos empregos de
serviços locais, no apoio a pessoas idosas, etc. Mas há mais: os
jardineiros - há cada vez mais vivendas com pessoas que querem
passar a sua reforma aí e não têm capacidade física para tratar das
suas propriedades. Há grandes surpresas se analisarmos a fundo o
que se vai passar. Não podemos ser simplistas e dizer que a
tendência do mercado atual é engenheiros a subir de procura e
jornalistas a descer. Se bem que isto é uma realidade. Mas cabe às
universidades, onde se investiga tanto e matérias tão diversas,
estudar os movimentos que estão e vão continuar a sacudir as
sociedades.
A aprendizagem do futuro deve ser cada vez mais
multidisciplinar, com enfoque nas tecnologias e na
informática?
Lidar com a programação é fundamental nos níveis mais básicos do
ensino. Tenho visto exemplos fantásticos de professores que estão a
dinamizar grupos em escolas e que têm tido resultados muito
interessantes. Mas do contacto que tenho mantido, muitos deles
enfrentam sérias resistências por parte de outros colegas. É
preciso mudar algumas mentalidades. Eu estou apaixonado por uma
ferramenta muito básica que ensina informática aos miúdos e que se
chama Scracht. É ótimo para abrir os olhos aos mais novos, tanto
para os que vão seguir áreas tecnológicas ou informáticas, como
para outros, que preferem outras saídas. Mas neste campo o papel
dos professores é fundamental. Da mesma forma que parece consensual
que é preciso o conhecimento adequado da língua materna, mesmo que
a pessoa não venha a ser escritora ou jornalista.
Muito se tem falado do lado perverso da tecnologia. Como
vê este efeito no desempenho escolar?
O exagero é sempre o lado nocivo, neste caso concreto, ao nível da
tecnologia. Entendo que nomeadamente os telemóveis e os tablets
devem estar disponíveis, mas com conta, peso e medida. No meu tempo
a TV era o foco de todos os males, mais tarde foi a banda
desenhada, depois os videojogos e agora são os…telemóveis. O
importante - e sei que não é fácil - é que os pais acompanhem,
participem com eles e estejam atentos ao que os filhos fazem, em
qualquer prática relacionada com a tecnologia. Mas não se pode
proibir. Se um jovem de hoje não está nas redes sociais é um pária,
que acaba excluído do seu grupo. Não se pode negar esta
realidade.
Os pais devem esforçar-se por participar e interagir mais
com os seus filhos?
Os telemóveis e os ecrãs transformados em amas secas podem dar
muito jeito, mas os pais não podem usar estas tecnologias para se
demitirem da sua função e isso acontece muito.
No seu blog, chamado «Futuro Hoje» conseguimos vê-lo numa
foto vestido de astronauta. Sonha ir ao Espaço?
Morria de medo, mas ia. Aliás, adorava. Se sonho? Não. Não sou um
excecional piloto ou engenheiro. Há notícia de um ou dois
jornalistas japoneses que tiveram essa sorte, basicamente porque
trabalhavam em meios de comunicação que na altura atiravam rios de
dinheiro pela janela fora. No meu caso, não me parece possível que
um qualquer órgão de comunicação social me pague um bilhete para
viajar até ao Espaço.
Daria para uma edição especial do «Futuro
Hoje»?
Não dava só para um programa.
Havia matéria para vários programas. Seria a reportagem da minha
vida.
CARA DA
NOTÍCIA
Tudo é
tecnologia
Lourenço Medeiros tem 55 anos.
Colaborou esporadicamente na rádio e na imprensa escrita, mas é na
televisão que se tornou conhecido do grande público. Primeiro na
RTP, onde criou o programa «2001» e mais tarde na SIC, desde 1999,
onde é atualmente editor de Novas Tecnologias. Assina há 11 anos a
rubrica «Futuro Hoje» no «Jornal da Noite» da televisão sediada em
Carnaxide. Também na SIC foi um dos fundadores e diretor editorial
da SIC Online. É presença assídua em feiras e eventos, realizados
em qualquer parte do mundo, sobre as mais recentes novidades no
âmbito da tecnologia e da informática.
Nuno Dias da Silva
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