Editorial
Crato não volta a ser ministro.
O
início deste ano escolar foi, uma vez mais, caracterizado por um
total desprezo pelos profissionais da educação, pelo seu
investimento na formação, pela experiência acumulada ao longo de
anos de contacto directo com os alunos, pais e comunidade
escolar.
À porta da escola, mirando o futuro
incerto, ficaram milhares de docentes. Outros tantos, após dezenas
de anos de serviço, foram obrigados a uma mobilidade forçada, que
os afasta das famílias e dos contextos sociais, emuladores da
motivação profissional.
Em nome de quê? Do aumento da
mediocridade do nosso sistema de ensino público, do desperdício da
formação que o Estado prestou a esses educadores e em benefício de
"feijões" para aumentar a hipócrita poupança orçamental e para
impulsionar o ensino privado, de acordo com a perversa lógica
neoliberal de que a ascensão social, proveniente da meritocracia da
escola, não é para todos.
Crato, no seu pior. Crato, nunca
mais será ministro. Nem da educação, nem do quer que seja. Mas ele,
e Maria de Lurdes Rodrigues, deixaram, na escola e nos professores,
um rasto virótico de corrosão endémica da profissionalidade dos
docentes e do sentido da escola democrática e universal. Trata-se
de um ciclo que urge inverter, para não nos transformarmos nos
pacóvios educacionais da EU.
Por isso, hoje, os professores que
resistem e recusam perder a sua profissionalidade, aqueles que
estão presentes e aceitam os novos desafios, são muitas vezes
olhados como heróis sociais pelo modo como enfrentam o embate das
mudanças, das pressões e das críticas injustas.
Mas nem todos têm esse dom, esse
golpe de asa, essa facilidade de ultrapassar os obstáculos,
sobretudo quando submersos em contextos escolares
claustrofóbicos.
A geografia de actuação dos docentes
foi profundamente alterada nas últimas décadas, sem que isso tenha
revertido numa significativa alteração dos processos de formação
inicial e contínua dos professores. A quase totalidade dos docentes
foram (e ainda continuam a ser) formados para agir, quase
exclusivamente, dentro da sala de aula. As competências
profissionais que lhes são exigidas estão confinadas a saberes e
procedimentos que apenas fazem sentido em situação de classe. Os
formadores de professores dedicam mais de noventa por cento das
suas actividades de supervisão para recolher dados de avaliação
através da observação de aulas. O (futuro) professor pode claudicar
à porta da sala de aula. Será impensável que o faça dentro
dela.
Esta história e estas memórias da
formação fazem com que muitos dos professores portugueses prefiram
o trabalho individual (isolado) à formação em parceria, porque lhes
fizeram acreditar que a sua sala de aula é um local sagrado
inexpugnável e que o seu trabalho profissional se esgota com o
fechar da porta dessa sala. E esta fuga ao trabalho colaborativo
dentro da escola pode atrasar imenso a inversão do ciclo de que há
pouco falávamos….
Muitos de nós fomos e somos apenas
preparados para agir em situação de classe, menos na escola,
raramente na aldeia digital e na comunidade parental. Aí, começam
as fobias, os preconceitos, as reservas e os desencantos. Aí, os
discursos começam sempre a ser menos pedagógicos e mais defensivos
de uma neutra profissionalidade que nem sempre sabemos definir ou
que, por ausência de outro modelo, definimos com base na tradição e
no pior do discurso oral. Sobretudo quando a tutela obriga, com tem
vindo a obrigar, a que os professores se desmultipliquem em tarefas
e todos os objectivos que as famílias e a sociedade não conseguem
(ou não querem?) solucionar…
O alargamento das tarefas e funções
dos docentes obrigam-no a intervir numa nova geografia pedagógica,
pressionam-no a caminhar em terrenos e a traçar percursos em que
ele nem sempre se sente profissionalmente confortável. Obriga-se a
que o professor também seja tutor e educador, quando ele, de facto,
foi, sobretudo, formado para instruir, em contacto directo com os
seus alunos, sem intermediários, designadamente os intermediários
das aprendizagens a distância.
Por tudo isso, temos que exigir um
plano/projecto de formação permanente, o qual deveria envolver
verbas e meios significativos, porque se trata do modo mais eficaz
para combater o desencanto instalado e devolver a escola aos
professores, que sabem, melhor que ninguém, transformar esse espaço
em local de alegria do saber e de formação para o futuro.